• Homepage
    • Quem Somos
    • Colaboradores
  • Dossier
    • Raoul Walsh, Herói Esquecido
    • Os Filhos de Bénard
    • Na Presença dos Palhaços
    • E elas criaram cinema
    • Hollywood Clássica: Outros Heróis
    • Godard, Livro Aberto
    • 5 Sentidos (+ 1)
    • Amizade (com Estado da Arte)
    • Fotograma, Meu Amor
    • Diálogos (com Estado da Arte)
    • 10 anos, 10 filmes
  • Críticas
    • Cinema em Casa
    • Em Sala
    • Noutras Salas
    • Raridades
    • Recuperados
    • Sem Sala
  • Em Foco
    • Comprimidos Cinéfilos
    • Divulgação
    • In Memoriam
    • Melhores do Ano
    • Palatorium Walshiano
    • Passatempos
    • Recortes do Cinema
  • Crónicas
    • Entre o granito e o arco-íris
    • Filmes nas aulas, filmes nas mãos
    • Nos Confins do Cinema
    • Recordações da casa de Alpendre
    • Week-End
    • Arquivo
      • Civic TV
      • Constelações Fílmicas
      • Contos do Arquivo
      • Do álbum que me coube em sorte
      • Ecstasy of Gold
      • Em Série
      • «Entre Parêntesis»
      • Ficheiros Secretos do Cinema Português
      • Filmado Tangente
      • I WISH I HAD SOMEONE ELSE’S FACE
      • O Movimento Perpétuo
      • Raccords do Algoritmo
      • Ramalhetes
      • Retratos de Projecção
      • Se Confinado Um Espectador
      • Simulacros
      • Sometimes I Wish We Were an Eagle
  • Contra-campo
    • Body Double
    • Caderneta de Cromos
    • Conversas à Pala
    • Crítica Epistolar
    • Estados Gerais
    • Filme Falado
    • Filmes Fetiche
    • Sopa de Planos
    • Steal a Still
    • Vai~e~Vem
    • Arquivo
      • Actualidades
      • Estado da Arte
      • Cadáver Esquisito
  • Entrevistas
  • Festivais
    • Córtex
    • Curtas Vila do Conde
    • DocLisboa
    • Doc’s Kingdom
    • FEST
    • Festa do Cinema Chinês
    • FESTin
    • Festival de Cinema Argentino
    • Frames Portuguese Film Festival
    • Harvard na Gulbenkian
    • IndieLisboa
    • LEFFEST
    • MONSTRA
    • MOTELx
    • New Horizons
    • Olhares do Mediterrâneo – Cinema no Feminino
    • Panorama
    • Porto/Post/Doc
    • QueerLisboa
  • Acção!
À pala de Walsh
Constelações Fílmicas, Crónicas 1

Os Verdes Anos: A valsa do adeus

De Luiz Soares Júnior · Em 24 de Junho, 2015

“Na vida tardia, vemos as coisas sob um prisma pragmático, compartilhado por nossos contemporâneos; mas a adolescência é o único lugar onde realmente aprendemos alguma coisa” – Marcel Proust in À sombra das raparigas em flor

“Enfin, si tu détruis/ Que ce soit avec des outils/ Nuptiaux” – René Char

Os Verdes Anos (1963) é um poema elegíaco sobre um espaço impossível: o da reconciliação amorosa, do Era uma vez prometido e enfim realizado. Como L’Eclisse (O Eclipse, 1962), Hiroshima mon amour (Hiroshima, Meu Amor, 1959), o casal de Os Verdes Anos se extravia, se busca e volta a perder-se, e no itinerário desta flânerie eterna afirma-se uma estranha forma de resistência ao futuro – onde nem eu nem tu existiremos, onde os sonhos irrealizados voltarão para nos assombrar, onde tudo será fantasma e equívoco. Ao matar a noiva, Júlio eterniza o instante grato, a plenitude que a duração fatalmente castraria, e lhe oferece uma prova de amor em negativo: hic et nunc.

