A velocidade nunca matou ninguém. Ficar parado subitamente, isso sim.
Os filmes de Hollywood são feitos para adolescentes de 15 anos da Dakota do Norte (EUA) que, intelectualmente falando, podem comparar-se a um animal de um jardim zoológico britânico.
Jeremy Clarkson, (ex-)apresentador do programa de carros Top Gear
In such a climate, nothing is more prized than excess. The further out you go, the more there is to accumulate and capitalize upon. Everything is organized in terms of thresholds, intensities, and modulations.
Steven Shaviro, No Speed Limit: Three Essays on Accelerationism
A pausa nesta crónica, forçada pelas mudanças infraestruturais operadas aqui no burgo, trouxe-me sobretudo dilemas, mas também algumas boas dores de cabeça. Se por vezes tenho dificuldade de encontrar objectos para trazer aqui, para esta crónica as opções abundaram. Desde logo, uma dinâmica interessante estabeleceu-se entre a principal estreia de cinema nas salas comerciais e a programação televisiva. Falo da forma como pelo pequeno ecrã consegui encontrar o “manual de instruções” para entrar no blockbuster Furious 7 (Velocidade Furiosa 7, 2015), filme que bate todos os recordes de bilheteira neste momento. Mas houve mais um elemento que “baralhou as contas” ou agitou as águas normalmente estagnadas e estagnantes da programação cinematográfica: a morte de Manoel de Oliveira. Dizia a amigos que a data da morte do centenário cineasta português ficaria inscrita na memória de todos da seguinte maneira: “No dia em que Oliveira faleceu, eu ____”. Pois bem, é aqui que, na minha história pessoal, o mais célebre fanático dos popós do Porto – nada que ver com Rui Rio, atenção, que esse ficou reduzido ao acrónimo “fdp” – encontra um bando de mercenários, de moral e política duvidosas, que têm atravessado o mundo a altíssima velocidade desde a viragem do século. Paul Walker, Vin Diesel e Michelle Rodriguez são as stars de uma velocidade furiosa que desde 2001 atravessa milhões de ecrãs em todo o mundo – e não é por acaso que o primeiro filme da série fala de contrabando de leitores DVD. A roda gira, o tempo não pode parar, é preciso correr, mesmo que se avance pouco ou nada. Faço isso, desde já, com esta crónica tripartida, aproveitando todo este embalo.
Bom cinema na televisão pública. A Civic TV tem sido crítica, mas também sabe reconhecer os avanços, mesmo que tímidos, que vão sendo feitos na programa de cinema dos dois canais públicos, RTP1 e RTP2. No espaço de cinema dos sábados, durante o interregno desta crónica, o espectador português atento terá alimentado o olho com alguns dos melhores espécimes da Sétima Arte; com o grande cinema italiano, como a obra-prima de Mario Monicelli I soliti ignoti (Gangsters Falhados, 1958) e a tresloucada comédia de sketchs de Dino Risi Vedo nudo (Vejo Tudo Nu, 1969), e também com o presente ciclo dedicado a Alfred Hitchcock, que me permitiu ver, e confesso que foi pela primeira vez, I Confess (Confesso!, 1953). Pois bem, para além destas oferendas da RTP2, houve uma passagem que me marcou acima de todas as outras. Foi na RTP1 que, no mês que passou, vi Little Odessa (Viver e Morrer em Little Odessa, 1994) como se fosse pela primeira vez. Digo isto porque a minha descoberta do filme de estreia de James Gray havia sido feita através da, então única, cópia disponível em DVD, uma edição britânica letterboxed com péssima qualidade de imagem. Pois bem, graças à estação pública, que já havia passado o filme há uns tempos, como que vi o filme pela primeira vez, ainda que a tal péssima cópia tenha sido suficiente para produzir em mim a convicção de que esta é a obra-prima maior de Gray. Ver Little Odessa hoje é perceber mais profundamente de onde vem o mais recente The Immigrant (A Emigrante, 2013). Nos dois filmes, os seus melhores para mim, Gray fala de relações de abuso e amor e, em ambos, perpassa um intenso sentimento de luto. E, por isso mesmo, há uma religiosidade mais ou menos subterrânea que aproxima as personagens, nas suas virtudes e pecados. Para além desse diálogo do primeiro com o mais recente filmes, encontramos a força, em estado bruto, de um amor entre irmãos (azul), a violência da figura paterna (o escuro da sombra) e a fragilidade santificadora da mãe (o branco dos lençóis, que são ecrã da morte, da doença e, no fim, da redenção). A família é o grande ecossistema dramático de Gray, como se constatará depois em The Yards (Nas Teias da Corrupção, 2000), We Own the Night (Nós Controlamos a Noite, 2007) e, não esquecer, em Two Lovers (Duplo Amor, 2008), pensando em especial na comovente relação entre a personagem de Phoenix e a sua mãe interpretada por Isabella Rossellini, cumplicidade feita de gestos invisíveis, palavras não ditas. É um cinema saído das entranhas, mas nele há tanto corpo quanto espírito. Little Odessa é um requiem urbano de uma elegância formal notável, parábola cristã de esquecidos, doentes e marginais que nos deixa com um nó na garganta e a alma amarfanhada.
