Kleber Mendonça Filho chegou aos olhos e ouvidos de todo o mundo graças a O Som ao Redor (2012), longa-metragem de ficção que comenta as formas do medo na sociedade brasileira socorrendo-se da linguagem do cinema americano dos anos 70, com John Carpenter como figura de proa. Este carpenteriano do Recife inicia-se no cinema por via da crítica e prolonga essa paixão pela Sétima Arte através da realização, mas sem fazer uma distinção clara entre uma pele e outra. Estas vizinhanças, entre crítica e realização, entre o medo e a agressão, entre o som e a imagem, estiveram no centro da nossa breve, mas rica conversa desenrolada no passado mês de Novembro no âmbito do último LEFFest, que lhe dedicou uma retrospectiva. Esta entrevista contou com a colaboração de João Lameira. As fotografias são da autoria de Mariana Castro.
O Kleber começou a sua carreira no cinema enquanto crítico. Eu gostava de reformular a frase para ver se concorda com ela: o Kleber começou a sua carreira de realizador enquanto crítico de cinema. Um exercício é parte do outro?
Um exercício é parte de outro. Eu recebo muito essa pergunta, mas formulada de maneira menos sofisticada e interessante. As pessoas acreditam que existe uma maneira de fazer cinema que é fazendo filmes. Eu acredito que existem várias frentes. Escrever sobre filmes e pensar sobre filmes, programar um festival de cinema, inclusive pegar numa câmara e fazer um filme é fazer cinema. Tudo para mim se misturou de uma maneira muito natural. Ainda que, claro, fazer um filme é diferente de escrever sobre um filme. Mas, para mim, nunca houve uma divisão muito clara no cérebro; estava sempre tudo muito junto. E eu estou há quinze anos a programar uma sala de cinema, que é um trabalho que eu adoro. Em 2010, parei de escrever sobre filmes e hoje faço filmes. Sinto-me confortável em qualquer uma dessas versões de fazer cinema.
Essa é uma questão que se prenderá também com a razão de ser do documentário que realizou chamado Crítico (2008). Este é um filme que explora um tema tão relevante quanto pouco abordado no cinema: a importância do trabalho do crítico na sua relação com o trabalho do criador.
Na verdade, o Crítico ilustra muito bem a sua primeira pergunta. Eu estava a trabalhar como crítico e a viajar muito, tendo acesso a pessoas do cinema muito interessantes. Mas uma coisa que me chamava a atenção no trabalho como crítico era uma coisa a que muitos críticos têm horror a falar, que é a relação humana. Tu fizeste um filme, passaste quatro anos a fazer um filme, que eu acho uma merda e aí? Eu vou dizer o que eu acho? Pode haver uma relação muito tensa, o que me começou a perturbar durante o tempo em que era crítico. Comecei a fazer entrevistas. Era, então, uma mistura perfeita entre o ser crítico e querer fazer um filme.
Foi também uma maneira de entrar na longa-metragem.
Mas eu não sabia que ia fazer uma longa-metragem. A minha mulher foi pesquisar o material que eu estava a gravar, que eu nunca vi. Era uma caixa com fitas. E ela, por uma curiosidade cinéfila, quis ver esse material. E o filme surgiu a partir dessa curiosidade. A Maria de Medeiros fez, na verdade, um filme muito parecido, penso que um ano antes, até falei com ela ontem sobre isso [Kleber refere aqui Artistes et Critiques (2004), filme exibido nessa edição do LEFFest que homenageou a actriz e realizadora portuguesa]. Outro factor interessante para o filme é que eu gosto muito de arquivo. Interessa-me muito ter 73 [entrevistas a] cineastas, num determinado momento do tempo. Já há 3 cineastas que faleceram entretanto. Para mim, é importante ter esse arquivo histórico.
Um dos cineastas entrevistados é Fernando Meirelles, que na altura lançava Cidade de Deus (2002). Uma das ideias-feitas que se tem desta nova geração do cinema brasileiro é que vem um pouco combater o “cinema de favela”, que se torna moda muito a partir de Cidade de Deus e depois Tropa de Elite (2007). Como se relaciona com este cinema?