4

Mas é no movimento centrífugo que o filme se constrói, é encaminhando-se para um desiludido futuro e para a espada de Dâmocles do pretérito que ele delineia sua trajetória; nestas vistas gerais e planos médios, é a Cidade que os contempla afastar-se, reunir-se brevemente numa alameda, e finalmente perder-se na profundidade de campo do mundo indiferente. Cada sequência do filme consiste na exploração ativa de um cenário, tentativa de integração ou desvelamento da pedra e da viração em um conjunto significativo, onde o afeto possa materializar-se, inscrever-se como aqueles graffiti agonísticos que foi tudo o que nos deixaram os habitantes de Pompéia; mas Rocha, embora trabalhe com um dispositivo clássico (o espaço, em todas as suas manifestações), é um modernista: o círculo jamais vai se completar, a errância e o fragmento permanecerão erráticos e fragmentários; as vinhetas de encontros esporádicos e gestos recalcitrantes de Os Verdes Anos deixam-nos sempre pelo meio do caminho, e a quota maior de presença com que seus personagens nos presenteiam resumem-se a estes gestos magníficos e avaros de completude, que só o fora de campo da memória e do imaginário podem quimericamente prolongar: as mãos que se lançam para pegar a blusa sobre o rio, os lances “elípticos” da briga com o tio no bar, os devires flutuantes dos intermináveis passeios – onde a Cidade, em um e outro movimento, se deixa incrustar figurativamente pelas bordas do quadro e pelas hesitações do casal…

3

A Cidade é que os vê passar, modulando o Bildungsroman citadino de Júlio em um mosaico de gestos únicos, que não chegam a lugar nenhum, mas que destilam um mundo contemplado pela primeira vez; é justamente pela sua incompletude que se tornam inolvidáveis, e saturam a memória como um luto de que não ouso dizer o nome: ao permanecerem fragmentários e erráticos, não se deixam eclipsar pelos fins, e traduzem com percuciência a intuição de Oliveira, segundo a qual o “cinema é uma série de signos magníficos, saturados pela luz de sua ausência de explicação”; e Deus sabe o quanto esta talvez seja uma arte onde a superfície dos gestos acaba por escavar uma profundidade imaginária, de que o espectador é a foz, mas também o celebrante de um rito misteriosamente dúbio, entre a carne entrevista na tela e o cache espectral que a corteja (corrói?)… Os Verdes Anos acaricia esta possível Canaã, mas apenas para vê-la desvencilhar-se da carícia com uma insolência malsã: que a Cidade venha um dia a acolher seus habitantes frágeis e virgens de experiência, que o amor se estabilize e frutifique, que os caminhos se reconheçam numa iniludível reta… mas se a ilusão utópica do reconhecimento e da reconciliação são o alimento almejado, o que nos é dado a ver é um patchwork de extravios e nômades gestos, um entrecruzamento de lances, um devir que jamais chega a conhecer sua própria Origem e cortejar seu Fim. Os Verdes Anos é um filme que não narra, mas descreve esta impossível quête pelo Paraíso perdido da intimidade cariciosa e da Cidade reconquistada; pois os cenários da Cidade e os gestos dos enamorados nunca se ajustam ou acumpliciam exatamente: a Cidade é grande demais para acolher momentos o romanesco casual que se infiltra em suas alamedas; a sua temporalidade de vilegiatura e crônica hebdomadária jamais chegará a abraçar, em seu arcabouço amplo e ressoante, os élans tímidos dos enamorados. Os Verdes Anos, pelo uso do décor vastamente sempiterno e pela duração demasiada das sequências, é o filme do décalage, da impossível subordinação da subjetividade ao meio: Nogli me tangere. Daí a errância como método fenomenológico de realizar um estudo de caracteres: estes jamais vão se achar, sob nenhum instante ou circunstância chez soi…

