O remake tem uma fama desgraçada que não é inteiramente justa [já aflorei este assunto, a propósito de Breathless (O Último Fôlego, 1983) de Jim McBride] e tem mais a ver com ideias preconcebidas sobre o cinema americano (na cabeça das pessoas, o remake é uma invenção americana, ideia que sobrevive contra diversas evidências) ou teorias de neocolonialismo cinematográfico (os norte-americanos, não contentes com dominarem boa parte do mercado, ainda vão roubar filmes inteiros às cinematografias que lhes resistem, retirando-lhe as idiossincrasias e adaptando-os ao gosto médio ocidental) do que com os objectos em si. O primeiro problema de Oldboy (Velho Amigo, 2013) é que vem dar razão a quem (ab)usa de tais argumentos. O segundo problema, e inevitavelmente causa do primeiro, é Spike Lee.
É engraçado perceber como a cover, o correspondente musical do remake, não sofre deste anátema. Pelo contrário, até é bem vista: como homenagem, como pretexto para todo o tipo de reinvenções, como reapropriação mais ou menos irónica, enfim, como o gesto estético que é e não precisa de outras razões para ser validado. É justo escrever-se, no entanto, que o tipo de cover com pior reputação é exactamente aquele que se cola demasiadamente ao original. Ora, nesta lógica, Oldboy nem se safaria como cover, uma vez que, ao contrário das informações que vieram a público quando se começou a falar deste filme, se baseia directamente em Oldeuboi (Oldboy – Velho Amigo, 2003) de Park Chan-wook e tem tanto da banda-desenhada quanto este (relativamente pouco).
Se até se pode escrever que há uma ou outra mudança no argumento – que não irei especificar, não só para não ser desmancha-prazeres, como por considerar que a versão de Spike Lee vive muito (de mais) do twist final e contar fosse o que fosse exporia ainda mais a sua fragilidade -, raramente para melhor (deixo a ressalva de que os olhos normalmente gostam mais das coisas da primeira vez que as vêem e, por isso, podem ficar cegos a alterações positivas), há opções de realização retiradas “ipsis planus” do original coreano (e quando tal não é aconselhável, fazem-se pequenas homenagens, como a prestada ao polvo, que, desta feita, fica ileso no aquário). Ao assinar o seu primeiro remake, Spike Lee faz o seu filme menos pessoal. Esta afirmação parece óbvia, mas a “ausência” de Lee em Oldboy [provavelmente já com a cabeça em The Sweet Blood of Jesus (2014), o seu projecto seguinte, financiado no Kickstarter) é impressionante – o único plano “seu” é aquele em que Josh Brolin flutua a andar, uma imagem recorrente na sua obra, que neste caso serve tão-só para que o realizador possa dizer que teve alguma coisa a ver com a empreitada, já que não se vislumbra qualquer outra razão para a sua existência.
Por outro lado, Oldboy não trará a Spike Lee o opróbrio que os incompreendidos Girl 6 (A Rapariga: Código 6, 1996) e She Hate Me (Ela Odeia-me, 2004) – em que se pode encontrar o Spike Lee mais radical (não no sentido político; quando muito, no sentido de política sexual), o Spike Lee da notável primeira longa-metragem She Gotta Have It (Os Bons Amantes, 1986) – lhe trouxeram. Não é dada a derivações desnecessárias, nem se expõe ao ridículo, é um filme de acção escorreito, ordeiro, funcional. Paradoxalmente, no estilo, diametralmente o oposto da absurda e violenta demência, da brutalidade burlesca, do horror de Oldeuboi. É aí que a porca torce o rabo – Oldboy é tão parecido com a versão coreana que se detecta imediatamente o que lhe falta: além do desvario da realização de Park e da amoralidade sem contemplações do argumento original (há uma componente levemente moralizadora, normalizadora nas poucas modificações), Josh Brolin, apesar de tentar o melhor e de não se sair assim tão mal, não é Choi Min-sik (autor de uma interpretação assombrosa em Oldeuboi), da mesma maneira que Sharlto Copley não tem a dignidade e a beleza de Yu Ji-tae; já Elizabeth Olsen, uma actriz tão estranhamente natural que deixa a dúvida se saberá realmente representar, é a única aresta por limar neste polimento todo (valerá a pena referir que Michael Imperioli e Samuel L. Jackson participam neste filme? Nem os próprios se devem lembrar).
É muito complicado disputar a irrelevância/inutilidade de Oldboy. Richard Brody da The New Yorker bem tenta, mas o argumento de que a versão norte-americana é superior à coreana por retratar as convulsões sociais que se vivem mundo fora parece insuficiente. Quando entra o genérico final, apenas se deseja que Spike Lee regresse depressa, depois desta temporada pelo cinema anónimo (algo que, para o bem e para mal, nunca se pudera dizer do cinema de Lee até agora).