Wan é um homem para quem o grande truque dos filmes é o cinema que neles tantas (demasiadas) vezes se propõe adormecido ou nulificado.
Fanático dos popós 1. Como dizia, no dia em que Oliveira morreu… eu fui ao cinema do Campo Pequeno assistir ao sétimo capítulo do franchise multimilionário Fast and Furious. O que me moveu para esta sessão foi menos a saga em si do que a promessa que encerrava a escolha de James Wan para realizar este capítulo. Wan é um dos raros cineastas da actualidade que pensam o cinema com a câmara. Ele é também um crente firme nos truques mais antigos do cinema e, por isso, alguém que inscreve ou tenta inscrever algumas lições dos primitivos no ADN do cinema contemporâneo, como se a sua estética resultasse de um cruzamento transhistórico entre Segundo de Chomón e David Fincher. Portanto, Wan é um homem para quem o grande truque dos filmes é o cinema que neles tantas (demasiadas) vezes se propõe adormecido ou nulificado. Com um movimento de câmara, um gesto de mise en scène, o realizador dos dois Insidious convoca no filme mais destituído de profundidade dramática uma ideia de cinema. São estas ideias de cinema que intensamente persigo enquanto espectador – ou são elas que, ferozmente, me perseguem? Numa política de serialização e complementaridade que já descrevi em números anteriores desta crónica, a televisão nacional deu-me as ferramentas de que precisava para entrar na maquinaria complexa (ou será antes simplesmente confusa?) que sustenta este sétimo capítulo. Por exemplo, a SIC passou Furious 6 (Velocidade Furiosa 6, 2013) um dia após a estreia do sétimo tomo nas salas comerciais. De qualquer modo, nos canais do cabo, os filmes Fast and Furious são uma presença regular, uma espécie de “ruído de fundo” garantido por canais especializados como a FOX e o AXN. No espaço de um mês consegui ver todos os capítulos da saga, salvo o quinto que, por razões que desconheço, ficou por exibir.
Poder-se-ia dizer que ao longo destes sete capítulos a carroçaria é sempre a mesma, mas o motor vai mudando. Em certa medida, dizer isso não seria estar-se longe da verdade. Há diferentes potências, mais ou menos “mudanças”, entre todos os filmes Fast and Furious. Dir-se-ia mesmo que a própria ideia de velocidade vai sendo substituída por uma ideia de ultrapassagem, uma ultrapassagem pela direita do “Fast” pelo “Furious” ou vice-versa. Explico-me: a estrutura que sustenta todo o empreendimento, isto é, o primeiro filme de todos, The Fast and The Furious (Velocidade Furiosa, 2001), é de uma gritante insustentabalidade dramática, cénica, cinética para o que quer que venha a seguir. De tal modo é assim que ao terceiro filme dá-se uma viragem de 180 graus na história, mandando para as urtigas tudo o que estava para trás, obrigando a que no quarto capítulo se relance toda a história, como um motor que vai abaixo em pleno andamento. É preciso ligá-lo, religá-lo, tentar retomar o rumo. Fast and Furious vai-se monstrificando ao ponto de, no quinto e sexto tomos, se tornar numa espécie de amalgama cinematográfica, um cocktail bizarro algures entre as séries Ocean’s Eleven e Mission Impossible – esqueça qualquer tentativa de aproximação a um Vanishing Point (Corrida Contra o Destino, 1971) ou Two-Lane Blacktop (A Estrada Não Tem Fim, 1971) -, sendo que o som do motor e o fetiche por popós vai ficando esquecido. A partir de Justin Lin, ao quarto capítulo, cria-se uma via de acumulação que só pesa sobre filmes que se querem ágeis – diga-se, em abono da verdade, que a mudança empreendida justifica-se desde logo pela completa ineficácia dos filmes anteriores, mas mudar não significa necessariamente mudar no sentido certo.
