Prossegue a cobertura À pala de Walsh do IndieLisboa, com cápsulas de Ricardo Gross e João Lameira.
Sivas (2014) de Kaan Mujdeci
Nos primeiros momentos, Sivas faz recordar Aniki-Bobó (1942) de Manoel de Oliveira. O miúdo protagonista é posto de parte da encenação escolar de Branca de Neve e os Sete Anões, ou melhor, fica de fora do casal principal – o príncipe e a dita Branca -, papéis que cabem à rapariga de quem gosta e a um amigo, cabendo-lhe a ele o de um dos anões titulares. Segue-se um ataque de ciúmes gigantesco no meio de uma aldeia turca pobre, onde toda a gente se tenta desenrascar. Kiarostami, com isto, faria maravilhas. Mujdeci, nem por isso. Às tantas, cansado de não ser o iraniano, dá uma guinada no seu filme, que se transforma na história de amizade de um miúdo pelo seu cão de luta, de nome Sivas. A mudança de direcção revela falta de mão (ou decisão) do realizador, que parece estar a apalpar terreno, mais do que a ser levado pelas circunstâncias (da vida, do cinema), como costuma acontecer a Kiarostami. Mas, em consonância com a restante competição, não deixa de ser um filme simpático. (JL)
Sivas (Competição Internacional) voltará a ser exibido dia 1 (hoje), às 22h00, no Cinema Ideal.
Ming of Harlem: Twenty Storeys in the Air (2014) de Phillip Warnell
A história de um homem que mantinha um tigre e uma jacaré no seu apartamento no Harlem, tendo sido mordido pelo felino a dada altura (escapando miraculosamente), é sumarenta o suficiente. Phillip Warnell filma o seu “protagonista”, Antoine Yates, a passear de carro pelo seu bairro, enquanto conta como e porquê acabou por ser preso e afastado dos seus animais. Embora seja uma pessoa claramente ingénua e/ou iludida, Warnell não o disseca como Werner Herzog fez a Timothy Treadwell em Grizzly Man (2005). Antes, olha-o compassivamente. Contudo, toda esta parte de Ming of Harlem é pouco mais do que uma desculpa para a outra, em que o cineasta realiza o seu pedaço de cinema atmosférico (acompanhado pela música Hildur Guðnadóttir), na reconstrução do apartamento de Yates, na recriação das andanças do tigre Ming para cá e para lá e da pasmaceira da vida do jacaré, que não é de se mexer muito. Ming of Harlem não é ficção, nem documentário (nem aquilo a que se chama híbrido), é provavelmente a obra mais abstracta da competição. E vive de e por isso. (JL)
Ming of Harlem: Twenty Storeys in the Air (Competição Internacional) não terá nova exibição.
Uma Rapariga da Sua Idade (2014) de Márcio Laranjeira
Parte significativa dos filmes nesta edição do IndieLisboa são ficções ancoradas em situações reais. A realidade ajuda a atenuar o lado mais construído da ficção, que por sua vez cria um enfoque dramático que visa prender a atenção. Primeiro mandamento: não basta ser ficção do real para garantir o que quer que seja quanto ao resultado final. Também no cinema os prognósticos devem guardar-se para os momentos (os dias) que se seguem a cada projecção. Uma Rapariga da Sua Idade é um projecto partilhado por Márcio Laranjeira (argumento, realização) e Mariana Sampaio (argumento, interpretação). Podemos dividi-lo em duas partes, a primeira que se desenrola em Lisboa parece destinada a dar conta das angústias da geração a que pertence a protagonista, que mais tarde funcionará como cicerone do namorado, regressado de Nova Iorque para passar com ela alguns dias festivos em Viana do Castelo. O filme pode encontrar resistências da parte que quem está fora da geração daquelas personagens. Reconhecendo que para outro tipo de público o factor de reconhecimento possa ser o oposto, objectivamente Márcio Laranjeira tende para a criação de imagens bonitas (entre o grafismo de catálogo e a poética do videoclip) e a permeabilidade aos desabafos diarísticos da protagonista, acompanhados de música decorativa, contribuem ainda para que o superficial impere sobre o conteúdo. Um caso de quero, pose e filmo, como tantos outros. (RG)
Uma Rapariga da Sua Idade (Competição Nacional) passa novamente dia 1 (hoje), às 14h30, na Culturgest.
Christmas, Again (2014) de Charles Poekel
Mais do que de cinema independente norte-americano, pode começar-se a falar de um certo cinema nova-iorquino, vagamente hipster, vagamente mumblecore, que se destaca pela cuidadosa construção do argumento, pela simplicidade das filmagens e, sobretudo, pela partilha do omnipresente director de fotografia Sean Patrick Williams (não admira, pois, que os filmes se assemelhem tanto uns aos outros). Não sirva esta introdução para desmerecer as qualidades de Charles Poekel: a subtileza, a economia narrativa, o não-dito, a direcção de actores. Pode acusar-se Christmas, Again de ser demasiado feel good (o negrume dissipa-se muito depressa). No entanto, é um filme de Natal, em todas as acepções. Ficam-lhe bem a ternura, a esperança, a gratidão. Ninguém se faria rogado com uma prenda assim. (JL)
Christmas, Again (Competição Internacional) terá nova exibição dia 2 (sábado), às 18h00, no Cinema Ideal.
Melbourne (2014) de Nima Javidi
Parece claro que Nima Javidi quis fazer o seu Jodaeiye Nader az Simin (Uma Separação, 2011). Até o actor principal, Peyman Moaadi, é o mesmo. Só que, se Asghar Farhadi sabia criar tensão dentro do próprio casamento e da sociedade iraniana (entre ricos e pobres), Javidi usa uma premissa forçadíssima (não revelarei qual), de que jamais consegue tirar todo o proveito. Este tipo de filmes, que vive muito do espaço fechado, da escalada de violência física e verbal, da claustrofobia moral das personagens, quando falha, deixa à mostra a “máquina”, os truques do realizador: o constante soar dos toques de telemóveis; a entrada e saída de cena de incontáveis personagens (explicada pelo enredo, mas demasiado conveniente); as decisões de uma estupidez ao nível do pior slasher. Safa-se o final in/feliz. No entanto, este cai um bocado no saco roto que é o resto do filme. (JL)
Melbourne (Competição Internacional) será reexibido dia 1 (hoje), às 18h00, no Cinema Ideal.