É demasiado forte a tentação de colocar o pornográfico sotaque escocês, que Jude Law enverga mais despudoradamente do que as suas entradas, como aquilo que maiores desafios suscita à sobrevivência de quem vê Black Sea (Mar Negro, 2014). O britânico discorre um “inglês under water” que o seu realizador, o escocês Kevin MacDonald, deve ter achado ser uma marca de homem rijo para um filme feito de homens rijos no centro de um submarino-palco de aventuras e ganâncias. Na cabeça de Kevin, assim como provavelmente na do argumentista Dennis Kelly, que aqui dá o salto da TV, a intenção deve ter sido fazer um daqueles “filmalhaços” à antiga (se antigo significar anos 90), thrillers tensionais que trabalhavam por sobre os escombros da paranóia nuclear e da Guerra Fria.
E depois sejamos francos: se eu vos disser que o recém despedido capitão Robinson se mete num ferrugento submarino soviético com outros veteranos da marinha e que o destino é a Crimeia e um tesouro de vinte milhões em barras de ouro (uma tentativa frustrada de suborno de Estaline a Hitler para o impedir de invadir a Rússia na 2ª Guerra Mundial) certamente os vossos alarmes interiores soarão quase tão alto como se colocasse o nome Paulo Portas e submarinos, os dois na mesma frase. É precisamente aos caçadores de testosterona, honra masculina e nostalgia que este filme se dirige e a uma velocidade de cruzeiro.
Mas se estamos metidos no negócio da franqueza também vos digo que The Hunt for Red October (Caça ao Outubro Vermelho, 1990) baseado no primeiro livro homónino de Tom Clancy ou o Crimson Tide (Maré Vermelha, 1995) de Tony Scott [para não falar do “antepassado” germânico Das Boot (O Submarino) de 81] são tudo filmes onde se sentia muito mais o ar do tempo. Aqui, a rigidez da fórmula que “obriga” aos esquemas deste subgénero de filmes (entre o tom homo-erótico do trabalho de equipa nas profundezas, o estudo da natureza humana e o filmes de piratas debaixo de água) mostra que por ali não se tem muita consciência de que estamos a falar de uma revisitação.
Não precisava de ter um tom paródico [como The Expendables (Os Mercenários, 2010)] para que essa actualização não se convertesse em anacronismo. Por exemplo, Ti West re-visitou em The House of the Devil (2009) o slasher, sem precisar de adaptações a tempos modernos ou ironias meta-meta. Em Black Sea não há nada disso: nem comédia, nem actualização, nem sequer um sentido de homenagem. À partida isso até soa bem, se não fosse apenas ressoar o anacronismo das barras de ouro, dos nazis, do poderio soviético (talvez este tenha agora a sua breve mas conhecida actualização) num filme canastrão onde poucas coisas resultam para lá do peso do já visto e do já sentido. O peso metafórico do ouro, a conveniência narrativa dos acidentes, o final bigger than life só chamam ainda mais a atenção para o despropósito.
É por estas razões que o melhor filme de Kevin MacDonald continua de longe a ser o documentário Touching the Void (2003), também ele sobre sobrevivência em situações extremas, e Jude Law continua de longe a ser muito pior escocês do que Sean Connery.