1

Como em Zurlini e Antonioni, a arquitetura (devidamente modulada pela luz, herança expressionista jamais totalmente exorcizada) é um índex de alienação entre o homem e sua situação no plano: entre o que o cerca, entre os homens e as mulheres, entre o virtual aceno e o atual desencontro…se a onipresença da bela valsa do adeus que lhe dá o nome e a flânerie ensimesmada pela Lisboa ensolarada nos sugerem um diapasão lírico para a alienação, talvez seja melhor vermos aí um espinho de ironia trágica, que a história só virá confirmar. Os passos, os olhares, as mãos, tudo ultrapassa ou se estende para além do cenário onde se passa; os gestos são tíbios e desarticulados- nunca à altura e na devida textura da imensidão onde se desenrolam… mesmo quando estritamente privados, se entrechocam contra a impossibilidade de existir plenamente, e soçobram em seu próprio vácuo: a dança do casal, carcomida pelo chiaroscuro da sala: mal se vêem, e talvez enlacem outros corpos. Ou Isabel Ruth, travestindo-se de patroa para o namorado, no quarto da patroa: em um momento de mortificação, ela finalmente se vê ao espelho, e a frontalidade vira um catalisador de Revelação; jamais sua pessoa vai coincidir, ajustar-se ou estreitar-se de forma justa àquelas roupas, àquela casa senhorial, jamais chegarão lá (nem em si mesmos; mas a inadequação existencial precisa sempre, no grande cinema, aparecer na matéria, ou entre as matérias, no interstício de sua colisão ou no intervalo de sua cadência: brusca elipse do contracampo, faux-raccord).Filme do pretérito imperfeito- este, que nunca cessa de refluir e extravasar sua insuturável chaga, e retorna caudaloso sobre nossas cabeças; mas também do futuro do pretérito: este futuro que nunca advirá propriamente, pois não hauriu as forças devidas ( no devido tempo presente) para seguir pujante, e emaranhou-se definitivamente nas cavidades do passado. Filme ferido de morte pelo ainda-não e pelo Nunca-mais, Os Verdes Anos é uma égloga urbana- pois o espaço com que dialogam os personagens (e églogas são recitativos com a paisagem) é um espaço exilado, antonioniano, impossivelmente on, alienado de seus fins, condenado ao esquadrinhamento contínuo e regular de suas divisas; e estas consistem numa rotação circular, agrilhoada à motricidade de seu próprio eixo. Se as sequências não se escalonam com precisão matemática, se tudo se evanesce episodicamente, se a vinheta aqui é o leitmotif, é porque o destino desses jovens é buscar-se para ainda mais lancinantemente perder-se; e o filme com eles, no seu rastro arfante e desconsolado. Poucos filmes conseguiram exprimir, por meios geométrica e arquiteturalmente límpidos (fulgurância do plano-esquadro!) as agruras do Angst que consiste em habitar um lugar que jamais será seu, encontrar alguém fugidiamente e perdê-lo na próxima alameda: a existência em Os Verdes Anos é o melancólico refúgio de exilados, que habitam sempre circuitos intermitentes, descontínuos, intersticiais; nunca plenamente ali (Da-sein), jamais totalmente presentes. Grande parte da impressão memorável que o filme suscita consiste em evocar por intercessão do uso de técnicas tão solidamente carnais, de entalhadura clássica (o espaço, o plano sequência) vivências que estão destinadas a permanecerem no limiar fenomenológico e existencial da vida.

2

Na bela sequência final, as andanças de Júlio e Ilda conhecem finalmente um termo: a fixidez iconográfica deste découpage bressoniano (o efeito antes da causa), onde o homem se encontra literalmente encurralado pelos carros na avenida. Se até então acessáramos o corpo plano e frontal dos personagens, agora o que nos resta são estes fulgurantes e inteiriçados planos (o garçon, a vitrine do bar, a faca) onde deságuam a alienação, o desespero, a errância acumulados ao longo dos elegíacos 90 minutos: a Primeira vez, a última… nesta hemiplegia do plano enfim fixado pelo trauma do crime, o refoulé do desamparo que percorrera Os Verdes Anos como o seu basso contínuo secreto, se ativa, e refigura o mundo de outrora em um presente cristalizado pelo hieratismo trágico: a Primeira e a última vez.

