1. Da-reun na-ra-e-suh (Noutro País, 2012) – 58 pontos 2. La vie d’Adèle: chapitre 1 & 2 (A Vida de Adèle, 2013) – 48 pontos 3. La fille de nulle part (A Rapariga de Parte Nenhuma, 2012) – 46 pontos 4. Barbara (2012) – 26 pontos 5. Post Tenebras Lux (2012) ex aequo com Django Unchained (Django Libertado, 2012) – 24 pontos 6. Zero Dark Thirty (00:30 A Hora Negra, 2012) – 21 pontos 7. Passion (Paixão, 2012) – 20 pontos 8. Dupa dealuri (Para lá das Colinas, 2012) – 19 pontos 9. Like Someone in Love (2012) – 18 pontos 10. Pacific Rim (Batalha do Pacífico, 2013) – 16 pontos
Comparando com o nosso Top 2012, constatamos que a baixa representatividade do cinema norte-americano é um dos mais notáveis denominadores comuns: oito filmes não-americanos em 2012 e 7 agora em 2013 colocam, nos dois balanços, o Tio Sam numa situação de algum embaraço. A verdade é que a esmagadora maioria das estreias em sala teve produção norte-americana e que cada vez é mais difícil “dar espaço” a propostas alternativas, vindas de outros cantos do mundo onde – imagine-se só a lata! – também se faz cinema, grande cinema. No Top 3 um português, finlandês e húngaro dão lugar a um sul-coreano, um franco-tunisino e um francês. Pouco cinema americano, mas também menos cinema vindo da Europa: de 7 para 4, de 2012 para 2013. A vitalidade encontrada em dois filmes franceses, propostas estéticas completamente distintas, será a nuance mais relevante. Apesar disso, a maior proeza é da responsabilidade de Hong Sang-soo, autor do filme do ano para o À pala de Walsh. Praticamente todos os votantes foram seduzidos pelos “leves ares” da sua comédia amorosa. Se o primeiro e o segundo lugares estavam separados por apenas um ponto em 2012, neste ano uns significativos dez pontos distanciam o melhor do segundo melhor. Ainda assim, algo inédito por comparação com o ano passado, por quatro vezes o segundo classificado é distinguido com a posição máxima nos Tops individuais. La vie d’Adèle foi o filme “entre extremos” neste ano de 2013. Apesar disto ou por causa disto, não deixa de ser curioso – se não paradoxal – que quase todos os participantes falem de um ano melhor que o anterior ou até de um bom ano para a Sétima Arte. Os números totais dizem que o fenómeno de polarização dos votos, isto é, “o grau de consensos” pouco se alterou ou até se acentuou de 2012 para 2013.
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São muitas as vezes em que a memória nos atraiçoa. Uma das mais belas e estóicas virtudes do Cinema reside, aliás, no combate ao esquecimento, à efemeridade, à transitoriedade das coisas. O Cinema preserva e reabilita mitos, imagens, fantasmas, tudo coisas que, a partir do momento em que nos assaltam numa sala escura, jamais abandonam o nosso imaginário, o mesmo é dizer, a nossa vida, potenciando esse misterioso vaivém reflector entre o que acontece na tela e o que acontece na nossa vida dita real (turbulenta correspondência imortalizada por Bergman na primeiríssima sequência de Persona). Este curto intróito, não pretendendo ser (mais uma) banal ode ao Cinema, tem uma finalidade muito precisa: ao contrário daquilo que pensámos quando nos propusemos seriar os melhores filmes deste ano, 2013 foi rico em bons filmes, alguns mesmo de primeira água. Nada melhor, portanto, do que percorrer, com vagar, estes 12 meses e perceber como a memória (ou a falta dela) nos pode, de facto, atraiçoar. Dando continuação à saga romena (talvez o único movimento estético-histórico do Cinema digno desse nome das últimas décadas, como há tempos defendia o Luís Mendonça no Jantar de Natal walshiano), Cristian Mungiu assina aquele que é um monumento cinematográfico erigido sobre os melhores alicerces da estética romena dos anos 2000: a contenção, o niilismo (“para lá das colinas” ou para lá de… Deus?), a moralidade dúbia, o olhar documental, enfim, um certo resumo sociológico do “estado das coisas” (com particular incidência sobre a “Desunião” Europeia). Última nota para o cinema português (que, a despeito da ausência de uma homogeneidade estética, tem causado o mesmo furor que a nova cinematografia romena causou quando surgiu): a escolha que fizemos para o segundo lugar, além de consagrar um grande cineasta (João Pedro Rodrigues), “segura” uma obra (Até Ver a Luz) que, não fôssemos traídos pelos conceitos, diríamos ser representativa do melhor “realismo poético”. |
