O revivalismo não é novidade, no cinema ou em outra arte qualquer. Deve-se sobretudo à nostalgia pelos anos 70 e 80, época dourada dos primeiros blockbusters e dos filmes de acção duros e incisivos (que não eram necessariamente os mesmos), tempo de infância e adolescência dos espectadores mais ansiosos por esta estreia, a resistência dos franchises antigos, os Star Wars e os Mad Max. Mas, numa aparente contradição, os ditos apenas têm luz verde dos estúdios devido à certeza da conquista dos espectadores mais novos, o público alvo de todas as grandes produções. Deste modo, Mad Max: Fury Road (Mad Max: Estrada da Fúria, 2015) vive num limbo entre cinema de acção à antiga e a sanitarização audiovisual dos nossos dias (para que a classificação etária não suba acima dos 13 anos), entre a sequela e o reboot.
Se Mad Max: Fury Road recupera a veia mais ingénua (ou mais genuína) dos filmes de acção de antigamente, sem as excrescências habituais nos de hoje (a psicologia, o “realismo”, a sisudez), tem um ritmo diferente desses. Apesar de passado quase unicamente na estrada, com muitos e variados veículos, lembra um comboio desenfreado e imparável. Perseguidos e perseguidores como que participam de comum acordo numa caravana circense (nem falta o acompanhante musical), só pelo prazer de a ver andar. Não há tempo para nada sem ser a própria locomoção. Os flashbacks são cortados a meio (mais flashes do que backs), as personagens mantêm-se constantes, inalteradas e inalteráveis – apenas uma muda, sem haver grande justificação para tal (o amor ou assim) -, os curtos momentos de silêncios acabam sempre no embaraço, como se já ninguém se lembrasse do que fazer com eles.
Mad Max: Fury Road vive num limbo entre cinema de acção à antiga e a sanitarização audiovisual dos nossos dias, entre a sequela e o reboot.
Este frenesi é, simultaneamente, a maior qualidade e o maior defeito de Fury Road. Por um lado, é refrescante ver um filme levar-se tão pouco a sério, tão pouco preocupado com a narrativa (esquemática e essencial), completamente deslumbrado pelas possibilidades cinéticas do cinema. Por outro, falta-lhe uma certa respiração a que o espectador nascido nas décadas de 70 e 80 se habituou. Tome-se como exemplo Runaway Train (Comboio em Fuga, 1985) do russo Andrey Konchalovskiy (comparação validada pela minha anterior analogia locomotora), uma obra-prima do cinema de acção dos anos 80 e demonstrativa das qualidades do mesmo. Dentro do destrambelhamento desse comboio avassalador, havia tempo para construir personagens sólidas (a interpretação de Jon Voight é memorável), um ambiente quase hipnótico, rigoroso e geométrico. Em Fury Road, pese embora algum engenho dramático (uma elipse inteligente lá pelo meio), há pouco tempo livre para sequer entrar em contacto com as personagens. Por exemplo, os “maus da fita”, verdadeira galeria de freaks, que mal são apresentados. Ou os protagonistas: Tom Hardy é uma boca bem desenhada e monossilábica a substituir a “ausência” de Mel Gibson; Charlize Theron, um braço a menos e um cinismo obviamente falso; Nicholas Hoult, um joguete das necessidades dos argumentistas. Já as esposas-parideiras parecem saídas da passarela mais próxima ou da última capa de revista. Ressalve-se que estas últimas provocam um dos muitos momentos de humor do filme (mais um ponto a seu favor) mas tanta beleza e salubridade num cenário pós-apocalíptico é, se mais nada, deslocada.
É cinema, é verdade. Num filme em que tudo é superfície – os temas da maternidade e do extremismo fanático, escarrapachados no ecrã; as razões das personagens, enunciadas nos diálogos – sabe a renúncia. O cinema de acção dos anos 80 já não cabe nestes tempos, em que a violência fica fora de câmara (não se percebendo às vezes o destino final de algumas personagens) e a nudez é coberta pela pós-produção.