Quando estava na universidade, há uns 15 anos, o metro para medir o cinema brasileiro era o metro usado no Cinema Novo, dos anos 60, que foi feito por intelectuais. Num mundo dividido entre direita e esquerda eles eram apaixonadamente de esquerda. Eu estava na universidade a trabalhar em cinema querendo ir contra isso. inclusive o próprio Cidade de Deus foi pivô num debate sem fim em 2002, porque uma académica muito interessante, Ivana Bentes, escreveu que o filme não era estética da fome mas cosmética da fome e medindo Cidade de Deus com o Cinema Novo, de um ponto de vista social. Até 2002, mesmo um filme como Cidade de Deus é um filme moderno, pode-se dizer, que estava a ser comparado, que tinha de pagar taxas ao Cinema Novo. Eu acho que isso diminuiu bastante na minha geração. Eu acho que o meu filme [O Som ao Redor] não teve de pagar taxa ao Cinema Novo. O meu filme era o meu filme. E não havia necessidade de o colocar contra ou a favor do Cinema Novo. Ao mesmo tempo, e voltando à sua pergunta, o meu filme é totalmente diferente de uma ideia que se abordou no Cinema Novo. Ele aborda uma classe na qual eu pertenço. Eu nunca vivi numa favela, eu não tenho a experiência pessoal de viver numa favela. Não faria, então, um filme numa favela, porque o meu medo era fazer o tipo de merda que fazem em favelas. Conheço a classe média brasileira. E no Cinema Novo não há muitos filmes assim. Um filme muito interessante, que é considerado oficialmente fora do Cinema Novo, um dos melhores filmes dos anos 60, é São Paulo, Sociedade Anônima (1965) de Luís Sérgio Person. É um filme completamente fora da ideia de Cinema Novo, mas é um filme do Cinema Novo. É um filme urbano.
Com O Som ao Redor, o seu cinema projectou-se no mundo. O seu filme integrou o top do ano do New York Times. Teve críticas em todo o lado. Perguntava-lhe o mesmo que perguntou a críticos e realizadores no seu documentário Crítico: qual a importância dessas críticas para si, enquanto realizador?
Para mim, a crítica é um cafuné ou um insulto. Para o universo do cinema, a crítica, de uma maneira muito orgânica, ajuda a formar um valor, um grau de respeito em torno de obras artísticas, ou um grau de desrespeito e desvalorização completa, o insulto. Mas existe uma relação pragmática: a crítica pode ajudar um filme a existir mais. O Som ao Redor foi fruto de uma sequência muito feliz de aceitações do filme e foi muito bem aceite na Dinamarca, México, Estados Unidos, até no Brasil. E isso gerou um valor inestimável, que não dá para transformar em euros. Ao mesmo tempo, depois temos o exemplo de um filme horroroso, comercial, que no Brasil é visto por 4 milhões de espectadores, mas que a crítica, desculpa o termo, cagou em cima dele. Este filme vai ter um valor de muito dinheiro, mas depois ele não vai ter valor nenhum. Isto não vem só da crítica, mas de pessoas comuns que vão ao cinema, que até podem dizer que gostaram, mas uma semana depois já nem se vão lembrar.
Ao longo da história do cinema, os “filmes de críticos” normalmente são obras mergulhadas em referências ou citações. Acha que tem maior consciência delas, na sua obra, por ter lidado com o cinema de um ponto de vista analítico?
Eu escrevi O Som ao Redor com muita organicidade, mas muitas críticas positivas do filme indicam que o filme é extremamente analítico. Eu não sou um matemático, fui sempre um péssimo aluno em matemática. Achei impressionante que as pessoas dissessem isso, que o filme é analítico e cerebral. É muito curioso, porque o filme foi criado organicamente e durante muito tempo ele foi trabalhado minuciosamente, no argumento e na montagem. Mas se isso faz do filme algo cerebral, não sei.
