Quando o habitual filme anual de Woody Allen deixar de se estrear nas salas vamos ter pena. Vamos ter saudades destes tempos que nos garantem uma obra do nova-iorquino a cada ano que passa. Uso o plural pois tenho a certeza de não ser o único a responder inapelavelmente ao chamamento dos genéricos a preto-e-branco ao som de jazz dos anos 20, sempre “escritos” com o tipo de letra Windsor, das historietas agridoces sobre relações amorosas, das personagens palavrosas, daquela piada que salva todas as outras, as estafadas e previsíveis, apesar de todas as decepções e até dos rumores e acusações que proliferam no seio da família do realizador.
Nos últimos quinze anos, ou seja, dos últimos quinze filmes, contam-se pelos dedos de uma mão, e talvez seja necessário cortar um ou outro, aqueles que se aproveitam. O anterior Blue Jasmine (2013), muito por força da actriz principal Cate Blanchett, era um deles. Este Magic in the Moonlight (Magia ao Luar, 2014), não sendo dos piores, está longe de ser dos melhores filmes de Woody Allen. Nem sequer é dos melhores deste período tardio. Em seu desfavor, partilha com o indigesto Midnight in Paris (Meia-Noite em Paris, 2011) a nostalgia bacoca pelos loucos anos 20 que precederam a Grande Depressão e a Segunda Grande Guerra, colorida pela mesma fotografia pastelona de Darius Khondji [capaz de bem melhor, como provou recentemente em The Immigrant (A Emigrante, 2013)], que a aproximação ao universo de P.G. Wodehouse torna ligeiramente mais digerível, embora Woody Allen nunca consiga alcançar a leveza e o estado de graça do escritor inglês (por forçar de mais a nota). Também prossegue no recorrente (e meio tolo) fascínio do velho judeu de Brooklyn pelas classes altas waspy (brancas, anglo-saxónicas, protestantes), provavelmente uma herança da ex-companheira Mia Farrow, presente por exemplo na tragédia telegrafada do sobrevalorizadíssimo Match Point (2005).
Entre elementos reconhecíveis da obra de Woody Allen, como o ilusionismo e a magia – que aparecem em Alice (1990), The Curse of the Jade Scorpion (A Maldição do Escorpião de Jade, 2001) ou Scoop (2006) -, Magic in the Moonlight incorpora, assim, características dos mais incaracterísticos dos seus filmes. Contudo, aquele de que estará mais próximo tematicamente, tão incaracterístico quanto os citados, é You Will Meet a Tall Dark Stranger (Vais Conhecer o Homem dos Teus Sonhos, 2010), se não a obra-prima da última década e meia da carreira do realizador, a mais corajosa. Só em You Will Meet a Tall Dark Stranger Woody Allen enfrentou verdadeiramente a maior inimiga do Homem, a morte, e esventrou todos os subterfúgios que este engendra para a ignorar. O filme era tão azedo e tão feio que poucos gostaram dele. O próprio deve tê-lo percebido, já que em Magic in Moonlight não fala de outra coisa (ainda que, mais uma vez, a morte prime pela ausência e as consequências de um acidente grave de viação sejam risíveis), se bem que envolva esse assunto “grosseiro” num embrulho delico-doce e mais consentâneo com o que dele se espera. Aliás, o mesmo só passa através dos discursos da “desagradável” personagem de Colin Firth (numa interpretação salutarmente distante das usuais imitações de Woody Allen empreendidas pelos seus protagonistas, apesar de repetir ideias conhecidas do realizador), na sua incessante demanda por desmascarar uma bela espírita (a deliciosa Emma Stone), que poderá ser ou não uma charlatã.
De resto, Magic in the Moonlight é tão explicativo que às tantas se assemelha a um filme-tese. E, no final, Woody Allen oferece ao espectador uma saída em beleza, apresentado-lhe como solução para as agruras da vida e a inevitabilidade da morte a maior ilusão delas todas: o amor. (Ou como a personagem de Emma Stone é uma espécie de Soon Yi.) Do cinismo revigorante – nesta fase da carreira, apenas a irrisão dá alguma força à cada vez mais frouxa obra de Woody Allen -, resta apenas a sequência em que Colin Firth, num longo monólogo em que a câmara o vai enquadrando num grande plano, começa a rezar pela saúde da tia até se lembrar que está a rogar para um deus inexistente, revoltando-se contra a sua ingenuidade e fazendo balançar o filme para um negrume inesperado.