De todos os desportos, o futebol é dos menos cinematográficos. E não só pela fraca implantação da modalidade nos Estados Unidos, a maior fábrica de filmes do Ocidente, onde o beisebol, o futebol americano e basquetebol, apesar de todos os esforços, continuam a reinar e a ser matéria para a maioria dos (e, por conseguinte, os melhores) filmes desportivos. Parece-me, antes, que o futebol, por ser um desporto verdadeiramente colectivo, em que mesmo que um indivíduo se destaque nunca faz tudo sozinho e muitas vezes o melhor trabalho é quase “invisível” (indo buscar uma memória da adolescência: aquilo que o herói Tsubasa fazia na série de desenhos animados Kyaputen Tsubasa – ir de uma ponta à outra do campo com a bola nos pés, rematar à trave de propósito, para depois concluir com um pontapé de bicicleta – é perfeitamente impossível no “futebol real”, ou melhor, não é futebol), não se adapta muito bem à necessidade de um protagonista.
O problema de filmar futebol não se coloca a Juan José Campanella, que se notabilizou com El secreto de sus ojos (O Segredos dos Seus Olhos, 2009) [vencedor do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2010], que até continha um vistoso plano-sequência num estádio, que sobrevoava o relvado e se embrenhava por corredores e escadas, numa perseguição sem tréguas ao assassino. Porventura, coloca-se um maior, pois Metegol (Matraquilhos, 2013), versa, como o título em português indica, sobre matraquilhos. E, se os jogadores de futebol estão ligados por um sistema táctico, os matraquilhos estão presos uns aos outros por uma barra de ferro. É claro que, e o leitor atento já o estará a pensar, terá de haver sempre quem controle os manípulos para os matraquilhos jogarem e esse alguém pode muito bem ser o protagonista. E é, de facto. Mas as coisas não são tão simples assim.
Embora seja produzido na Argentina, um país absolutamente louco no que toca a futebol, Metegol não consegue ou nem tenta ser o filme definitivo sobre o desporto-rei. Primeiro, porque é sobre matraquilhos – mas a sorte dos protagonistas joga-se literalmente num campo de futebol, pelo que não é por aí (tal como é, poderia ser um belo filme sobre o jogo). Segundo, porque é uma animação 3D, portanto orientada sobretudo para um público juvenil e regendo-se pelo tom de fábula, que obviamente mistifica – ou, antes, ridiculariza (mas é interessante como vai dar ao mesmo) – o “grande jogador de futebol”, ou seja, cai no mesmo erro de Kyaputen Tsubasa, ao assumir, por muito que paradoxalmente tente desfeitear essa ideia (com o “futebol total” daquela equipa de maltrapilhos – não confundir com matraquilhos), que um só jogador consegue fazer tudo e mais alguma coisa. Terceiro, porque prefere inscrever-se na tradição de um Toy Story (Toy Story: Os Rivais, 1995) – os matraquilhos ganham vida e personalidades (há o vaidoso, o filósofo, o capitão, etc.) e vivem aventuras que nada têm a ver com futebóis (as sequências na lixeira e na feira), sem a irrisão de um Small Soldiers (Pequenos Guerreiros, 1998), que poderia levar Metegol para territórios mais interessantes. Quarto, o tom de fábula tona-se por vezes exagerado (ao contrário do primeiro Toy Story, por exemplo, muito terra-a-terra), fazendo o espectador adulto desligar-se um pouco daquilo que vai acontecendo (da mesma maneira que as imagens geradas por computador, que permitem filmar impossíveis, enfastiam). Quinto, porque acaba por ser a enésima variação da luta entre David e Golias, cuja mensagem soa a didáctica: “o importante é participar”.
Há coisas interessantes em Metegol, direccionadas aos adultos que acompanharão os espectadores-alvo do filme: a paródia ao excesso de peso dos patrocinadores no jogo; a idolatria a certos jogadores (houve quem avançasse num fórum da Internet que a figura do “mau” é baseada em Cristiano Ronaldo, o que é bastante rebuscado); o agente desportivo melífluo que diz a lapidar frase “as estrelas apagam-se, mas os agentes vivem para sempre”. No entanto, tudo isso concorre para uma ideia um tanto deprimente, de que é no conforto de uma vida regrada, na pequenez de uma cidadezinha, sem grandes ambições ou desejos, que se conquista a felicidade. Veja-se a história da namorada do protagonista, destinada a sair dali, a encontrar um futuro diferente, que no fim contenta-se em ficar prisioneira daquela domesticidade meio doentia, uma espécie de George Bailey em 3D.