Alain Resnais, ou o cinema de Alain Resnais, para ser mais rigorosa, persiste-me na pergunta retórica de uma personagem anónima de Muriel ou Le temps d’un retour (Muriel ou o tempo de um regresso, 1963) – “Não me arranja um marido para a minha cabra?”. Esta é uma pergunta ambígua, provoca riso, mas também tristeza, loucura e solidão. Parece-me que daqui se faz Resnais, pelo menos o da ficção: há uma tristeza estilística nos seus primeiros filmes, ligados ao nouveau roman, (Hiroshima mon amour, L’année dernière à Marienbad…) que se vai metamorfoseando em loucura memorialista e imaginativa (Muriel, Providence, Mon oncle d’Amerique…) e, mais para o fim, numa solidão alegre (On connaît la chanson, Coeurs, Les Herbes Folles…) que, naturalmente, não se refere à solidão enquanto tema – embora Coeurs (Corações, 2006), aqui filho único, não fale senão disso – mas à solidão feliz do cineasta resistente, daquele que faz crescer uma ervinha no meio do cimento (Les Herbes), ou que, na derradeira obra ainda é capaz – e é-o mais do que nunca – de deixar o insólito tomar a dernier mot, na forma de um postal com uma caveira.
O presente texto foi publicado no livro de compilação O Cinema Não Morreu – Crítica e Cinefilia À pala de Walsh. Pode adquiri-lo junto da editora Linha de Sombra, na respectiva livraria (na Cinemateca Portuguesa), e em livrarias seleccionadas.