Todos os depoimentos foram filmados – somos informados através do genérico final – mas por uma razão Susana de Sousa Dias optou por montar apenas o som, sobrepondo-lhe as fotografias tiradas pela PIDE, dos presos políticos entrevistados para o filme. Essa intenção existia de início. Eram aquelas imagens, e somente as fotografias, que a realizadora queria usar. Opção corajosa na medida em que faz situar 48 (2009) em termos formais no território do cinema experimental, quando a sua dimensão humana e as histórias relatadas são igualmente determinantes.
Aquilo a que assistimos é um alinhamento de breves testemunhos de resistência e sobrevivência contados na primeira pessoa. O filme de Susana de Sousa Dias é muito hábil na forma como cria as condições de uma imparcialidade que teria de ser imposta. A escolha das fotografias condiciona directamente as identidades dos relatos. Em momentos excepcionais alguém que fala não o faz sobre a sua imagem mas sobre a fotografia daquele de quem fala: sempre um familiar.
48 funciona também como um mosaico sobre os mecanismos de controlo, repressão e tortura usados no Estado Novo (1926-1974): regime que vigorou em Portugal pelo período de 48 anos, daí o título deste filme, que denota a intenção de transcender os depoimentos reunidos rumo à radiografia existencial de um país reprimido onde, por exemplo, “a parte sexual era uma tragédia (…) À esquerda e à direita. Ninguém se tocava. Parecia que não se podia sentir o élan, o impulso (…)”.
Questão central a 48 é a de pensar sobre quanto do que ouvimos contar, coisas que sabíamos ou imaginávamos que assim fossem (a tortura encontrava-se globalizada no mundo, antes de este ser globalizado), está presente nas “caras medonhas” que num fade in nos surgem e em fade out se despedem de nós. Rostos amarrados de expressão. Rostos que recusam dar qualquer satisfação. Rostos que, ainda assim, nos passam alguma coisa das privações e do sofrimento daquelas pessoas. Aqueles rostos falavam já, embora imóveis e silenciosos. Pediam talvez que alguém lhes desse voz. O filme de Susana de Sousa Dias resgata a voz destas pessoas em dois períodos afastados e simultâneos. Falando para os de então, no presente da história, e para os de agora, no presente do filme.