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Offret (1986) de Andrei Tarkovsky

De Francisco Noronha · Em 27 de Novembro, 2014

“No princípio era o Verbo”. Porquê, papá?

Dizer que Offret (O Sacrifício, 1986) faz a súmula da obra de Andrei Tarkovsky, da sua cinematografia e da sua filosofia (se é que uma e outra se não con-fundem), não é mera tirada de ocasião motivada pelo facto de se tratar do seu último filme(-testamento). Não se ignora o facto de cada filme de Tarkovsky constituir, em si mesmo, pela densidade de que se reveste, uma súmula de muitas coisas – fosse Zerkalo (O Espelho, 1975), Stalker (1979) ou Nostalghia (Nostalgia, 1983) o derradeiro filme de Tarkovsky e de qualquer um deles se poderia com a mesma propriedade afirmar estarmos diante de uma “súmula”. Ainda assim, o certo é que Offret concentra em si todas as grandes questões que a obra de Tarkovsky convocou e convoca, funcionando, simultaneamente, como uma resposta, uma saída para muitas das angústias e aporias subjacentes a essas questões. Essa resposta –  uma fuga para a frente, dirão alguns – está, afinal, na esperança e na fé nos homens, no humanismo, mas, e sobretudo, na dimensão (rectius, na busca) espiritual da vida humana – essas não por acaso as palavras (“esperança”, “fé”) com que Tarkovsky fecha o filme e o dedica ao seu filho.

Esperança e fé que não são – não devem ser –, no entanto, projecções meramente idealistas; a sua concretização, conta-nos (a nós e ao seu filho) o peripatético Alexander (o bergmaniano Erland Josephson) na primeiríssima e antológica sequência do filme (plano-sequência de cerca de 9 minutos, com mise en scène em que tudo, os homens e a natureza, é harmonia), deverá ser perseguida pela exercitação metódica e repetida (como o exercício da vela, em Nostalghia, também ele dotado de um propósito redentor/salvador) dia após dia (no que o filme respinga algum do pensamento místico/mágico desenvolvido mais adiante). No conto que Alexander partilha, foi essa obstinação ritualística que permitiu ao monge, depois de ter regado todos os dias uma árvore seca no cimo de um sinuoso monte, surpreender-se com o milagre: o nascimento, o florir dos ramos dessa árvore, como a que vemos, com os créditos iniciais ainda a correr, na cerimónia do nascimento (et pour cause) de Jesus Cristo retratada em Adorazione dei Magi, de Leonardo da Vinci (e que voltará a surgir, já a meio do filme, num fabuloso fundido com uma árvore, esta “verdadeira”, e o rosto de Alexander). Também na sua “rega”, no constante acto de filmar, no gesto artístico (e na “beleza do gesto” de que Leos Carax falava em Holy Motors, 2012), Tarkovsky fez nascer uma visão própria do mundo (e, em certa medida, “mudou-o”, como postula Alexander no conto), ancorada na religião cristã, na espiritualidade, mas, de certo modo, também no misticismo (e, porque não, no sobrenatural, latente em Nostalghia ou Zerkalo, cujo plano da mulher suspensa no ar ecoa, em Offret, num plano muito semelhante, assim como nos flashback/sonhos/delírios de Alexander). Misticismo de que, neste filme, Otto (o nietzscheano carteiro amigo de Alexander, que se auto-intitula um “coleccionador de eventos inexplicáveis”) e Maria, a humilde e tolhida empregada de Alexander (uma “feiticeira”, nas palavras de Otto), são figurações razoavelmente evidentes.

O nascimento, em Offret, é, a bem dizer, promessa de um re-nascimento do mundo e dos homens, por altura de um apocalíptico episódio nuclear (contextualmente falando, estávamos ainda a dois anos de distância da queda do Muro de Berlim) cuja gravidade aponta para uma Terceira Guerra Mundial (agora transversalmente nuclear) e, consequentemente, para o fim das coisas [nisto ressoando o Melancholia (Melancolia, 2011) de Lars von Trier, sobretudo na captação desse fim a partir de uma célula, a familiar, particular (e isolada de tudo o resto)]. Mas antes do re-nascimento (com que o filme termina), há um outro nascimento, logo no início do filme: depois de contar a história do monge ao seu filho, Alexander (que celebra o seu aniversário nesse dia) planta, ele mesmo, uma árvore (que permanecerá para além da sua existência, qual “árvore da vida”), como que lançando as sementes do novo e da esperança, quase como que completando a tríade “um filho, um livro, uma árvore” – Alexander é, de certa forma, se podemos dizê-lo, um pai “velho”, mas o ponto talvez seja esse: nunca se é velho demais, nunca é tarde de mais para mudar o curso das coisas, para re-nascer. O mundo, o nosso mundo, nunca será velho demais para re-nascer, mesmo depois de um falhado processo de “civilização” que Alexander, à boa maneira freudiana, resume como uma institucionalização de força, poder e dependência. “Os selvagens têm mais espiritualidade que nós”, lamenta-se.

