O complexo de superioridade dos britânicos é tão complexo que engloba as várias vozes que o criticam e/ou ridicularizam. Sente-se nas várias paródias ao chá como lubrificante de qualquer actividade diária (positiva ou negativa), às boas maneiras empertigadas, à reverência pela família real, à certeza absoluta de que a Inglaterra vai ganhar o próximo Mundial (e o seguinte e o depois desse) um certo apego a essas mesmas características, uma saudade (pois estão em perigo constante de desaparecerem), até uma espécie de validação. Tanto nos sketches cáusticos dos Monty Python como nos furiosos “no future” de Johnny Rotten. Queen and Country (Pela Rainha, 2014) é só mais um exemplo dessa esquizofrenia.
Ainda que repudie os piores vícios da britishness – representados (ou hiperbolizados) nos absurdos da rigidez da instituição militar -, John Boorman, argumentista e realizador do filme (muito pouco veladamente autobiográfico), traça uma linha divisória entre a velha geração que fez a Segunda Guerra Mundial e é a epítome dos valores britânicos e a nova que chegou à idade adulta nos anos 50 (a dos angry young men) e os vem por em causa. Essa divisão consuma-se com a morte do Rei George VI (o gago de The King’s Speech (O Discurso do Rei, 2010)] e a coroação da segunda Rainha Elizabeth em 1953. Nesse sentido, o jovem Billy Rowan (o alter-ego de Boorman) é mais “pela rainha” (os novos tempos) do que “pelo país” (os velhos), representado o primeiro grande abalo às convenções classistas – embora perca a batalha pelo coração da jovem posh que o obceca, Rowan/Boorman, o realizador, ganharia a guerra da ascensão social. Só que o espectador sabe, vidente a posteriori, que ser pela rainha posta não será muito diferente de ter sido pelo rei morto.
No fundo, Queen and Country é uma comédia ligeira, bem sucedida no alinhamento a outra velha tradição britânica: a do humor negro.
Queen and Country é a sequela de Hope and Glory (Esperança e Glória, 1987), no qual John Boorman filmou as suas memórias de infância durante os anos dos bombardeamentos na Segunda Guerra Mundial. Neste tomo, a guerra, a da Coreia, é menos devastadora e muito menos “close to home”, os únicos ecos de mortalidade surgem na cena no hospital lá mais para o fim. Rowan/Boorman, apesar de alistado compulsivamente no exército, nunca sai de território inglês, vendo-se confinado a uma tarefa inconsequente – ensinar dactilografia a soldados – e à mercê da loucura incontida de alguns oficiais e da indiferença de outros. Pegando nas inúmeras referências cinéfilas espalhadas pelo filme (únicos prenúncios do destino da personagem principal), o ambiente faz lembrar o de From Here to Eternity (Até à Eternidade, 1953), em que Rowan/Boorman toma o lugar de Montgomery Clift e o seu companheiro Percy [interpretado com uma intensidade desajustada pelo norte-americano Caleb Landry Jones, o “vampiro” de Heaven Knows What (2014) dos irmãos Safdie)] o de Frank Sinatra.
Um From Here to Eternity sem mortes nem tragédias (há uma personagem trágica, a do estupendo David Thewlis, mas é sobretudo motivo de risos), no qual os grandes momentos de acção andam à roda do roubo de um relógio. No fundo, Queen and Country, como já era Hope and Glory, é uma comédia ligeira, bem sucedida no alinhamento a outra velha tradição britânica: a do humor negro. E, seguindo a tradicional linhagem do cinema de Sua Majestade (a Rainha), vive muito do texto e dos actores (em geral, muito bons) em detrimento de quaisquer qualidades de realização (à excepção de um ou outro tique irritante, funcional).