Para a crónica deste mês, optou-se por uma declaração de princípios: um jogo de palavras feito a partir de declarações de Jean Renoir e Henri Matisse recolhidas e sublinhadas em leituras recentes.
Sou um pouco como um homem que está apaixonado por uma mulher e que vai vê-la com um ramo de flores na mão; ensaia um discurso magnífico enquanto anda pela rua com comparações, falando dos olhos dela, da sua voz, da sua beleza, elogiando-se a si mesmo, não é verdade? E depois, ao chegar à frente dela, oferece-lhe o ramo de flores e diz-lhe uma coisa completamente diferente. Mesmo assim, ajudou-o um pouco ter preparado todo esse discurso.
Faço um filme com grande prudência, mas essa prudência nunca se aplica às cenas; nunca sou prudente nas cenas. O conteúdo de um filme descobre-se à medida que o vamos fazendo, cada passo, quando o assunto é interessante, é uma descoberta, e essa descoberta acaba por levar-nos a outras. Se avançarmos com demasiada ordem, ou seja, com notas, fichas, memórias classificadas, e se tentarmos aplicar tudo isso mecanicamente, arbitrariamente, acho que nos afastamos da vida; é preciso desconfiarmos muito dos conhecimentos e das teorias; é preciso tê-las também, mas temos de abordar cada tema como se não soubéssemos nada, como se fôssemos totalmente novos, como se o assunto fosse desconhecido. Se não abordarmos um tema com uma certa frescura, não nos sentimos vivos, sentimo-nos mortos. É preciso divertirmo-nos quando fazemos filmes, é extremamente importante.
Sou muito disciplinado na minha forma de trabalhar e acredito que se começarmos a pensar: “vou mexer com isto tudo, vou ser moderno”, tenho a certeza de que não o seremos. A câmara foi feita para nos servir, não somos nós que somos feitos para servir a câmara, e existe algo de muito mais importante do que a perfeição: a personalidade. Trata-se de colocar coisas que nos dão prazer à frente da câmara, e acredito que uma das funções do artista está em recriar o contacto directo que existe entre o homem e a natureza. Toda a obra de arte que faz um pequeno passo, de alguns milímetros, em direcção ao que é espiritual, é uma obra de arte interessante.
Discute-se demasiado as coisas; calcula-se o valor de um projecto durante meses, às vezes durante anos. Toda a inspiração foge desta maneira, essa espécie de espontaneidade que nos permite fazer as coisas assim. É essa a razão pela qual desconfio terrivelmente dos guiões demasiado construídos, pois parece-me que existe o risco de retirar, à realização desse sonho, essa parte que ultrapassa o que é consciente em nós; e essa parte inconsciente é, apesar de tudo, o que nos dá a surpresa e o divertimento desta profissão.
Dirigimo-nos a um mundo essencialmente instável, sendo que nós mesmos somos instáveis. Sonho com uma arte do equilíbrio, da pureza e de uma serenidade vazia de qualquer perturbação ou de assunto deprimente. Tenho a impressão de que aquilo que encontramos à nossa volta, e sobretudo nos outros, a riqueza da personalidade que os outros seres humanos nos trazem, é mais importante do que o nosso pequeno orgulho de autor.
Faz-se uma distinção entre artistas que trabalham directamente a partir da natureza e outros que trabalham puramente a partir da imaginação. Acredito que nenhum destes métodos deva ser escolhido pela exclusão do outro.