Eu pegava nessa ideia do cerebral e nesse lado muito planificado do filme para propor uma breve panorâmica sobre a sua obra para trás. Começa com Enjaulado (1997), um primeiro filme sobre, descreve no VIMEO, “paranóia da classe média”, que podia ser uma das histórias de O Som ao Redor. Em A Menina do Algodão (2003) temos uma história de assombração na escola João Carpinteiro. Escola com o mesmo nome aparece em O Som ao Redor, numa homenagem mais ou menos escondida a John Carpenter. Electrodoméstica (2005) é como que refeito numa das histórias de O Som ao Redor. Em Recife Frio (2009) o narrador diz, a certa altura: “(…) Recife já sofria do medo paralisante da violência e a fealdade do urbanismo agressivo tão comum em cidades latino-americanas. O espaço urbano caótico, piorado por uma especulação imobiliária fora de controle abria espaço para a desumanização das cidades”. Quando chegamos a O Som ao Redor também estas palavras estão lá transformadas num thriller social muito subtil. Em que medida a sua longa-metragem teria sido diferente (menos subtil) se não tivesse realizado antes essas curtas-metragens?
Eu acho que treinei a utilização dos pontos de vista nas curtas. E talvez tenha chegado a uma outra utilização de pontos de vista, um pouco mais sofisticada, mais distante, mais analítica, em O Som ao Redor. Mas essa utilização do ponto de vista existe em todos os filmes. Na realidade, não conseguia fazer algo como aquilo que observo com muita clareza na televisão brasileira, que, no geral, acha muito importante não ter um ponto de vista. Pode ser um programa de celebridades, uma novela, um documentário. Nunca tem opinião, estabelecendo o que ele ou ela acha. É tudo neutro. Não dá. Para mim, é muito importante que as pessoas tenham opinião, ponto de vista. A reunião dos condóminos [em O Som ao Redor], aparentemente, é neutra, mas tem um ponto de vista, mostrando um pouco como funciona uma certa classe burguesa do Brasil: “eu, eu, eu”, “odeio pobre”…
Esses eram temas que trabalhava na sua obra anterior com a consciência de um dia vir a englobar tudo num filme?
Não. Eu não tinha um projecto de longa-metragem e recebia muita cobrança social. Estilo, começas a namorar e “vais-te casar quando?”. Depois, casas e “vais ter um filho quando?”. No cinema é a mesma coisa.
Sobre a relação cinema e cinefilia, já aflorei um pouco isso, mas aqui parece-me que a sua grande referência – já o era enquanto crítico – é John Carpenter. Será esse um dos traços de originalidade de um filme como O Som ao Redor: o facto de ter absorvido tão bem uma linguagem aparentemente tão estranha a uma paisagem como o Recife.
Isso é por causa da história do cinema brasileiro. Eu cresci nos anos 80, mas vendo filmes dos anos 80 e anos 70. Hoje em dia toda a gente tem uma visão muito clara que o cinema americano dos anos 70 é uma coisa sem igual, um momento muito particular. Então, basicamente, eu fiz uma história totalmente brasileira, mas usando uma câmara talvez dos americanos dos anos 70. O filme tem alguns aspectos do cinema americano clássico: tela larga, wide shots, 35mm… O cinema moderno hoje, pelo menos nos últimos 15 ou 20 anos, é muito “câmara na mão”; a redescoberta da ideia da “câmara na mão”. Eu queria fazer algo em que o espectador entenda o que está a acontecer. Hoje eu sei o que está a acontecer, mas eu não vejo o que está a acontecer. Esse é um grande cliché hoje. A montagem sugere, mas não vemos o que acontece.
Existe em si também um fascínio, que talvez venha de Carpenter, por espaços fechados, corredores vazios, por exemplo. É uma coisa que vem do terror?
Isso é uma coisa que Carpenter usa muito bem, em alguns filmes como Halloween (As Noites de Halloween, 1978), The Fog (O Nevoeiro, 1980) e The Thing (Veio do Outro Mundo, 1982). Uma sequência de três ou quatro planos de lugares vazios. Muito simples. Eu gosto muito desta ideia, fotograficamente. Muito forte, mas muito simples.
Isso tem que ver também com a linguagem muito carpenteriana do “filme de cerco”, que vem de Hawks. É curioso ter pegado nisso e adaptado à realidade dos condomínios fechados e da urbanização descontrolada do Recife.
Estão todos em cerco, ninguém percebe, mas eles estão todos em cerco. Precisas de passar por três portões para entrar em casa e depois há uma terra de ninguém onde ficas em observação. É desconfortável, estúpido, mas não percebem. É um isolamento social. Há cada vez mais barreiras e obstáculos. Sentimo-nos como ratinhos num laboratório. É tudo muito fotogénico.
