Às grandes expectativas geradas à volta do nome Cormac McCarthy – o celebrado escritor norte-americano, cuja obra originou recentemente No Country for Old Men (Este País não é para Velhos, 2007) dos irmãos Coen e The Road (A Estrada, 2009) de John Hillcoat, assina o seu primeiro argumento escrito de raiz para o cinema -, assim como dos actores Michael Fassbender, Penélope Cruz, Javier Bardem, Brad Pitt e Cameron Diaz, ou mesmo do realizador Ridley Scott (só para alguns, talvez), seguiu-se uma estranha e até violenta reacção da crítica norte-americana aquando da estreia de The Counselor (O Conselheiro, 2013). Estranha, pois o filme não a merece – aliás, como não mereceria a reacção oposta; não é objecto para paixões dessas (já a tradução portuguesa do título suscita um apaixonado desagrado, por cair num tão flagrante “falso amigo”: counselor é advogado e não conselheiro).
Algumas críticas apontadas a The Counselor acertam no alvo: os diálogos de McCarthy são demasiadamente literários, não por serem artificiais – por norma, os diálogos cinematográficos são artificiais, pelo que nem se entende a condenação -, mas por explicitarem com alguma insistência os temas do filme (o que, bem vistas as coisas, só é literário se se estiver a pensar em má literatura) e resvalarem, por vezes, numa certa pompa (as personagens, principalmente as mais malvadas, falam quase só por parábolas); a mundividência de McCarthy e, por arrasto, do filme é excessivamente lúgubre: o mundo é uma merda, a ganância é o motor de toda a actividade humana (há uma personagem boa no filme, mas é tão boazinha que é uma gritante excepção) e, num darwinismo social radical, apenas os verdadeiros e mais espertos filhos da puta (os que não têm remorsos – nem outro tipo de sentimentos, presume-se) se safam aos castigos divinos, infligidos com violência bíblica, tão inevitáveis e imparáveis como aquela maquineta que corta cabeças (uma metáfora bastante óbvia do enredo de The Counselor).
Quanto às acusações de excesso de violência, parecem descabidas. Seja por uma questão de estilo de Ridley Scott – cujo cinema não é conhecido pelas representações gráficas de violência [Alien (Alien – O 8.º Passageiro, 1979), ainda o seu melhor filme, ganha por as evitar] – ou por uma questão de inteligência de Cormac McCarthy – ao perceber que, em cinema, a sugestão de actos cruéis pode ser mais eficaz do que a sua manifestação -, as partes potencialmente chocantes e gore acontecem ou fora de campo e de cena ou a uma distância sensata da câmara (à excepção, porventura, da morte final, que é bem menos poderosa por isso). Nesse aspecto, os irmãos Coen foram muito mais longe do que Scott em No Country for Old Men (para o melhor e o pior). Contudo, pensado bem, o filme que tem todos os defeitos referidos atrás (e mais alguns) é Killing Them Softly (Mata-os Suavemente, 2012) de Andrew Dominik, que, de resto, até tem semelhanças com The Counselor: a ganância norte-americana, negócios ilícitos que correm mal e Brad Pitt.
De qualquer forma, esse pudor será a maior qualidade da realização de Ridley Scott, que é, no resto, meramente ilustrativa e pouco entusiasmante. Há quem considere Scott um esteta, se bem que desde The Duellists (O Duelo, 1977) – um laranjíssimo cartão postal (de todos aqueles pores-do-sol) a querer vender uma ideia de beleza – seja sempre mais interessante quando parece estar a fazer anúncios gigantescos não se sabe bem a quê, como em Black Rain (Chuva Negra, 1989) e Blade Runner (Blade Runner: Perigo Iminente, 1982), do que na vertente mais séria que adoptou a partir de certa altura, talvez para se afastar do seu passado publicitário e do cinema do irmão Tony – que, ainda mais após a sua morte, surge como o melhor dos Scotts, aquele que arriscou mais ao hiperbolizar a estética MTV até à sua desconstrução [Domino (2005) continua a ser uma das obras mais esdrúxulas deste milénio] -, e em que cabe este The Counselor. Portanto, a visita de Ridley ao México, território de Man on Fire (Homem em Fúria, 2004) de Tony, é tão-só turística, pois não aproveita nenhuma das lições do irmão (o que fortalece a ideia de que Tony seria o Scott indicado para filmar McCarthy).
Ainda assim, Ridley Scott arranca algumas boas interpretações: a animalesca Cameron Diaz, mais cabra do que chita (e protagonista de uma insólita cena de sexo); Javier Bardem, novamente no universo McCarthy e novamente com um penteado ridículo, a mostrar vulnerabilidade por baixo da caricatura; Ruben Blades, melifluamente letal. No entanto, boa parte dos actores acaba com papéis decorativos – os protagonistas ausentes Michael Fassbender e Penélope Cruz; Bruno Ganz; Rosie Perez; John Leguizamo; e Brad Pitt, em mais uma variação do malfeitor simpático – num enredo bastante reconhecível (as traições e os enganos dos negócios da droga), que culmina com uma revelação muito previsível (não serei desmancha-prazeres, até porque o próprio filme se encarrega disso).
É verdade que, lá pelo meio de The Counselor, há uma boa ideia bem aproveitada – à maneira do que Nicholas Pileggi e Martin Scorsese fizeram com o dinheiro em Casino (1995), McCarthy e Scott traçam o percurso da droga, cujo tráfico vai ditar o destino de todas as personagens, desde o México aos Estados Unidos, passando por lugarejos e estradas poeirentas, mudando de mãos como uma amante infiel, deixando um rasto de corpos mutilados e vidas destruídas -, o que, obviamente, não tira o filme da mediania aprazível.