Apresentada o ano passado em Cannes, na secção Un Certain Regard, esta que é a longa-metragem de estreia da canadiana Chloé Robichaud, Sarah préfère la course (Sara Prefere Correr, 2013) não pode constituir melhor tautologia em relação a um lançamento. Chloé prefere realizar, poder-se-ia dizer, e só por causa disso, escreveu um argumento e pôs mãos à obra, usando o título que resolve todo o filme numa proposição, com sujeito e predicado. Sim, é sobretudo de um exercício de lógica proposicional que se trata.
Portanto, correr. Sarah préfère la course não sai da pista, literalmente; os planos do início e do fim não podiam ser mais directos na mensagem: aqui vai-se correr, porque assim o deseja Sarah (Sophie Desmarais). Passamos hora e meia atrás do rabo de cavalo da protagonista, para onde quer que vá, curiosos que somos relativamente aos seus pensamentos. Mas só lhe vemos a nuca, e o cabelo que balança, da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda. A câmara de Chloé Robichaud quer que nos concentremos demasiado em Sarah, no seu perfil, nas suas sapatilhas e na direção do seu olhar. Talvez o que fale mais nesta personagem calada seja o olhar inquieto, o olhar da descoberta progressiva, lenta. De velocidade só mesmo a das pernas.
Se, no princípio, somos geograficamente situados numa cidade dos arredores do Quebec, onde Sarah vive, estuda e trabalha num restaurante – para pagar parte dos estudos – tal como Hilary Swank trabalhava, em Million Dollar Baby (Million Dollar Baby – Sonhos Vencidos, 2004), para pagar as aulas de boxe, logo a rota é mudada para outro cenário que, no entanto, não altera a luz do filme. Sarah muda-se para Montreal, convidada a integrar a equipa de atletismo da Universidade McGill, com todas as dificuldades monetárias daí decorrentes, mas encontra uma estratégia para beneficiar de um subsídio do Estado destinado a jovens estudantes casados: casa com o seu único amigo rapaz, que a apoia nessa vontade maior (correr), embora mantendo sempre a expectativa de fazê-la abrir outros horizontes para além do atletismo, isto é, na intimidade. Mas, claro, Sarah prefere correr. E poderia dizer-se isto até à exaustão, para tudo.
Este é um filme de treinos e balneário, de ensaios de vida e de sexualidade latente, de drama amenizado numa iluminação de hospital – como se Sarah estivesse sempre em cirurgia psicológica, entre as corridas – bem longe desse Million Dollar Baby que referi atrás, onde o drama é muito mais carregado, a luz mais sombria, a fatalidade maior. Aliás, o único momento de luz baixa em Sarah préfère la course acontece, justamente, quando o seu coração pára (pára mesmo) ao ouvir a sua amiga-romântica cantar, no karaoke, Un jour il viendra mon amour, um tema tão kitsch e, ao mesmo tempo, tão maravilhoso, a tirar toda esta história da apatia. Conclusão: é preciso o coração de Sarah parar durante uns segundos para que o filme adquira mais vida.
Sarah préfère la course é honesto, na sua simplicidade, talvez demasiado académico na forma como não permite uma pequena turbulência da câmara, nem nas cenas de corrida. Faz falta esse pequeno defeito, essa ruga estética numa cara serena. Mas Chloé Robichaud começou agora a correr no cinema, por isso, vamos estar atentos às próximas maratonas.