Esses muros que são erigidos geram um certo medo paranóico.
São pessoas conservadoras de direita que acham que todo o mundo quer o seu dinheiro. Elas acabam por gerar uma sociedade doente. E mais uma vez: isso é muito fotogénico.
No seu filme O Som ao Redor, a violência nunca chega verdadeiramente a explodir.
Eu sou brasileiro, vivo num país violento, mas nunca passei por uma experiência violenta. Mesmo assalto… Nada. Mas, nalguns momentos, senti medo. Só que o medo não dá necessariamente em alguma coisa. O medo é só o medo. Ele é real, presente, mas nada aconteceu. E provavelmente não vai acontecer. E nunca vi isso num filme antes. O medo gerava um ataque violento, o medo gerava um fantasma, o medo gerava um zombie. Muita gente achou isso genial, mas muita gente disse: “não entendi, não se passa nada”. Se estamos a nadar no mar e sabemos que há tubarão, há medo, olhamos para a água e pensamos no tubarão.
O que acontece no filme, por acaso!
Filmamos em CinemaScope uma praia com uma placa a dizer “cuidado, perigo de tubarão”. A personagem desce, entra na praia. Temos medo, mas não significa que vai aparecer o tubarão. O medo no cinema é muito barato, é muito low budget. Não precisa de mostrar nada.
Apetece-me dizer que é quase um ovo de Colombo ter assimilado a linguagem do cinema de terror numa sociedade que vive o medo com essa intensidade, quase diariamente.
Mas voltando à sua observação, o O Som ao Redor passa-se em lugares muito normais: cozinhas, salas, corredores, rua. Nada é espectacular, tudo é muito comum. Se eu filmasse “à mão”, realista, Dardenne, não teria interesse nenhum. Seria interessante filmar da maneira mais clássica. Filmando Scope, a cozinha é mais interessante, em vez de câmara à mão, mostrando a mulher a cozinhar, o espectador vê os poros da pele… O Brian De Palma numa cozinha brasileira numa terça-feira é mais interessante do que filmar como na televisão, que é aquilo que infelizmente vejo mais.
É algo que podemos dizer de uma estética que vemos em Cidade de Deus ou não?
A verdade é que quando o filme saiu essa estética, de naturalismo absoluto, era nova no cinema brasileiro. Hoje ninguém aguenta mais. Ou séries como o The Wire. Era exactamente isso que eu quis ir contra. Se eu tivesse feito O Som ao Redor em 2001 talvez tivesse feito com câmara na mão.
O Enjaulado não é um pouco isso?
Mas é de planos fixos, o que é curioso. É diferente, porque tudo se opõe. O Enjaulado era um vídeo, em Betacam. Todos os vídeos, na época, eram “câmara na mão”, feitos de maneira muito televisiva. Eu quis fazer exactamente o contrário, de modo muito cinematográfico.
Lê-se e ouve-se a certa altura em Crítico a frase “toda a crítica é uma autobiografia”. Podemos dizer o mesmo de um filme, por exemplo, de um filme seu?
Sim… Não é autobiográfico no sentido em que cada história aconteceu na minha vida. Os filmes são como a minha casa. Se for a minha casa, é importante que pareça que eu moro lá. Para mim, os filmes precisam de ser assim. Têm aspectos que podem ser considerados autobiográficos. Eu tenho uma amiga americana que me contou, há 18 anos, que ela estudou com uns colegas que fizeram mais tarde o argumento para Teen Wolf (Lobijovem, 1985), aquele filme com Michael J. Fox. Ela disse-me que todas as personagens na high school no filme tinham os nomes da turma dela na escola. Tu podes fazer um filme autobiográfico, mesmo trabalhando para um produto comercial. Se tens o talento de transformar ideias pessoais em trama, é interessante.
Foi interessante ter falado da questão da casa, dessa dimensão quase retratista da própria casa em que vive. A casa, no fundo, é uma imagem de nós. Digo que é interessante, porque o seu cinema é muito espacial. Uma das coisas que mais me impressionaram prende-se com uma certa espacialidade do som, que aliás é sugerida no próprio título. Perguntava-lhe se o seu filme nasceu primeiro no ouvido do que no olho e se acredita nesta precedência hierárquica do áudio sobre o visual?
