Umas linhas de texto logo no início do filme ajudam a compor o contexto histórico da acção, que decorre na década de 60, num Portugal enclausurado pelo moralismo e intimidação do regime salazarista. E, se os primeiros movimentos da câmara, num percurso por um areal, revelam um cadáver irreconhecível rodeado por cães famintos, este é apenas o princípio de um novelo complicado que será desfiado ao longo do filme. Desde logo, uma primeira pista nesta sequência inicial – os sapatos trocados nos pés da vítima, um símbolo de traição – indiciam a “patada do morto”, expressão que o inspector encarregue do caso utiliza para referir a capacidade deste ainda causar problemas aos que o sobrevivem. Será tortuoso o caminho da investigação percorrido por este inspector que, através de reconstituições reais e imaginadas, parte o filme em dois momentos: o que aconteceu antes da morte e a inquirição póstuma ao que terá sucedido.
O presente texto foi publicado no livro de compilação O Cinema Não Morreu – Crítica e Cinefilia À pala de Walsh. Pode adquiri-lo junto da editora Linha de Sombra, na respectiva livraria (na Cinemateca Portuguesa), e em livrarias seleccionadas.