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THX 1138 de George Lucas: a graça da nudez

De Luiz Soares Júnior · Em 16 de Setembro, 2014

Science is not only compatible with spirituality; it is a profound source of spirituality.

Carl Sagan, The Demon-Haunted World: Science as a Candle in the Dark

 

Em geral, aliás, a identidade não passa de uma invenção dos geômetras, e no mundo real também não conhecemos de fato nada além de semelhanças mais ou menos imperfeitas. O cinema nos recorda que trabalhamos continuamente sobre analogias. (…) a analogia, injustamente desmoralizada pelo fantasma racionalista, vista como um ato primitivo do pensamento, um julgamento infantil e duvidoso, permanece sempre o ato primordial do pensamento, o julgamento por excelência e, antes de tudo, o único possível.

Jean Epstein, Álcool e cinema, Escritos sobre cinema Tomo 2

 

Em algum momento iniciático de THX 1138 (1971) [ele começa a amá-la, ou a perceber-se como amante], o homem sussurra-nos: “Mas não há nada em comum entre nós, a não ser o mesmo espaço”. Liberado pelo Abre-te-sésamo desta sentença, o espaço manifesta-se enfim como existente: ao tumulto semiótico de que o filme se nutria até então, substitui-se a sobriedade do traço e a pregnância do gesto; ao automatismo enervante de relatórios e descrições, à coexistência de imagens e suas superposições, a nudez e o silêncio : George Lucas suspende o acúmulo heteróclito de mediações acumuladas pelas sequências iniciais, e cinzela uma clareira monocromática no seio do cosmo reificado. O amor consiste em uma experiência de ascetismo, pois subtrai os corpos ao gregarismo carnívoro da comunidade, imantando-os no limbo amniótico da secreta pulsação: ao corte atrabiliário que nos introduz no universo dos cômputos informativos, o fondu acariciante (ou mortificante?). O futuro, esta interrogação, presentifica-se até então como uma summa de representações, vertiginosamente implicadas e curto-circuitantes, que atravanca o espaço e a possibilidade de Mitsein. Mas neste primeiro encontro a sós- onde tudo se torna tão raso e claro e recôndito, restaurados enfim os direitos de profundidade da superfície-, a figura sofre uma rarefação considerável: corpo opacamente nu, espaço lividamente plano, gesto diafanamente vácuo, recortado contra a onipresença desbalanceada de um Scope Montage de attractions, que finalmente reencontrou a invisibilidade da fresta perversa: “Agora, ninguém pode nos ver”.

Aliás, não seria este primeiro entr’acte amoroso o paradigma utópico cuja arqueologia os personagens de THX 1138 não cessam de empreender, a cada espaço percorrido, inventariado, centrifugado? Estas lancinantes perseguições, esta vertiginosa ronda de significantes, este contracampo minuciosamente cerrado são as camadas que recobrem uma experiência essencial, experiência esta cujo encobrimento consiste na intransitiva démarche do universo concentracionista descrito pelo filme: um lenitivo de intimidade radical, de isolamento do mundo e epifania do Si mesmo. THX 1138 empenha-se, a princípio, em catalogar os objetos e os estratagemas-óbices que impossibilitam ao sujeito deste mundo subterrâneo o acesso a esta logique du coeur de que falava Pascal. É preciso esmiuçar, com precisão estereográfica, os obstáculos à vidência do humano demasiado humano- os sismógrafos cibernéticos, as pulsações do autômato, a permeabilidade do registro à projeção maquinal (os frêmitos do corpo torturado de THX 1138 capturados na tela diegética). As mediações deste mundo infenso ao “imediato indeterminado” (Hegel) constituem a matéria de que o filme se serve para capturar a paranóia “in vitro”: impressa na textura da película, encarnada em seus dejetos instrumentais. Mas esta reconstituição acurada de um mundo estruturado pela alienação necessita de um indispensável contraponto: o minimalismo iconoclasta onde a intimidade enfim se exercita. O mundo excessivamente mediado de THX 1138 não teria razão nem telos se não fossem estes momentos de hiato e intermitência, quando parece infiltrar-se na trama tentacular de estimativas cibernéticas e aferições estatísticas um istmo de calmaria, plenitude da contemplação nirvânica. As duas “ascenções” que rimam no filme (as crianças no elevador, durante a prisão de SEM; a escalada final de Thx à superfície do planeta, enfim liberto da perseguição) são elaborações figurativas da aspiração ao solilóquio que imanta sub-repticiamente THX 1138. Durante a perseguição final, Lucas alterna entre momentos de inércia hebdomadária (os escritórios do comando, o cotidiano da cidade) e a excitação hiperestésica da corrida. Não se trata apenas de um expediente para garantir “suspense”, mas da confrontação também no domínio do ritmo das grandes oposições que estruturam o filme: gregarismo autômato versus insulação existencial; Eu contra Eles (Nós). Neste sentido, o uso do Cinemascope revela um trunfo suplementar: a verticalidade ascencional (das crianças, do personagem Thx) é um golpe de força intensificado, que fratura o horizontalismo gregário do formato: subverte-o. É como se apenas ao elevar-se e frontalizar-se o indivíduo enfim conquistasse o seu lugar ao sol.

