Quem pôs os cornos ao Harry Potter? A resposta a esta singela pergunta sobre a origem das protuberâncias do jovem mágico aqui convertido em manuseador de serpentes e detentor de um amor afiado em forma de tridente tem duas respostas possíveis. Na primeira os culpados de tal traição são o próprio realizador Alexandre Aja que pelos vistos se terá fartado das piranhas [Piranha 3D (Piranha 3D, 2010) e dos rednecks [o belíssimo remake do clássico de Wes Craven The Hills Have Eyes (Terror nas Montanhas, 2006) e também o filho do Stephen King, Joe Hill, em cujo romance o argumento é baseado. Na segunda a resposta é uma espécie de punchline amorosa de uma relação de amor adolescente e hedonista com contornos de traição e assassínio em que Igi Parrish (Daniel Radcliffe) é acusado do homicídio da sua mais-que-tudo Merrin Williams (Juno Temple). (Ao que tudo indica, o Daniel já terá deixado a sua coisa por cavalos e ainda bem.)
Depois da morte dela nascem-lhe os cornos a ele. Algo que Ig tenta remover esfregando-os insistentemente contra uma parede. Esse cena ou a ideia das pessoas que entram em contacto com ele não poderem não dizer o que pensam, mostrando-se seres de puro tesão e desbocamento, colocam Horns (Cornos, 2013) entre a história de Daniel Radcliffe – o demónio (atingido pela força maléfica do amor) – e Daniel Radcliffe – o sátiro (enredado ainda na compreensão dos mecanismos do amor). Podemos dizer que a sua paixão por um cavalo pode de certa forma ter antecipado essa transformação física e emocional da criança em homem (melhor do que lamber martelos, há que convir; não muito melhor, talvez) e que estes cornos é o que (potencialmente) acontece a qualquer jovem que se inicie nas lides do amor.
Estaria tudo muito bem se a relação do par (de protagonistas) e do par (de cornos) fosse um casamento feliz. Mas Ig é uma personagem atormentada pelo destino, um trágico, e as expressões faciais de Radcliffe, o tufo de pelos do peito ou da barba, mostram-no ainda muito jovem, transformando imediatamente o grave pathos de uma personagem acorrentada a um fado pesado e singular em alguém que só tem dor de corno ou que ama muito muito e sofre muito muito, como só os jovens são capazes. Esse miscast (mas não terá sido o filme feito a pensar nele?) que transforma a estranheza da ideia de base numa agonia como outra qualquer também não é suportada por Aja. Mas o que aconteceu a este homem, senhores? Comparar a brutalidade de Haute Tension (Alta Tensão, 2003) ou The Hills Have Eyes aos primeiros e estúpidos minutos de Mirrors (Espelhos, 2008) ou à forma desajeitada como gere como thriller de segunda categoria toda esta inverosimilhança é tão forte como divertir-se a ver as diferenças da cara de Renée Zellweger. A mesma pessoa? O mesmo realizador?
Não me ocorrendo mais nada de interessante a escrever sobre como isto tudo acaba numa salganhada de serpentes, cruzes, corninhos e asas de anjo, aproveito para deixar aqui uma outra salganhada que me tem dado muito mais prazer (oh se tem) ao longo dos anos:
Receita de Bacalhau à Gomes de Sá
500 g bacalhau
500 g batata(s)
2 cebola(s)
2 dente(s) de alho
1 folha(s) de louro
2 ovo(s) cozido(s)
1 dl azeite
azeitona(s) preta(s)
salsa picada
q.b. sal
pimenta branca moída
Preparação
1. Coloque o bacalhau de molho no dia anterior. Depois coloque-o num tacho e escalde-o com água a ferver.
2. Tape e abafe o recipiente com um pano de cozinha e deixe ficar assim durante 20 minutos.
3. Escorra o bacalhau, retire-lhe as peles e as espinhas e desfaça-o em lascas. Ponha estas num recipiente fundo, cubra-as com leite bem quente e deixe ficar de infusão cerca de 2 horas.
4. Entretanto, corte as cebolas e o dente de alho às rodelas e leve a alourar ligeiramente com um pouco de azeite.
5. Junte as batatas, que foram cozidas com a pele e depois peladas e cortadas às rodelas.
6. Junte o bacalhau escorrido.
7. Mexa tudo ligeiramente, mas sem deixar refogar. Tempere com sal e pimenta.
8. Deite imediatamente num tabuleiro de barro e leve a forno bem quente durante 10 minutos.
9. Sirva no prato em que foi ao forno, polvilhado com salsa picada e enfeitado com rodelas de ovo cozido e azeitonas pretas.
Bom apetite!