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Os quatro melhores filmes do ano e outros destaques. |
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O ano em que foi possível assistir a Tôkyô monogatari (Viagem a Tóquio) e Vertigo no cinema tem que ser recordado como um ano positivo. Mesmo sendo um ano de escassa e difícil produção para o cinema português, um filme sobressaiu como sinal de esperança: Até Ver a Luz de Basil da Cunha. Uma abundância de estreias permitiu ver obras de Terrence Malick, Carlos Reygadas e Brillante Mendoza, Jacques Audiard e Alain Guiraudie, Derek Cianfrance e Jeff Nichols, Noah Baumbach e Woody Allen, Alfonso Cuarón e Richard Linklater, Matteo Garrone e Roman Polanski, filmes que perduraram dias após o seu visionamento. Destaque ainda para o documentário Stories We Tell e para dois filmes que ficaram tangencialmente fora da lista, The Master e Spring Breakers, que impressionaram particularmente pela técnica exímia, mas cuja dedicação a um esquema visual próprio acabou prejudicada pela inocuidade do tema abordado. Sobre os três primeiros da lista: Lore é um filme-poema de uma beleza rara, que contrasta a violenta descoberta dos horrores de uma Alemanha em fim de guerra com uma infusão sensorial descritiva; Dupa dealuri (Para lá das Colinas) constrói um puzzle claustrofóbico sobre uma relação condenada entre duas raparigas, através de vários planos fixos em que as composições pormenorizadas revelam aos poucos a complexidade que encerram; houve uma vez um filme dos irmãos Dardenne, Rosetta, imitado por todos nos seguintes anos, que definiu uma estética militante de um cinema social e mostrou as possibilidades de uma câmara livre, que se prende a uma actriz para desenvolver a história. Com La vie d’Adèle, Kechiche apropria-se dessa linguagem, mas mais do que uma imitação ou actualização, cria um épico de ferocidade sentimental, indomável no seu desejo de chegar à intimidade de uma personagem, ancorado aqui também por uma actriz, com efeitos devastadores. |
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No ano passado, queixei-me da qualidade dos filmes estreados em Portugal. Este ano, faço o oposto, o que demonstra como estas coisas são cíclicas (ou como as disposições mudam). No entanto, a quantidade de filmes bons que passaram em sala em 2013 – que me obrigou a deixar alguns de fora e nem sequer estou a contar com as reposições ou as “estreias” de Ozu (estas últimas, se seleccionáveis, encabeçariam quase todos os tops pessoais, estou certo) – não escamoteia o problema da distribuição de cinema no nosso país, que tem cada vez menos espectadores e, paradoxalmente, cada vez mais estreias todas as semanas. Algumas com anos de atraso. Esse é o motivo por que não incluo O Som ao Redor de Kleber Mendonça Filho e The Innkeepers de Ti West. Estou convencido que se os tivesse visto este ano estariam entre os meus dez mais. Quanto às obras que escolhi, óbvio destaque para La vie d’Adèle, um instantâneo “filme da minha vida”, tão comovedor (e poucos filmes me deixaram assim, abananado, apaixonado, desolado) que arrebatou o primeiro lugar àquele que esteve lá durante meses, Da-reun na-ra-e-suh, um “pequeno filme” absolutamente extraordinário e que merecia que houvesse mais do que um primeiro lugar. Outro destaque, menos óbvio, é Pacific Rim, que devolveu a diversão ao blockbuster (bem precisado dela) e me lembrou do prazer de ver filmes de aventuras (ou acção) na infância. Contudo, o maior destaque é a mulher. Se só há uma realizadora (Salomé Lamas) na minha lista, sete dos dez filmes vivem das (“são” as) suas actrizes: Adèle Exarchopoulos, Isabelle Huppert, Rooney Mara, Nina Hoss, Rin Takanashi, Greta Gerwig e Cate Blanchett. |
