Chabrol. Truffaut. La femme d’à côté (A Mulher do Lado, 1981). “À maneira de…”, como se diz nas artes plásticas. Só que em cinema o gesto não é tudo. O efeito copista pode fazer de um filme arte, mas a arte avaliada com parâmetros do cinema sai sempre a perder. Em traços gerais é isto o que La chambre bleue (O Quarto Azul, 2014) representa. Morna surpresa trazida pelo excelente actor Mathieu Amalric, que assinou atrás das câmaras o originalíssimo Le stade de Wimbledon (O Estádio de Wimbledon, 2001) e o exuberante Tournée (Tournée – Em Digressão, 2010), tirando partido de uma pausa na complicada montagem artística e financeira da adaptação de O Vermelho e o Negro, de Stendhal, para filmar rapidamente este exercício nostálgico irrelevante que copia os mestres clássicos da nouvelle vague: os que acrescentaram cinema à literatura, quase todos, por contraste com os que acrescentaram literatura ao cinema, quase apenas um.
Segundo Amalric o projecto da levar ao ecrã a novela La Chambre Bleue de George Simenon (1903-1989) tinha merecido a atenção de ilustres como Maurice Pialat (1925-2003), André Téchiné (n. 1943) e até Depardieu – protagonista com Fanny Ardant de La femme d’à côté de François Truffaut (1932-1984) – teria proposto a Claude Chabrol (1930-2010) que se encarregasse da tarefa. Seriam certamente três filmes muito diferentes e arriscaríamos dizer menos respeitadores com relação a uma expectativa de qualidade francesa. Na mesma entrevista Mathieu Amalric diz também que o cinema de Chabrol é bem mais cáustico que os livros de Simenon e o filme de Amalric de cáustico tem pouco. A sua estrutura demasiado fragmentada, pejada de planos de pormenor e saltos ao passado corta a intensidade do desejo tornado malsão: não basta que a mulher nos morda o lábio até fazer sangue para ver nela uma fatalidade de carne e osso, como não bastam meia dúzia de reenquadramentos de dois corpos enlaçados, a que se sobrepõe o romantismo da música de Grégoire Hetzel, um decalque das partituras de George Delerue (compositor para Truffaut, Godard, Resnais e Malle, entre outros), para atribuir carácter de condenação às promessas pueris feitas depois do amplexo.
É claro que as meias-tintas de La chambre bleue entretêm com razoável competência, e se a fruição de um filme se fizer primeiramente pelo trabalho dos actores (a marca que vem do teatro) há aspectos mais relevantes a assinalar. A um elenco que tem a solidez assente em caras pouco habituais entre os filmes franceses que estreiam menos e menos no nosso país, junta-se a opção ganha com a escolha da companheira de vida de Mathieu Amalric (Stéphanieu Cléau) para fazer de sua amante na ficção. Pessoa que juntamente com o actor e realizador responde ainda pelo argumento adaptado de La chambre bleue. A interpretação de Amalric brilha mais na atonicidade que no calor da paixão. O seu registo torna-se progressivamente mais perturbador à medida que a personagem se dá conta da urdidura de que é vítima. Mas era preciso maior cinismo ou talvez aquela causticidade que remete para um Chabrol, para fazer dissipar o mofo deste objecto que parece ter saído do armário onde esteve esquecido uns bons 30 ou 40 anos: e não basta uma vulva que irrompe de relance um par de vezes para garantir o desejado efeito. Tarefa cumprida; oportunidade perdida.