Justin Lin, o arquitecto do re-arranque da série, decide que todas as personagens são peças essenciais. Pior que isso: decide que as personagens, e a sua equação sentimental, são o principal aqui. O principal não é nem o “drive or die” nem o fanatismo por popós que parecia mobilizar as intenções por trás do primeiro filme. O problema aqui é que para se ter um universo dramático, é importante ter actores bons ou, para voltar ao jogo de palavras, “potentes”, e saber injectar drama na acção, criando uma espécie de pathos sobre rodas. Para isso é preciso saber “novelizar”. E por muito que isto seja uma (tele)novela de homens de aço, uma soap opera de durões e duronas, a inconsistência dramática, até literária, é de bradar aos céus. O sobressentimentalismo da personagem do cabotino Vin Diesel, a irrelevância dramática do igualmente péssimo Paul Walker, uma espécie de Steve McQueen ou Paul Newman sem talento e sem carisma, isto tudo mais uma incongruência geral feita de Deus ex machina gerados de cinco em cinco minutos para ampararem a queda do filme no vazio promovem mal as intenções de Justin Lin. É, talvez, o medo que Lin tem desse vazio – a potência quase abstracta desse vazio, entenda-se, podia ser o mais interessante caminho a explorar nestes filmes – que o torna incapaz de expurgar os filmes do acessório e de toda a desajeitada ganga sentimental que vão carregando e que lhes mata o fulgor cinematográfico.
Esta é a carroçaria, muito gasta e desgastada, onde Wan teve de encaixar o seu motor. O que fez foi, com os destroços de uma franchise bastante defeituoso, construir um carro de cilindrada média que já não apenas desliza ou derrapa sobre o asfalto, mas atinge as nuvens como um pássaro. Dois aspectos animam o filme de um ponto de vista conceptual. (Pois, é isso que simplesmente está ausente em todos os seis filmes anteriores: pensamento conceptual.) O primeiro resume-se à cena em que o filho da personagem de Paul Walker atira o carrinho de brincar ao ar e o pai, rindo para si mesmo, lhe diz qualquer coisa como “os carros não voam”. É a partir desta ideia/conceito que Wan vai fabricar alguma das suas imagens mais impressionantes, por exemplo, desafiando leis da física com toneladas de aço a ganharem a leveza de uma pena, um delírio motorizado que não víamos orquestrado assim desde M:I-2 (Missão Impossível 2, 2000) ou desde o guilty pleasure Torque (Torque – A Lei do Mais Rápido, 2004). A sequência dos arranha-céus no Dubai é exemplo de algo que faltava a uma saga que se dizia da velocidade e da fúria: vertigem. Wan também empresta ao filme, na cat fight espalhafatosa entre Michelle Rodriguez e a guarda-costas do milionário árabe, algo que estava em falta: sensualidade animal. Nas cenas de pancadaria Wan chega a engenhar planos – que chamaria de sticky shots – que se agarram ao movimento das personagens enquanto estas se desfazem em socos e pontapés, dentro do estilo bruto e seco de um The Raid (2011). Uma inventividade estilística que não se encontra nos filmes anteriores. Jorge Mourinha conclui a sua crítica a Furious 7, onde dá bolinha preta, com um lamento que eu usaria aqui mas com um sinal oposto: Wan não teria conseguido mais do que transformar Fast and Furious num “fenómeno de feira”. Retomo aqui o que disse há pouco a propósito da proximidade deste realizador aos primitivos e a um cinema pensado no plano ou na cena. É no que há de “feiral”, de espectáculo visual que maravilha o olho ou que nos faz encolher na cadeira, que Wan nos distrai de tudo o que “não funciona” na pesadíssima maquinaria que vai fazendo, por processo de obscena acumulação, esta interminável “linha de montagem”.