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Como sempre, e como não pode se pode evitar, acaba o ano e ficam imensos filmes por ver. Uns por falta de oportunidade, outros por desinteresse, outros por pura ignorância. Os novos de Kiarostami e Hong Sang-soo são as falhas mais graves e mais sentidas. Por aqui não se quis assistir aos novos filmes de Kechiche, Baumbach, Blomkamp, Mendonça Filho nem às curtas do Som e da Fúria e preferiu-se conhecer Richard Fleischer e Robert Mulligan. Quis-se descobrir os filmes de Isaac Florentine e James Wan (ambos com filmes estreados este ano) mas continuou-se ignorante. Enfim, odiou-se o novo Tarantino, o novo Kar-Wai e questionou-se o resto das suas obras, e ainda não se sabe bem que achar dos novos de Sofia Coppola, Billy Bob Thornton e Harmony Korine. Cada país tem a distribuição que merece, e se dois dos filmes capitais de Yasujiro Ozu nunca estrearam até este ano, é urgente pô-los em listas destas, sobretudo por ser injusto para com os restantes filmes (excepção feita talvez ao Brisseau, que se bate galantemente e é o melhor filme de 2013 feito em 2013). Assim, os filmes do ano são Sanma no aji (O Gosto do Saké, 1962) e Tôkyô monogatari (Viagem a Tóquio, 1953). Olhemos para eles e para o resto e vejamos se evoluímos assim tanto. Não me parece. Petzold foi uma muito grata surpresa e o novo de Thomas Anderson ainda faz cogitar, mesmo passados uns meses largos. Passion e Escape Plan foram os filmes que mais se gostou de ver deste ano. O segundo até pode ser mau, mas deixa pelo menos documentada a classe e sentido de espectáculo de Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger, que em cena estão de inteligência e movimentos cristalinos. Trabalho deles e de mais ninguém. Não de Mikael Hafstrom, com certeza. Menção óbvia às exibições da Medeia Filmes e aos empreendimentos de programação da equipa de Paulo Branco, à Luzlinar e aos filmes que se vão passando no Fundão e que precisam tanto de ser passados, às Ante-Estreias da Cinemateca (algumas, não todas), às entrevistas que James Gray e Pedro Costa deram este ano, à integral Lang… E é isto. |
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De um ano obcecado pelos mistérios do desejo e do amor, guardo para sempre a odisseia fílmica gerada pelo e no rosto de Adèle. Mais do que ter sido difícil sair dele, foi ele que dificilmente saiu de nós. Os dois outros rostos (femininos) do ano pertenceram a Sara Paxton e Greta “Ha” Gerwig: a primeira protagoniza o mais hawksiano filme dos últimos tempos, no qual Ti West filma comédia como se fosse terror e terror como se fosse comédia; a segunda (ainda com a primeira) é o rosto desta “nossa” precária juventude de misfits. Ficará também para a história do ano o plano do rosto em lágrimas de Jessica Chastain no final do intenso “filme histórico” de Bigelow. De Palma põe em película uma tensão lésbica atravessada por sonhos húmidos de fotografia expressionista e uma visão implacável das relações de poder em ambiente laboral. Isabelle Huppert foi a mulher em loop no deliciosamente rohmeriano filme de Hong, um gracioso “conto amoroso” cubista à beira-mar plantado. Dando uso aos mais antigos e essenciais “truques” de mise en scène, Brisseau e Wan construíram duas radicais assombrações cinematográficas. Sem truques nem manhas, Nichols fala sobre o triunfo da amizade, num drama sereno e profundo como as águas que rodeiam a ilha da personagem interpretada pelo actor do ano, Matthew McConaughey (a sua inesquecível composição no filme mais anarquista de 2013, Killer Joe, lançado no mercado de aluguer, mereceria outro destaque caso esse título tivesse estreado em sala). Linklater faz-nos regressar à vida de Jesse e Céline, mas desta vez o amor adolescente e leve procura resistir à distância amargurada que a idade impõe. Outros destaques: Evil Dead, Side Effects, Redemption, O Som ao Redor, After Earth, Gravity, Le passé, The Master, Behind the Candelabra, Like Someone in Love e Tall Man. |