Esse re-nascimento é, simultaneamente, um re-ligar (recorde-se que o termo “religião” tem no latim religare o seu gene etimológico): dos homens com os homens e, acima de tudo, dos homens com a espiritualidade perdida – Alexander lastima-se pela desarmonia profunda entre o desenvolvimento material e o desenvolvimento espiritual própria da civilização, assente no pecado que é o supérfluo. Para esse re-ligar, esse re-conectar com o essencial, sempre será fundamental, então, o valor nuclear de/em Jesus Cristo, o exemplo de Cristo, o exemplo da vida em Cristo – o Amor. Esse amor pelos homens, atraiçoado a cada bala (a cada bomba nuclear…), é, justamente, aquilo que exigirá de Alexander o sacrifício que dá nome ao filme. É um Amor radical na sua abnegação: o amor de Cristo, o amor em Cristo não encontra correspondência no sinalagma (dar e receber) que, hoje, nos habituamos a elevar a padrão normativo das relações afectivas (e da justiça por que se medem essas relações…). Pelo contrário, o amor em Cristo está, como sabemos, muito mais – ou exclusivamente – no dar do que no receber. Trata-se, para citar o próprio Tarkovsky (Esculpir o tempo, Martins Fontes, 1990, p. 260), do “amor unilateral”, “simultaneamente a suprema servidão e a máxima liberdade”.

Ora, dar é, por natureza, sacrificar, ficar privado de, abdicar de algo em prol de outrem ou de um bem maior. Em Offret, o sacrifício de Alexander é o maior de todos – é, afinal de contas, sensivelmente o mesmo que imortalizou Jesus Cristo: Alexander sacrifica-se a si próprio, a sua família, a sua casa, o seu filho (Alexander promete-o expressamente no monólogo, muito dreyeriano, que dirige a Deus), de modo a salvar a humanidade, na condição de “tudo voltar a ser como antes”. Para isso, Alexander deverá fazer amor com Maria (“Maria” – quem mais? –, qual medium divino), revelação que lhe é feita por Otto (um carteiro que traz notícias não é muito diferente, afinal, de um… “anjo mensageiro” gabrielesco) – embora – e não conseguimos ficar em paz com  isto…. – do discurso de Otto não seja absolutamente linear se essa salvação se traduz no fim da guerra e na continuação da vida humana ou, simplesmente, no fim de tudo de uma vez só, para evitar mais sofrimentos. Encare-se ou não com razoabilidade a condição revelada por Otto a Alexander (a plausibilidade nunca foi, de resto, uma preocupação para a espiritualidade, antes sendo o implausível justamente condição e meio de legitimação da sua força e espectacularidade), o certo é que melhor ilustrativo do desligamento espiritual dos homens não podia existir do que a incredulidade com que Alexander acolhe a revelação de Otto – no fundo, e extremando o ponto de vista para nos fazermos entender: se, um dia, o mundo estivesse prestes a acabar e nos revelassem que aquele era o único modo de evitar o fim, cederíamos ou não na sua execução? Teríamos fé?

Aquilo que o sacrifício traz a Alexander de volta não é, portanto, pessoal, i.e., egoístico: o receber com que Alexander conta pelo seu dar é essa salvação colectiva, gregária. Alexander dá para que outros (e não ele) recebam. Chega, então, a hora de cumprir com a sua palavra: na manhã seguinte, apercebendo-se de que tudo voltou à normalidade (a luz, o rádio, o telefone, muito ironicamente, tudo sinais de uma modernidade espiritualmente “desligada”) e envergando um robe com o yin-yang nas costas (também ele sinalizador, noutras latitudes espirituais, da complementaridade do dar e do receber, do proveito e do sacrifício), Alexander procederá ao sacrifício derradeiro, nessa absolutamente inolvidável e catártica sequência final em que loucura e abnegação se confundem. Se no princípio era o Verbo, a Palavra, e se o Verbo estava com Deus (o Verbo era Deus), no fim (na iminência do fim), Deus também está, Deus nunca deixou, afinal, de estar. Para Tarkovsky, foi Deus quem escolheu Alexander (Tarkovsky, cit., p. 273); se nos é permitida a ousadia, cremos que não, cremos que foi Alexander quem se escolheu (julgue-nos quem nisto vir uma espiritualidade “diminuída”…). O seu pequeno filho, seguindo os conselhos do pai, rega a árvore e interroga-se – falando, finalmente, pela primeira vez no filme; usando do Verbo pela primeira vez – sobre o primeiro verso do Evangelho segundo João. A árvore florirá. No princípio e no fim é a fé.

Offret será exibido pelo Cineclube Ao Norte (Viana de Castelo), no próximo dia 28 de Novembro, pelas 21h45.

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Francisco Noronha

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