Da recente (ou assim não tão recente) leva de filmes sobre o Maio de 68 (e tempos imediatamente posteriores), Après mai (Depois de Maio, 2012) será o mais prosaico. Pelo menos, não partilha da visão romântica sobre os acontecimentos de The Dreamers (Os Sonhadores, 2003) de Bernardo Bertolucci (com os irmãos incestuosos e suicidas, belos mártires de uma revolução que nunca terminou), nem tem a veia poética de Les amants réguliers (Os Amantes Regulares, 2005) de Philippe Garrel (com o seu protagonista descrente mas apaixonado, que idealiza, apesar da distância que tenta ter). Talvez porque, ao contrário de Bertolucci e Garrel, Olivier Assayas há muito tenha deixado de acreditar nessa revolução (ou em revoluções).
Basta ler a pequena biografia de Assayas na Wikipedia, para se perceber que Après mai tem muito de autobiográfico. Como o seu protagonista Gilles, o realizador francês foi um activista bastante activo (passe a redundância) nos tempos de escola, para depois se ir desligando aos poucos dos amigos revolucionários, que se perderam para as drogas, o terrorismo, as viagens de conhecimento interior ao Oriente e cinema de boa consciência, que se perderam nos ares daquele tempo. Como o seu protagonista Gilles, Assayas preferiu a “vida normal”, foi assumindo a sua condição de burguês, decidiu que era melhor ser um indivíduo e artista do que fazer parte de uma ideia, do ideal da sua geração. Observe-se como o protagonista Gilles vai ficando cada vez mais de fora do centro da acção, mais fora do seu tempo, menos protagonista, um espectador interessado mas distante, como a primeira meia-hora do filme é desmentida pela restante hora e meia.
Après mai é a obra desse espectador interessado mas distante. Uma exímia reconstituição histórica – a atenção ao pormenor vai desde a escolha do mais pequeno adereço (colares, anéis, t-shirts), passando pelas canções da época (Nick Drake, Kevin Ayres, Syd Barrett) até à caracterização (os penteados, a maneira de agir dos actores) – que jamais se toma por nostálgica. Ou, se é nostálgica (na medida em que retrata uma época marcante no século XX francês e na vida do realizador), nunca é deslumbrada: os excessos, as amarguras, os enganos, as auto-ilusões e (conhece-as o espectador) as futuras desilusões estão sempre presentes (ou pressentidas), como que a demostrar que aqueles tempos nem sempre foram doces e muitas vezes foram infelizes ou simplesmente parvos. A personagem da primeira namorada de Gilles, a Nico de Assayas, que, noutro filme (de Garrel, por exemplo), seria a musa-protagonista, não deixa de ser um tanto patética, na sua pose, nos seus trejeitos, na sua morte. Como é patética a trupe de realizadores barbudos e barrigudos que filma revoluções por países do Terceiro Mundo afora do modo mais convencional possível (para não chocar o proletariado).
De resto, é bastante interessante que Assayas ponha na boca das suas personagens essa discussão sobre a forma. Mesmo na maneira de filmar, o realizador francês está longe ser um radical. Da perspectiva de alguns cinéfilos mais rígidos, será até um cineasta “cinematograficamente incorrecto”, autor de um cinema artificioso e middle-of-the-road, de “qualidade” (portanto, anti-revolucionário), com o uso da câmara à mão tão comum nos nossos dias, aqueles planos de grua por entre as folhagens das árvores, a limpidez da fotografia e a linearidade da narrativa. Como o seu protagonista Gilles, Assayas não parece preocupado com essa “ortodoxia” ou, antes, há muito se desfez dela. Como o anterior Carlos (2010) [sensivelmente sobre a mesma época e a mesma cultura], Après mai é um filme escorreito, bem feito, aprazível, sem que essas por vezes duvidosas qualidades sejam de facto defeitos. Ou, então, é a veia situacionista de Olivier Assayas a palpitar: fazer de um filme aparentemente convencional, bem aceite pelo espectador comum do seu tempo, um gesto verdadeiramente revolucionário.
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[…] seu filme anterior, Après Mai (Depois de Maio, 2012), Olivier Assayas reconstituía a sua juventude (pós-)revolucionária. O […]