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O filme de Tarantino estreou no começo do ano e, por razões pessoais, parece de um outro tempo. Outra vida. Recordo bem o desconforto que causou. A admiração também. A excitação da sms partilhada com um amigo onde eu falava em revisitação do imaginário do Holocausto, ligando esta obra-prima – este, sim! – a Inglourious Basterds (2009), o filme anterior do realizador. A lista vem a ser Tarantino + nove, mas tenho orgulho nos filmes que escolhi e na possibilidade de os ter visto num ecrã de cinema. Isto é mais importante do que qualquer lista, pois pode um dia deixar de ser possível. Espero que não e quero continuar por cá para ver que não mesmo. |
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É de bom tom começar por dizer que ficaram muitos filmes por ver – o último de Polanski, Mungiu, Loznitsa, Koreeda, Davies e Garrone. Mas não há olho para os ver a todos e mais que olho, há falta de tempo para os ter abertos. É também de bom tom secundar os dizeres com os filmes que ficaram tristemente à porta – como uns cãezinhos que latem baixinho -; contam-se entre eles o De Palma, o Nichols, o Farhadi, Soderbergh, Petzold, o outro James Wan e o último de Paul Thomas Anderson. Agora para as coisas de mau tom. Pacific Rim é, sem sombra de dúvida, o grande filme do ano, não por ser o melhor, nem o mais inteligente, nem talvez (e aqui tenho muitas dúvidas) o mais tocante, mas porque é a maior e a mais bela (=estouvada) ode a uma ideia de herói puro – onde o esquematismo dos arquétipos faz lembrar as perfeitamente delineadas arestas de um diamante. Brilhante, delicado e ao mesmo tempo duríssimo e preci(o)so. E depois, claro, temos Kiarostami e Sang-soo que, por caminhos outros, alcançam essa mesma pureza de espírito, essa mesma leveza nos personagens. E depois há os outros (belíssimos outros, entenda-se). |
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É possível que alguém, certamente munido dos mais nobres e belos sentimentos e perfeitamente convencido da sua justeza, tenha, algures no final de 1959, olhado para a lista de dez melhores filmes dos Cahiers du Cinéma relativos a esse ano e entoado, nostálgica e resignadamente: “o cinema está cada vez pior…”. Ou, indo um bocadinho mais atrás, é perfeitamente seguro imaginar quais as palavras que Auguste disse ao seu irmão Louis quando arrumavam as trouxas perto da sua fábrica: “longe vão os tempos do bom cinema, irmão!” Ou, agora voltando a avançar nos tempos, essa profecia ao retardador do grande Alberto Seixas Santos, que em 2011 afirmou que o cinema tinha acabado há… vinte anos. Sendo assim, e como o cinema pode ter acabado há cento e dezoito, há cinquenta e quatro ou há vinte e três anos, torna-se evidente que eu, sabendo disto, tratei de aproveitar ao máximo este período post-mortem desta arte e saborear variados filmes (não cinema, que esse já acabou) neste ano de 2013. Pecador me confesso por não ter achado este um “ano relativamente muito fraco”; seguem-se já cem açoites à conta disto. E a juntar à desregrada lista que acompanha este texto, poder-se-iam juntar, num dia de menos chuva, outros títulos, como Barbara (Bárbara, 2012), Mud (Fuga, 2012), L’Enfant d’en haut (Irmã, 2012), Django Unchained (Django Libertado, 2012), À perdre la raison (Os Nossos Filhos, 2012). Uma desgraça. |