Começa amanhã a 5.ª edição da Mostra de Cinema de Hong Kong, uma das raras oportunidades que existem anualmente para ver filmes asiáticos no cinema em Portugal. Um dos títulos mais sonantes da edição deste ano é Da Shanghai (The Last Tycoon, 2012), do conhecido realizador, produtor e argumentista Wong Jing. O seu mais recente trabalho é uma súmula de ingredientes que celebrizaram o cinema de Hong Kong nos anos 1980s e 1990s e que o mantêm de saúde na sua nova fase de co-produções com a China continental.
Da Shanghai – cujo título original quer dizer “Grande Shanghai” e é também o nome do clube nocturno do protagonista (provavelmente inspirado no Da Shijie / Great World, construído em 1917) – é como um medley: tem um pouco de tudo o que se julga melhor de êxitos passados conhecidos pelo grande público. É simultaneamente um filme de gangsters, um drama romântico e um filme de guerra. Tem sequências de acção a piscar o olho a John Woo (por exemplo, a da igreja), cenas de tensão romântica que evocam abertamente Wong Kar-Wai e tem até laivos de filme de espionagem e guerra que não destoam da nova moda de filmes chineses ambientados na Segunda Guerra Sino-Japonesa [como Se, jie (Sedução, Conspiração, 2007) de Ang Lee]. Mas Da Shanghai tem algo ainda mais importante, tem Chow Yun-Fat, uma das maiores estrelas do cinema de Hong Kong que tem brilhado também na China continental e até nos EUA, e o filme trabalha a sua figura icónica melhor que um outro filme recente ambientado no mesmo período, Shanghai (2010) de Mikael Håfström.
Chow é Cheng Daqi, um poderoso e influente “chefão” que ascendeu do nada nos anos 1910s. Boa parte do filme é constituído por flashbacks para o passado de Cheng, qual crónica da sua ascensão pautada por violência mas também por lealdade ao seu chefe, Huang Shouting (Sammo Hung numa personagem inspirada em Huang Jinrong). Curiosamente, a personagem de Cheng enquanto jovem é interpretada por um outro actor, Huang Xiaoming, que se destacara numa série chamada Xin Shanghai tan (Shanghai Bund), onde Chow participara numa versão anterior, e que se passa precisamente entre gangsters de Xangai nos anos 1930s.
Embora o filme tenha um ambiente amplamente masculino, há ainda espaço para não uma, mas duas histórias de amor: a de Cheng por Ye Ziqiu, uma estrela de ópera de Pequim, e dele por Bao, uma chanteuse de Xangai. A primeira, com ecos de Casablanca (1942) – a que não falta uma cedência de lugar num avião para fora da cidade, uma citação mais que evidente -, a segunda bem mais na linha das sacrificiais “mulheres perdidas” que povoam filmes de gangsters. Ambas são figuras femininas decorativas, apesar de uma cena com ópera de Pequim ser das mais bem conseguidas do filme.
Embora fazendo referência aos anos 10, a acção principal do filme desenrola-se em 1937 e 1940, no início da ocupação japonesa e numa fase um pouco mais avançada desta. As cenas da batalha de Xangai têm alguns momentos de interessante reconstituição histórica mas o cerne da questão é, em linha com outras tantas produções recentes, a recusa de Cheng em colaborar com os japoneses, contrastando com Mao Zai (outro célebre nome do cinema de Hong Kong, Francis Ng), que funciona como a figura maléfica que ensina Cheng a matar e trairá o seu país.
A Segunda Guerra Sino-Japonesa tem sido tema de várias grandes produções chinesas dos últimos anos [como Jinling Shisan Chai (As Flores da Guerra, 2011) de Zhang Yimou, Yi jiu si er (Back to 1942, 2012) de Feng Xiaogang ou Yi dai zong shi (O Grande Mestre, 2012) de Wong Kar-Wai], com resultados variáveis mas com uma curiosa ressonância política. Da Shanghai entra numa categoria de maior entretimento e menor procura de reflexão histórica, estando bem longe do subtil jogo de ambiguidades e desejos de Se, jie. Aliás, é notório o retrato maniqueísta de Cheng, um bom “padrinho” que até proíbe drogas e prostituição! Dadas as referências a Du Yuesheng como fonte de inspiração para a personagem, um pouco mais de complexidade seria de esperar.
Apesar do argumento pouco trabalhado, Da Shanghai tem outros pontos a seu favor como filme de entretenimento de grande orçamento que é (e quer ser, pois isto é cinema de massas made in Hong Kong, não é realismo observacional ou documentário de guerra): os cenários (incluindo papel de parede!) e guarda-roupa (nomeadamente os luxuosos qipao) reflectem com habilidade a atenção dada ao potencial da nostalgia pela old Shanghai, as sequências de acção e romance usam os truques do ofício como a câmara lenta com resultados assegurados de espectacularidade (veja-se a cena dos guarda-chuvas), e aos videoclipescos segmentos românticos não falta um tema de um cantor conhecido.
Da Shanghai é como uma compilação de momentos típicos do cinema de entretenimento de Hong Kong em duas horas (excepto a comédia), recomendável para apreciadores do género ou para quem quer saber o que é um blockbuster não feito em Hollywood.
Da Shanghai será exibido dia 25 às 21:45 no Cinema City Classic Alvalade, em Lisboa