Em 1971 surgia um filme que mostrava aquilo que o cinema americano até então deixara sugerido pelas elipses. Esse filme chama-se The Last Picture Show (A Última Sessão) e aquilo que mostra, para quem veja com os olhos do espectador do século XXI, é menos a sexualidade e a nudez, uma questão de irreverência trazida do moderno cinema europeu, que apenas desvia a atenção daquilo que é mais pungente no filme de Peter Bogdanovich, o retrato de vidas humanas apanhadas na chegada à idade adulta ou mais tarde, que se caracteriza pela tomada de consciência de que o que constitui a existência do homem parece vazio de um sentido positivo que este lhe queira atribuir. A actriz Ellen Burstyn (Lois Farrow) conta em documentário da produção do filme que recebeu a carta de alguém que desistira da ideia de se suicidar após ter assistido a The Last Picture Show, pois se Lois continuava a viver apesar do aspecto desolador de um casamento indiferente (como ela diz no filme “tudo o que fazemos vezes suficientes torna-se velho”), coroado com a constatação de que o amante passara a partilhá-la com a própria filha, essa pessoa não tinha motivos para se matar e atribuía a decisão ao desempenho da actriz.
The Last Picture Show decorre numa pequena cidade do Texas, no início da década de 50, que parece parada no tempo. O olhar de Bogdanovich, que trabalhou em estreita ligação com o autor do livro adaptado, Larry McMurtry, é extremamente lúcido e traduz sobretudo a ideia de que os jovens estão condenados a copiar as vidas sem sentido dos seus pais, assemelhando-se nas neuroses e no ressentimento cada vez mais a estes. Para dar a noção exacta de até que ponto este filme americano dos anos 70, produzido no contexto industrial de uma grande potência cinematográfica, pode conter tamanhas doses de tristeza e desolação, é pegar na cena em que um dos protagonistas, Sonny (Timothy Bottoms), após testemunhar a insensibilidade geral perante a morte por atropelamento de Billy (Sam Bottoms), o jovem mudo portador de deficiência mental que se entretinha a varrer as ruas, entra na sua carrinha com a intenção de fugir daquele sítio para sempre, e que pouco depois vemos fazer o caminho de regresso como se não houvesse forma de escapar ao destino de reproduzir as vidas dos adultos.
Também Béla Tarr, na sua despedida do cinema, A torinói ló (O Cavalo de Turim, 2011), filma num equivalente preto-e-branco o trajecto da fuga abortada de um idoso e da sua filha, que para sobreviver precisam de abandonar o lugar onde sempre viveram que deixou de ter água, e que para lá de novo são empurrados por uma tempestade filmada como se de uma condenação se tratasse. O que no caso de Tarr é uma extinção pela morte, no de Bogdanovich é uma anulação em vida. O diabo que escolha qual dos destinos é o mais negro.
The Last Picture Show será exibido na Cinemateca Portuguesa dia 25 de Junho pelas 19h00.