Partilhar isto:

  • Twitter
  • Facebook
Alain ResnaisMichelangelo AntonioniPaulo RochaRobert BressonValerio Zurlini

Luiz Soares Júnior

Artigos relacionados

  • Crónicas

    Apocalypse Now: as portas da percepção

  • Crónicas

    A medida das coisas

  • Crónicas

    O sol a sombra a cal

1 Comentário

  • Estados Gerais: “O cinema em Portugal é uma arte burguesa, para não dizer aristocrática” | À pala de Walsh diz: 17 de Abril, 2018 em 17:48

    […] é filmado exactamente no mesmo espaço, e nada no filme te remete para Os Verdes Anos (1963) [1] [2] [3]. Ou vês o Black and White (2000) do [Daniel] Blaufuks e também não tem nada que ver. A […]

    Inicie a sessão para responder
  • Deixe uma resposta

    Tem de iniciar a sessão para publicar um comentário.

    Últimas

    • “Time to Love”: amor, um caminho interior

      31 de Janeiro, 2023
    • Apocalypse Now: as portas da percepção

      30 de Janeiro, 2023
    • A medida das coisas

      26 de Janeiro, 2023
    • “Saute ma ville”, “La Chambre” e “Portrait d’une paresseuse”: a casa-retrato de Chantal Akerman

      25 de Janeiro, 2023
    • “Terrifier 2”: ‘gore, gore, gore’

      24 de Janeiro, 2023
    • O sol a sombra a cal

      23 de Janeiro, 2023
    • “Ar Condicionado”: a potência do incerto

      18 de Janeiro, 2023
    • “The Bad and the Beautiful”: sob o feitiço de Hollywood, sobre o feitiço de Hollywood 

      17 de Janeiro, 2023
    • Três curtas portuguesas à porta dos Oscars

      16 de Janeiro, 2023
    • “Barbarian”: quando o terror é, afinal, uma sátira contemporânea

      13 de Janeiro, 2023
    • “Frágil”: apontamentos sobre o cinema da amizade

      11 de Janeiro, 2023
    • “Broker”: ‘babylifters’

      10 de Janeiro, 2023
    • Vamos ouvir mais uma vez: está tudo bem (só que não)

      9 de Janeiro, 2023
    • “Vendredi soir”: febre de sexta-feira à noite

      5 de Janeiro, 2023
    • “The Fabelmans”: ‘in the end… you got the girl’ 

      3 de Janeiro, 2023
    • Quem Somos
    • Colaboradores
    • Newsletter

    À Pala de Walsh

    No À pala de Walsh, cometemos a imprudência dos que esculpem sobre teatro e pintam sobre literatura. Escrevemos sobre cinema.

    Críticas a filmes, crónicas, entrevistas e (outras) brincadeiras cinéfilas.

    apaladewalsh@gmail.com

    Últimas

    • “Time to Love”: amor, um caminho interior

      31 de Janeiro, 2023
    • Apocalypse Now: as portas da percepção

      30 de Janeiro, 2023
    • A medida das coisas

      26 de Janeiro, 2023
    • “Saute ma ville”, “La Chambre” e “Portrait d’une paresseuse”: a casa-retrato de Chantal Akerman

      25 de Janeiro, 2023
    • “Terrifier 2”: ‘gore, gore, gore’

      24 de Janeiro, 2023

    Etiquetas

    1970's 2010's 2020's Alfred Hitchcock François Truffaut Fritz Lang Jean-Luc Godard John Ford João Bénard da Costa Manoel de Oliveira Martin Scorsese Orson Welles Pedro Costa Robert Bresson

    Categorias

    Arquivo

    Pesquisar

    © 2021 À pala de Walsh. Todos os direitos reservados.