Outro aspecto que traz qualquer coisa outra à série é mais um elemento que estava ausente em todos os anteriores filmes. Falei de vertigem, sensualidade animal, alguma inventividade formal, mas como (continuar a) fazer filmes sobre corridas de carros sem que neles se sinta a iminência da morte? É aí que a morte física de Paul Walker, fora dos ecrãs, se transforma no principal “efeito especial” no filme, isto é, na imanência a partir da qual Wan conceptualiza todo o filme. Tudo o que aqui se constrói parte daí, desta anterioridade marcada pela ironia trágica de que Paul Walker morreu num acidente de automóvel. Comecei estas crónicas Civic TV com uma reflexão sobre a experiência da morte no filme Brainstorm (Projecto Brainstorm, 1983), que ficou para a história como o último de Natalie Wood. (Ricardo Vieira Lisboa aprofundou este gesto de “manobramento da morte” e sua inscrição na matéria fílmica na sua crítica ao último filme de Peter Sellers, por sinal, uma enésima sequela de uma série de filmes, as comédias Pink Panther.) Com o dado terrível em mãos de que a estrela da companhia desapareceu e não pode (será?) voltar mais, Wan faz uma manobra digna de registo: ultrapassa, de novo pela direita, o que era, à partida, inultrapassável. Uma ousadia de morte, apetece dizer. Wan fará sobreviver Walker na sua personagem, inclusivamente, amplia o seu reduzíssimo interesse dramático, no sentido em que drama em grego significa acção e acção, em Fast and Furious, deve significar uma qualquer dança com a morte. Quase literalmente, Wan por Walker ou Walker por Wan brincam na/gozam com a cara da Morte. E acabam com um sorriso nos lábios. Se a vitória alcançada não for pelo Cinema, ao menos que seja contra a Morte – por aí Wan atinge os seus “mínimos olímpicos” em Furious 7.
Se em vida Oliveira não nos elevou com os filmes que ia fazendo, veloz e ferozmente, então agora eleva uma nação narcotizada pelas imbecilidades mediáticas graças à notícia da sua saída de cena.
Fanático dos popós 2 ou a morte de Oliveira. “No dia em que Oliveira faleceu, eu ____”. Não há como escapar à notícia da morte de um dos mais corajosos cineastas dos nossos dias. A reacção popular à sua morte ultrapassou tudo aquilo que podia ter imaginado. Foi comovente a forma sincera, respeitosa e até humilde como a nação se despediu de um dos seus mais prodigiosos filhos. E, com o seu desaparecimento aos 106 anos, Oliveira mostra de novo o poder dos homens intemporais. Durante 24 horas a sensação de perda de um grande cineasta e de uma grande personalidade provocou uma espécie de urgência generalizada nos media de se estar “à altura do acontecimento”. A morte de Oliveira provocou um autêntico curto-circuito nalgumas grelhas televisivas. Por momentos, nos mesmos estúdios onde se debatem faits divers da política e foras de jogo da bola, figuras ilustres, algumas habitualmente arredadas destes palcos, falavam sobre a obra e o legado de Oliveira e, por arrasto, durante esse intervalo de tempo, como uma janela que se abre para deixar entrar ar, ouvimos falar de cinema em plena televisão portuguesa. De repente, a televisão abria-se às presenças de Joaquim Sapinho, João Mário Grilo, Bernardo Pinto de Almeida e Pedro Mexia para se falar sobre arte, cultura e vida. Só algo ou alguém muito especial conseguiria produzir tal efeito. Mas o efeito não se ficou nas palavras. A RTP e, ainda mais extraordinário, um canal informativo como a TVI24 passaram filmes de Oliveira, tendo com isso obtido, segundo consta, excelentes resultados de audiência – a passagem de Aniki Bóbó (1942) na TVI24 teve um sucesso tal que ainda ontem, e de novo hoje (dia 11 de Abril), o canal repetiu a dose com a exibição de Lisbon Story (Viagem a Lisboa, 1994) de Wim Wenders, onde Oliveira aparece para “salvar o dia” com as suas reflexões sobre a arte e a vida.