A subversão em THX 1138 é affaire de pausa e taciturnidade, de crença no silêncio e seus avatares litúrgicos (a citação do coro da Paixão segundo são Mateus ao fundo); não apenas os dois únicos encontros entre Thx e LUH (onde o diálogo trocado pelo casal não ousa romper o oásis da reconciliação que o abraço traçara, e os lábios falantes permanecem ocultos ao espectador pela intromissão do corpo amado), mas também o de SEM (Donald Pleasence, entre contrito e picaresco) com Deus, antes de ser capturado. ‘I want go back”, ele murmura para a imagem do Jesus grafitado. Para onde? Religare: a unidade mística não mais se prova na experiência suprassumida da comunidade. A comunidade em THX 1138 é venal, o índex de uma totalidade crapulosa, e não da Graça comemorada/rememorada; não há sequência que melhor traduza esta fobia do filme ao Minotauro público e gregário do que aquela em que os três fugitivos reencontram, através do assomo violento do contracampo, a cidade superpovoada. Até então, davam-se ao luxo de flertar e folgar com um simulacro de liberdade (o décor mauvais infini, a perder-se e circundá-los de vista), alvissareiros neste backstage de limbo: o branco, as figurinhas esmaecidas ao fundo, e súbito o plano médio folgazão, onde o negro introduz uma nota casual de slapstick. Aquela era a coxia da Cidade: o lugar onde o amor experimentara-se numa Primeira vez, mas de luxúria pétrea e exânime (os rostos guarnecidos pela fortaleza dos braços, ou recortados em perpendicular inflexão). Onde o amor será perseguido e torturado igualmente (os robôs, os sensores). Mas nada se compara ao choque experimentado, quando se coteja este planalto folheado de branco rigor mortis com a intrusão da avalanche de autômatos, cujo tohu bohu o Scope repercute. Os personagens se extraviam e alterizam, integrados a esta legião indiferenciada, este on galopante e maciço: THX 1138 é uma stanza expressionista –e o expressionismo é uma psicose formalista onde o fantasma se objetiva, desvencilhado enfim do panóptico do Desejo, deposto e despojado diante de nós, saturado de Real, hic et nunc! Portanto, o terror agorafóbico de que seus personagens padecem deve inscrever-se pontualmente em suas trajetórias espaço-temporais (a montagem sincopada e acelerada do encontro com a multidão; o pace zumbi, com corte mais espaçado e taquigráfico das sequências “no branco”) , em seus tropos gestuais (impassibilidade de máscara fúnebre de Robert Duvall, ansiedade hebefrênica dos olhos expectantes de Donald Pleasence). No expressionismo, a cisão entre a exterioridade paranóica e a interioridade esquizofrênica é abolida, e o mundo parece enfim esposar o fantasma- plasmar-se e confiar-se a ele; mascarada entre mortuária e nupcial.

Se o amor pode ser considerado um paradigma do encontro privilegiado é porque possibilita um aprendizado do espaço como osmose. No diálogo entre um SEM subitamente devoto e o Cristo de graffiti, Lucas corta para um plano geral, onde ambos se encontram perfilados em uma mesma linha de fuga; quando juntos, Thx e Luh estreitam-se com tamanha intensidade que dir-se-iam alijados dos membros próprios, submetidos a uma Unyo mística cuja contemplação nos é reservada a um respeitoso limiar, aureolados por uma Graça outorgada unicamente à nudez; ao corpo sem órgãos do esquizofrênico Artaud, acrescenta-se o silêncio afásico das grandes vidências hipnagógicas (o diálogo trocado sobrepõe-se ao corpo pleno, pós-sincronizando a experiência). Se a comunidade implica necessariamente um espaço opressor, é porque este não possui limites (atabalhoado atropelo dos corpos “em série” no encontro com a multidão, infinitude das mediações tecnológicas, arregimentadas em sequência de dados); na medida em que um mundo e um corpo (o grande monstro societário flutuante, “virtual”, que a todos consome) permanecem ilimitados, eles não existem propriamente “um para o Outro”, pois estão subsumidos pela estrutura vampirizante do On– tudo e todos, a rigor ninguém. Só se fala a dois, só se cala igualmente.

Os espaços frígidos e amorfos de THX 1138 são para um Outro do Outro- pré ou pós-humano, em todo caso alguém a quem é impossível uma experiência e uma reflexão sobre a mesma. Apenas quando parecem suspender-se as coordenadas deste espaço reificado, é que nos aparece a quintessência de uma espacialidade primeva, a que podemos chamar de nossa (não quero incorrer no partis pris idealista de um espaço originário, mas o espaço de que trato aqui pode ser considerado assim desde que devidamente situado, ou seja: na medida em que se trata de um espaço conformado e destinado à consciência humana, existencialmente presente). Se o filme parece girar sobre o vazio, é para fazer percutir com um beat obsessivo o seu eixo secreto, que se deixa apreender nestas curtas e fulgurantes “escapadas” do Mesmo nos braços do Outro- templo ou leito nupcial, cochicho e prece; THX 1138 se esmera em fugir a seus contendores numa perseguição espetacular, mas a linha mestra do espetáculo (ou o leitmotif do filme) não é uma récita convulsiva, e sim este balé extático do último plano, onde o sujeito liberto delineia a coreografia do espaço reconquistado e do corpo próprio, manifesto figurativamente: uma silhueta ao crepúsculo, na distância generalíssima de um plano redoma; a duração conhece uma trégua, o espaço um enlevo, o filme a agonística presciência do Fim iminente (pensemos nos moribundos, nos místicos, nas crianças e nos cães; enfim, em todos aqueles que habitam o limiar); e ao espectador resta retroceder e atar as duas pontas da percepção associativa, recordando-se da “ascentio mística” das crianças na escada rolante: um mesmo sursis do mundo, uma mesma e Outra reconquista de si mesmos.

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