Não, acho que a primeira coisa é a historia, é tentar entender se os conflitos são de boa qualidade. Por exemplo: “garoto de nove anos tenta jogar futebol e parece existir um complô contra ele: ele nunca consegue jogar futebol, porque não tem espaço. Ele tenta, mas não consegue”. Isso é uma boa história? Acho que é. Em primeiro lugar, é entender a qualidade da história. Em segundo lugar, pensas o resto. O som entrou na história, porque a localização do argumento era muito espacial e, sendo espacial, estamos no Brasil, país barulhento e tropical – as janelas estão sempre abertas, então os sons saem da janela e entram também pela janela. Às vezes, estás solitário, mas consegues ouvir o vizinho. Pode ser seis da noite e ouves. O som faz parte do teu ambiente, mesmo não sendo teu. É essa dicotomia que, acho, está muito presente no filme. A Bia sente-se agredida pelo som do cão, ela é a única que sintoniza a frequência do som do cão, o marido e os filhos não. Essa sintonia de rádio não é só sonora, é psicológica também.
Há uma agressão constante pelo som.
Sou fascinado pela agressão que não é óbvia. Há muitas agressões que não são reais, mas são reais. Eu queria pôr isso no filme: o limite entre real e psicológico. O cão é um bom exemplo.
No caso do cão e Bia, é curioso, porque ela usa um daqueles aparelhos contra o ladrar que emitem um som estridente. É ruído contra ruído. Isso leva-nos ao comentário à tecnologia no seu cinema. Há duas imagens muito fortes, que estão já na curta Electroméstica: a cena em que Bia filma o charro e usa o aspirador para tirar o cheiro e a cena de masturbação com a vibrante máquina de lavar roupa.
Esses elementos são muito brasileiros. Há um filme sobre a presença americana no nordeste do Brasil durante a guerra. Chama-se For All – O Trampolim da Vitória (1997). Tem uma cena em que a mãe de uma rapariga brasileira ganha um liquidificador, máquina sofisticada da mulher moderna. Isto é no Brasil de 1941. Duas cenas depois, nós vêmo-la a usar o liquidificador como um pilão indígena. Ela não entende. O que é muito engraçado. Isso fez-me pensar muito sobre essa coisa muito brasileira de subverter as coisas. Na Europa, as coisas são: “isto é assim, isto é assim”. No Brasil, é: “isto é assim, mas também pode ser assim”. O Electrodoméstica vem muito daí. Ela é uma mulher instável. Para tentar melhorar a existência dela, ela subverte as coisas. A máquina de lavar não é só uma máquina de lavar. O aspirador também não é só um aspirador. Gosto dessa subversão, dessa pequena anarquia.
Usou há bocado a palavra “perspectiva”. E um filme como O Som ao Redor tem um lado de mosaico, mas é curioso como as histórias se desenvolvem na vizinhança umas das outras. E não há um “laço final” à Iñarritu, cineasta que costuma “fechar” os seus filmes.
Espero que não…
Sim, há na realidade muitas brechas, como num edifício, num mau edifício, mal construído. Agora disse “espero que não”… Tinha receio dessa colagem a Iñárritu?
Tinha, porque a partir de Short Cuts (Short Cuts – Os Americanos, 1993) de Robert Altman virou um modelo a seguir no cinema. O Magnolia (1999) eu acho um filme muito forte, mas já me parece mais fraco que Short Cuts. Depois vem o Crash (Colisão, 2004) que é um desastre. E depois a trilogia de Iñárritu, Amores Perros (Amor Cão, 2000), 21 Grams (21 Gramas, 2003) e Babel (2006). Várias histórias, várias pessoas, muito chato. O que me fez continuar com o argumento de O Som ao Redor foi o entender que não é uma cidade inteira, é tudo mais focado. Vamos apresentando de maneira mais orgânica as personagens. Mas tinha muito medo que usassem as palavras Iñárritu e Crash. A crítica da Variety dizia “sabiamente evitando o caminho Iñárritu”.
Um bom sinal então. É que os americanos até costumam gostar do Iñárritu.
Mas eu não (risos).