A não ser que a acção se baseie em factos reais, muitas vezes quando um realizador situa o seu filme num período distante da actualidade fá-lo com o intuito de se inserir numa tradição do cinema em particular, sendo a Nova Iorque dos anos 80, em cenário de contornos criminais, território que associamos ao saudoso Sidney Lumet e às suas histórias de perda de inocência na grande cidade.
Parece ser esta a referência dominante no novo filme de J.C. Chandor – que dá também ares ao realismo dramático invernal da obra de estreia de Robert Redford, Ordinary People (Gente Vulgar, 1980); Redford era o único actor do filme anterior de J.C. Chandor, All is Lost (Quando Tudo Está Perdido, 2013) – cujo tema é o da mais velha profissão do mundo. Não essa em que estarão a pensar mas aquela que constitui de facto a mais velha de todas: a corrupção. Num momento original em que alguém pôs em marcha a rentabilização da sua ideia, temos a certeza que teve de beneficiar outros para ser deixada a trabalhar em paz. O desejo de filiação e a intemporalidade do tema já resgatam A Most Violent Year (Um Ano Muito Violento, 2014) de poder ser apelidado de exercício de género decorativo e oportunista. Não é nem uma coisa nem outra. Os resultados são também uma outra história.
Pode fazer e faz alguma confusão que um realizador faça incidir a acção num contexto que obrigue à tomada de providências nada ligeiras e que depois ponha lá um protagonista que resiste o mais que pode a esse tipo de decisões. Mais uma vez, assuma-se a confusão que faz não descartando à partida o potencial da premissa. A questão é bem explicitada no diálogo entre Abel Morales (Oscar Isaac), dono de uma empresa transportadora de petróleo que procura afirmar-se num meio de feroz e desleal concorrência, e um dos seus motoristas que havia sido violentamente atacado e a quem tinham roubado o camião. O rapaz diz-lhe que não está seguro de poder voltar a fazer aquele trabalho por se sentir vulnerável, ao que Abel lhe responde que vulneráveis somos todos. Isaac faz lembrar um jovem Al Pacino, a inocência do olhar de Frank Serpico [Serpico (1973) de Lumet] espelhada no rosto. Não é tão bom quanto Pacino mas isso decorre de ser uma evidência que poucos são os actores americanos de hoje que se comparem aos melhores que vieram antes – cada geração tem os actores que merece. Ainda assim, Oscar Isaac é escolha que assenta bem à caracterização da personagem e que encarna igualmente as limitações do filme de J.C. Chandor.
Abel Morales (em Morales existe a palavra “moral”; Abel é figura do Génesis, irmão bom de Caim assassinado por este) é um homem correcto, facto que o filme de Chandor sublinha nem sempre com a subtileza que genericamente caracteriza A Most Violent Year: Veja-se a cena do atropelamento do veado. Esta correcção é a natureza do próprio objecto, para o qual se exigiria uma vulnerabilidade menos imaculada. Percebe-se que as intenções do realizador, também autor do argumento original, seriam aquelas que resultam no filme acabado, os resultados é que se observam com uma bonomia quase sem sobressaltos. É como se Chandor criasse no meio de todos os constrangimentos que assaltam o seu protagonista uma espécie de invólucro que o protege das piores consequências, frustrando de caminho as expectativas de quem se propõe ver um filme chamado A Most Violent Year. J.C Chandor ou recusou o caminho irreversível da violência por não lhe interessar ou por não se sentir capaz de o tratar. É que sempre que esta surge no ecrã é pouco convicta, logo pouco convincente. A dúvida subsistirá até que um próximo filme do realizador a possa fazer dissipar.