The Hanging Tree (Raízes de Ouro, 1959), último dos nove westerns de Delmer Daves, esse livro com capítulos comparáveis aos melhores de Ford, Hawks e de outros cultores do género, em França levou o nome de La Colline des potences. É a partir dessa colina que se constrói toda a acção e é também a partir dela – como o perceberam os tradutores – que se projectam todas as potências: muralha do castelo da possuída personagem de Gary Cooper, o Doc Frail que assim se apelidou por ter “frail hope” e que vem para Skull Creek, como outros colossos do Oeste para outros creeks ou plains, com um passado que lhe dita as acções e se lhe vê marcado no rosto.
Os westerns de Delmer Daves (cuja carreira em Hollywood começou em 1923 e durou até 1965) estão concentrados num período de nove anos, a década de 50. Broken Arrow (A Flecha Quebrada, 1950) foi o primeiro e, como já ao princípio disse, o último foi The Hanging Tree. Pelo meio, houve maravilhas como The Last Wagon (A Última Caravana, 1956) e The Badlanders (Os Homens das Terras Más, 1958) ou o trio com Glenn Ford, Jubal (Jubal, 1956), 3:10 to Yuma (O Comboio das 3 e 10, 1957) e Cowboy (Como Nasce um Bravo, 1958). Num pequeno vídeo em que analisa The Last Wagon, Patrick Brion olha para estes nove filmes por ordem e descreve a evolução do olhar do realizador americano sobre o Oeste. Quando chega a The Hanging Tree, diz que “o filme é muito interessante porque quando Daves começa a realizar westerns, no caso de Broken Arrow, são westerns líricos, um pouco idílicos, romanescos, românticos. Pelo contrário, The Hanging Tree é um filme trágico, com um Gary Cooper extremamente marcado, quase já no limiar da morte, e é quase o equivalente do que Man of the West (O Homem do Oeste, 1958) foi para a obra de Anthony Mann“. Quando Louis Seguin fez o mesmo estudo global no seu texto, Noblesse et logique, dedicado a Daves, escreveu que a partir de The Hanging Tree, a construção espacial do realizador se torna vertical, por oposição aos outros filmes, que seriam de construção horizontal. Não sei se assim é, há sequências capitais em Broken Arrow, The Last Wagon e Cowboy que parecem desmentir isso. Sequências violentíssimas de caravanas a cair por falésias, atiradores furtivos à espreita em colinas ou debandadas de gado monte abaixo. Os rios de Mann, as colinas de Daves. Vertigens imensas, confluências e fluxos de todas as potências. Quando a Elizabeth Mahler de Maria Schell (Maria Schell, não há palavras que que lhe façam justiça) sai pela primeira vez da casa em que Gary Cooper dela cuidou e revive a elíptica viagem com o pai, viagem da desgraça dele, viagem da desgraça dela, os sons daquela pequena cidade no sopé da colina de Cooper invadem-lhe o corpo e a alma e é totalmente arrasada. Cooper vai ter com ela e diz-lhe que “if you keep your eyes closed, you’ll think, from the sounds you hear, the world is falling on you. But if you open your eyes and look, you’ll see things for what they are” e depois que “You’re standing on the edge of a cliff, I don’t advise you to go through life with your eyes closed“. Mas não é só ela a estar de pé na beira do precipício (ou no “limiar da morte”) e a viver a vida de olhos fechados.
Porque é também elíptico o passado do homem chamado Temple e que era médico, que se tornou Doc Frail porque “it suited a man with frail hope“. Do seu passado só nos são dadas pequenas pistas pela personagem de Karl Swenson, quando conversa com Rune, o rapaz feito propriedade do Doc por chantagem, e diz Swenson que ambos “did a little business together off and on”, e conta uma história dum médico chamado Temple que vivia onde o Ohio e o Mississipi se fundem, “in a fine grand house on the point that overlooked the joining of the waters. And something happened to the house, one night. They say a man and a woman were killed, and the doctor put the torch to the house and burned it to the ground. You can still see the burned chimney sticking up above the willows where the rivers meet“. Chegou a Skull Creek e mais uma vez se pôs num “point” que “overlooked“, comprando aí casa e criado e fazendo-se mestre e comandante da cidade e dos habitantes esfomeados por ouro. E a quanto se vai neste filme para possuir, quanto se acredita que tudo se pode comprar, quantas teias se tecem para controlar o próximo, quantos actos de bondade são puxados e movidos só por interesses e maquinações. O cantil de água que Elizabeth não larga mesmo quando está com a cara rebentada pelos raios impiedosos do sol, o ouro de Frenchy e a terrível celebração do fim do filme, os terrenos, as propriedades, as mulas e a squaw. Não é só Rune que Doc trata como propriedade, há também aquela longa sessão curativa, exorcismo que acorda fantasmas vários à Elizabeth a que Doc ou Temple ou Frail não deixam ver vivalma, castigando também qualquer alma que se ousar dela aproximar. Como castiga Frenchy quando este se aproxima do fruto proibido e começa a raspar nos alicerces frágeis da compostura do homem louco que só possuindo e pagando parece conseguir assegurar-se de que os outros não o abandonam. Sempre a solidão. Como nenhum homem é uma ilha, nenhum homem é uma montanha.
E, depois, o saudoso milagre. Daves já nos tinha preparado para ele naquele belíssimo plano subjectivo de Elizabeth a abrir os olhos e a voltar a ver, transição dum desfocado para um focado Gary Cooper. Lá no topo dessa terrível colina, onde não há luz sem sombra, nem nada sem o seu contrário. Por isso é que, no fim, quando Doc cura a sua cegueira, mais perigosa porque auto-induzida, grita por Elizabeth e esta se aproxima, o grande Marty Robbins canta “To really live you must almost die / and it happened just that way with me. /They took the gold and set me free, / and I walked away from the hangin’ tree“.