Commit a crime and the earth is made of glass. Commit a crime and it seems as if a coat of snow fell on the ground, such as reveals in the woods the track of every partridge and fox and squirrel and mole. You cannot recall the spoken word. You cannot wipe out the foot-track. You cannot draw up the ladder so as to leave no inlet or clue.
Ralph Waldo Emerson (citado em The Stranger)
Temos essa tendência para nos demorarmos com o lateral, com o marginal, com aquilo que é menos óbvio e que, por razões diversas, não obteve o reconhecimento que outras obras alcançaram. Não é por acaso que, com tanta coisa consagrada nas carreiras de Fritz Lang ou Woody Allen, tenhamos optado por abordar filmes como You and Me (1938, Sozinho na Vida) ou Sleeper (1973, O Herói do Ano 2000), respectivamente. Essa a tendência que permite não só testemunhar algumas injustiças que a história sempre cola a determinados filmes, como, sobretudo, aprender: vasculhar pelas bobines mais empoeiradas (na nossa cabeça, é quase assim) e, a partir delas, colocar em perspectiva – por vezes mesmo numa outra perspectiva – a obra e a carreira de um realizador, estabelecer pontes e fechar interstícios, coisa que, quando nos limitamos a analisar os trabalhos consagrados (ditos “cânones”), não é possível fazer. De resto, todo o gosto historiográfico, qualquer que seja a arte ou o domínio em causa, passa, inelutavelmente, pela exploração não apenas dos “claros” (novamente: dos “cânones”) de uma obra ou de um artista, mas, também, dos seus “escuros” – e, sobretudo, dos seus “obscuros”, pelos quais devemos passar, então, a luz da lanterna cinéfila, nesse “atravessamento da aparência” que o Luís Mendonça empreendia a propósito de Gone Girl (2014, Em Parte Incerta).
O presente texto foi publicado no livro de compilação O Cinema Não Morreu – Crítica e Cinefilia À pala de Walsh. Pode adquiri-lo junto da editora Linha de Sombra, na respectiva livraria (na Cinemateca Portuguesa), e em livrarias seleccionadas.