A julgar por Mammuth (2010), em que punha o corpanzil de Gérard Depardieu em cima de uma mota, longos cabelos ao vento, e este Near Death Experience (Experiência de Quase-Morte, 2014), em que transforma o escritor Michel Houellebecq num Robinson Crosué voluntário, perdido do resto da sociedade (ou quase) numa montanha, de fato de ciclista vermelho colado ao corpo magro e envelhecido, a dupla de realizadores Benoît Delépine e Gustave Kervern compraz-se em colocar grandes figuras da cultura francesa numa espécie de espectáculo do grotesco. Em reduzir o intelectual a um pobre coitado suburbano de classe média-baixa, tirando-lhe todas as marcas da sua “classe”, e mostrá-lo assim ao mundo.
Em Mammuth ainda havia uma história para disfarçar. O fio narrativo de Near Death Experience é mais fininho – Paul, um operador de call center casado e com dois filhos que escapa ao quotidiano tristonho com bebidas ao balcão e cigarros consecutivos, sai um dia de casa para se matar, alegando ir dar uma voltinha de bicicleta (o novo “vou ali comprar tabaco”) -, deixando a descoberto as intenções de Delépine e Kervern. Houellebecq, de cabelo ralo e seboso, o lábio inferior demasiado saliente, a cara revelando os efeitos de muitos álcoois e fumos mais do que a idade, é o “actor” ideal deste cinema da fealdade. A má qualidade da imagem digital, projectada num formato gigantesco, é apenas mais um exemplo do mesmo. Se a fórmula é chocante ou, pelo menos, impactante, depressa se esgota. O espectador vai-se exasperando, tanto que quando a personagem diz para si mesma “Paul, falas de mais e suicidas-te de menos” (estou a parafrasear) só consegue concordar.
E não se lhe pode levar a mal. Por essa altura, já viu Michel Houellebecq numa série de tentativas de suicídio frustradas (cuja razão de existência é a necessidade de haver filme), a falar sozinho, a falar dentro da sua cabeça (em voz off), a falar com pedras (totens da sua família), a falar com um coelho morto, a falar com um maluquinho que quer brincar aos bonequinhos ciclistas com ele e lhe dá uma grande chapada (o único momento em que Houellebecq, felicíssimo por ser o centro deste one-man show, se mostra chateado, sugerindo que talvez não estivesse planeada), a falar com a sua endorfina (uma voz angelical, espectral, representando o “sobrenatural” também “presente” em Mammuth). A monotonia é quebrada de vez em quando, nem sempre pelo que está no filme. Por exemplo, na cena em que Houellebecq dança freneticamente “War Pigs” dos Black Sabbath (uma divergência em relação à restante banda sonora, presa à pompa da música clássica) ou naquela em que se atira, um tanto aleatoriamente, para cima de uma tenda (e, assim, acabo de estragar os dois melhores momentos de Near Death Experience). Ou quando me pôs a pensar neste diálogo de Blue in the Face (Fumo Azul, 1995) entre Jim Jarmusch e Harvey Keitel, à conta da maneira de fumar do escritor francês, o cigarro entre o dedo do pirete (desconheço o nome científico) e o anelar.
Dá ideia (ou melhor, percebe-se facilmente) que Near Death Experience pretendia “falar” de coisas sérias com humor mas, salvo as referidas excepções (e uma ou outra não referida), não tem muita graça e o discurso existencialista-niilista de adolescente cheio de certezas e pouca experiência de vida é bastante maçador, apesar de ser debitado por pessoas com idade para ter juízo.