“Dear love, even the paunchy, ugly people of this world believe they love as much as we do and forever. It is the illusion of all lovers to think themselves unique and their words immortal.”
Mark said: “It may be an illusion, but it is the only truth that you and I possess, therefore let us enjoy it while we can. For after all, my dear one, we may have only little time, so little time to love.”
Han Suyin, A Many-Spendored Thing, Boston: Little, Brown and Company, 1952, p. xii
Love is a Many-Splendored Thing (A Colina da Saudade, 1955), de Henry King, passa na Cinemateca Portuguesa dia 26 inserido no ciclo “Discípulos de Griffith”, na senda do ciclo que tem vindo a decorrer dedicado ao mestre pioneiro. Adaptação da obra de Han Suyin, o filme de King é interessante tanto pelo que mostra como pelo que não mostra. Por um lado, é um exemplo paradigmático de romance arrebatado de Hollywood clássica. Por outro, nunca leva esse arrebatamento até ao pico que poderia.
Cinemascope e tecnicolor. Hong Kong existe para ser filmada assim. É com uma imponente vista aérea da metrópole asiática, então colónia britânica, que abre Love is a Many-Splendored Thing, com os créditos iniciais surgindo sobre essa visão de cima. Poderíamos divagar que o filme de Henry King nunca abandona essa visão “de cima para baixo” mas isso seria fazer-lhe o elogio de dizer que olha para algo “em baixo” quando tudo o que interessa a King ali são umas figuras destacadas das “massas” e sentimentos sempre sem pés assentes na terra. Corações ao alto. Estamos pois perante um filme de céu, fantasia romântica com laivos de fantasia orientalista. O que se passa cá em baixo, na terra ou na água, é apenas visível por breves momentos, cumprindo a lista de cenas pitorescas que urgia mostrar quando se filmava sobre a Ásia – mesmo aqui, em que se filmava na Ásia.
A história de amor, breve e fatídica como tantos outros “great loves”, de Love is a Many-Splendored Thing tem lugar em Hong Kong (e, numa escapadela, Macau) em 1949, quando a vitória comunista da China continental se afigurava já quase certa. Hong Kong, sob administração britânica, recebia então milhares de refugiados por dia. Fugiam chineses e fugiam estrangeiros, e o filme (tal como o livro) vai dando uns exemplos como pano de fundo (a menina órfã, o velho missionário). Estava-se num limbo de ansiedade. O que viria a ser essa “nova China” e quem lá teria lugar eram tema de conversa na apinhada Hong Kong, onde uma variedade de posições coexistia, como também pode ser visto no filme, entre os secundários caricaturais, da senhora britânica autocentrada na sua vida de privilégio de branca anglo-saxónica abastada, ou o médico chinês de simpatias comunistas. No centro do limbo está Han Suyin, a protagonista do filme e do livro que o inspirou – e a autora desse mesmo livro.
Segundo um dos obituários que lhe foram dedicados (Han Sunyin morreu em 2012), A Many-Splendored Thing chocou a sociedade de Hong Kong à sua data de publicação, em 1952. O filme, feito poucos anos depois, não deixa adivinhar esse choque. Comparado com o arrebatamento do livro, o do filme esmorece, como uma versão mais domada, sem o lado mais carnal do romantismo febril que corre pelas páginas escritas, nem a real medida do retrato crítico da autora sobre as contradições e injustiças da sociedade colonial que descreve e onde ela era, de certa forma, uma inadaptada. Assim como o título do filme é hifenizado, também a identidade de Han Suyin o foi. Filha de pai chinês e mãe belga, a euro-asiática Suyin esforçou-se sempre por ser enfatizar o seu lado chinês mas o seu próprio percurso intelectual fez da sua vida e dos seus círculos uma combinação de elementos asiáticos e ocidentais. É algures nessa jornada que têm lugar os acontecimentos no centro do filme, quando Suyin, viúva de um general nacionalista chinês, se encontra a exercer medicina em Hong Kong e aí conhece Mark Elliot, um correspondente americano (na vida real o australiano Ian Morrison), casado, com quem vive uma paixão contra as puritanas prescrições de uma sociedade hipócrita até que a Guerra da Coreia – esse outro marco do tempo histórico em que o filme tem lugar – os separa para sempre.
Filmado em plena Guerra Fria e numa altura particularmente gelada em termos de relações entre os EUA e a China, é curioso notar como King consegue abster-se de grandes divagações políticas e o espírito de incerteza de 1949 é razoavelmente recriado sem grandes divagações para o presente da data de produção do filme. Um outro autor talvez tivesse feito outras incursões nas cenas de guerra evocadas, tanto a civil chinesa como a coreana, mas a King importa os amantes, os familiares e os amigos. E o exotismo que busca em todo o lado, das “tancaneiras” de Hong Kong às celebrações tradicionais chinesas passando pela visita de Suyin à família em Chongqing.
No filme, a independente Suyin é interpretada por Jennifer Jones, o que denuncia logo o quão pouco se evoluíra desde o mudo em termos de representação de personagens asiáticas (neste caso euro-asiática) no cinema americano. Jones (que é uma excelente actriz) tem momentos de estranhos esgares (talvez seja um efeito do alho de que se diz que encheu a boca para afastar o atrevido William Holden) que por vezes parecem demasiado inexpressivos no seu excesso de pose (agravados por deixas em chinês ditas de forma quase tão ridícula como o sotaque falível das figuras portuguesas do hotel em Macau). A sua fúria em Duel in the Sun (Duelo ao Sol, 1946, King Vidor) não mora aqui. Já William Holden está no seu elemento, tornando Mark Elliot no típico galã de “terras exóticas”, incluindo fetichismos orientalistas (veja-se a cena em que expressa desapontamento por Suyin estar a usar roupas ocidentais), um pouco como faria anos depois no, apesar de tudo, mais interessante The World of Suzie Wong (1960, Richard Quine).
Mas perdoe-se tudo isso. O que importa mesmo em Love is a Many-Splendored Thing é mesmo essa coisa esplendorosa que é um amor como só a Hollywood de outrora soube filmar. Um daqueles filmes em que os beijos vêm acompanhados de música em crescendo. Esplendor na relva, no topo dessa colina (pois os sentimentos aqui estão sempre tão altos como o terreno) que deu o estranho título da tradução portuguesa. Mas no filme esse enlevo soa sempre a pouco. O que Henry King não mostra nem sempre consegue sugerir. E se há cenas de charme provocador, como esse primeiro beijo dado com cigarros ou o mergulho na água em que é Suyin quem quase arrasta Mark, no geral falta que se deixe arder o fogo que se ateia em certas cenas. Sobretudo se se tiver lido passagens do livro como o excerto do prefácio no início deste texto.
Se hoje a canção homónima, composta para o filme, é quase mais famosa que a própria película é pena. Mas é sobretudo de lamentar que Han Suyin tenha ela própria caído no esquecimento. A mulher real parece ter vivido muitas vidas, e todas elas dignas de filme, de outros filmes que não tenham medo de olhar o mundo à volta, esse mundo que marca as personagens e ajuda a compreender a sua complexidade humana.
Love is a Many-Splendored Thing passa na Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema dia 26, às 21:30.