Se em vida Oliveira não nos elevou com os filmes que ia fazendo, veloz e ferozmente, então agora eleva uma nação narcotizada pelas imbecilidades mediáticas graças à notícia da sua saída de cena. Esta é a prova de que a presença de Oliveira pode continuar a operar sobre nós – guiando-nos no sentido inverso à mediocridade dominante – a partir de um fora de campo reservado aos maiores espíritos. Dizem que ele fazia filmes lentos – e sim, no ritmo com que levamos as nossas vidas, ele era lento, gérmen do entretanto instituído slow cinema – , mas talvez tenha sido dos mais velozes cineastas a ultrapassarem o seu tempo. Foi piloto de automóveis durante a sua juventude, como muitos lembraram nestes dias. Parece paradoxal à primeira vista que o homem conhecido por fazer filmes lentos tenha sido um amante das velocidades. Mas ele foi alguém que nunca perdeu a energia, atrevimento e vivacidade dos seus verdes anos. De facto, não há paradoxo nenhum aqui. Se num “filme aceleracionista” como é The Fast and The Furious os carros correm mas nada se fixa ou nada fixam, jogando-se sob uma economia da acumulação, da destruição criativa e da saturação (saturante?) de efeitos e personagens ou de personagens como efeitos e efeitos como personagens, em Oliveira a velocidade tinha outro “peso” e outra natureza. Ele ultrapassava os seus tempos, agilmente, para mostrar como a depuração das formas era, muitas vezes, o caminho mais rápido para trair as nossas primeiras (e primárias) tentações. E, por isso mesmo, era heróica a sua resistência.
Naquela sessão lotada do Campo Pequeno, assisti a Furious 7 com uma plateia irrequieta (tão ou mais indisciplinada que a do Grand Café dos Lumière) que só sossegou depois de ser “abafada” pelo ruído dos sons-imagens. É preciso perceber: hoje o cinema compete com a hiperactividade e endémico déficit de atenção do auditório contemporâneo, caracterizado com acutilância pelo amante de velocidades Jeremy Clarkson na citação que pus em epígrafe. Soa a con-formismo ou mesmo a desistência ser-se veloz e furioso no grande ecrã para competir com a velocidade e ferocidade de outros ecrãs, o que significa também competir com os ritmos das presentes formas de sociabilidade – em certo sentido, temos cada vez menos cineastas, conceito inventado por Louis Delluc nos anos 20, e mais “ecranistas”, conceito igualmente antigo criado por Ricciotto Canudo, que usaria para falar de realizadores detidos pelo fluxo informativo que circula “ecrã a ecrã”. Filmes como os sete Furious surgem como emblemas desta cobardia estética e plástica: uma desistência perante as exigências de um público mimado por mais e mais injecções cavalares de informação audiovisual convulsa e descartável. E desistir é, aqui, uma forma de deixar de existir; desaparecer no magma de uma acção devoradora, em auto-combustão. No fim, é difícil discernir uma imagem – salve-se aqui e ali Wan, na sua tarefa ingrata – ou um sentimento – a montagem final de Furious 7, estilo fanvid in memoriam, parece que mendiga por esse sentimento que se fixe… mas é muito difícil, os nossos olhos estão demasiado cansados para chorar (já não temos lágrimas para chorar e desaprendemos a ver, diagnosticava Godard no episódio 3A de Histoire(s) du cinéma). Eis uma nova montagem das atracções ultra-turbinada (produção hipertrófica de sensações e choques) para “fdp” – ou uma nova aceleração acéfala daquilo que Bordwell define como continuidade intensificada. Por tudo isto e apesar de Wan, falta fazer um Fast and Furious que pense a lentidão, que pense velho, que pense Oliveira. Que pense.