Aviso que esta crónica lhe pode cair mal. O que aqui escrevo resulta do exercício de uma opinião, que é minha, que apenas a mim me vincula. Estarei muitas vezes na vertigem das sempre perigosas generalizações, que decerto levarão alguns leitores a verem preconceitos onde eu vejo opiniões sustentadas ou, no limite, sustentáveis. A estreia de Wayward Pines (2015-), que se deu no passado dia 14 de Maio no canal FOX, despertou-me uma velha convicção no que diz respeito à relação entre cinema e séries de televisão, em torno daquele saturante lugar-comum que dita que “as séries estão [ou, também já ouvi, são] melhores do que os filmes”. Esta é uma frase que venho ouvindo em todo o lado, mesmo junto de amigos cinéfilos, sensivelmente desde que eclodiram as febres 24 (2001-2010) e Lost (2004-2010). Não só as séries não estão melhores do que os filmes como, na realidade, o regime de produção destas é, a priori, incompatível com uma ideia artística evoluída. O piloto de M. Night Shyamalan para aquela série foi anunciado com pompa e circunstância, até porque se tratava de uma estreia orquestrada a nível internacional. Esta amostragem prova as forças e fraquezas do meu argumento. Mas como a minha saturação em relação a essa ideia-feita quase fascizante já ultrapassa todos os limites, opto por acentuar nesta crónica Civic TV o pólo negativo da argumentação.
As séries chamam-se séries, isto é, são produtos que anseiam pela sua própria reprodução em cadeia. Têm, desde logo, uma dimensão descartável, de consumo rápido, que garante em continuum uma satisfação mínima ao consumidor. É essa satisfação que garante atracção de investimento publicitário e, com isso, a própria continuidade da sua reprodutibilidade. Enquanto um filme é, por norma, um objecto fechado, o episódio da série é uma peça de uma maquinaria da qual se desconhece o alcance da sua actividade. Não sabemos quem ao certo realiza o próximo número da história, nem sabemos ao certo se essa história caminha para um fim, já que tudo depende do tal investimento ponderado sobre estudos de audiência, dia a dia ou semana a semana. As séries regem-se pela lógica mais mercantil da televisão. E o excesso de mercantilismo sufoca a criatividade e as jogadas de risco. Se vemos como isso é verdade na história do cinema, porque fingimos que não é assim com as séries?
As séries são também o cúmulo da lógica daqueles que vêem o cinema como arte de desbobinar histórias. Como se um grande filme se decidisse na escrita do argumento, como se a essência do cinema fosse montagem de texto e não montagem de imagens. São muitos os exemplos na história do cinema que provam como o argumento é um elemento pouco determinante do que é ou não um bom filme. Já que celebramos o centenário Orson Welles, dou um exemplo da sua lavra. Sabe-se como um naco de literatura de cordel fez de Lady From Shanghai (A Dama de Xangai, 1947) não um símbolo da sua história mas um símbolo de uma certa maneira de documentar o mundo das personagens, nos seus gestos, movimentos e ocupação no quadro. Ninguém consegue lembrar-se ou compreender bem o nexus da história do filme – Welles era o primeira a não ter interesse nela, ao ponto de se contar que, para este filme, o realizador de Citizen Kane (O Mundo a Seus Pés, 1941) escolheu adaptar o primeiro livro de aeroporto que encontrou sem sequer o ter lido. Toda a gente, contudo, recorda a sequência dos espelhos ou os cabelos pintados de louro de Rita Hayworth ou o tempestuoso romance com Orson Welles – na altura os dois rompiam um com o outro fora do filme, neste lado da vida. O texto era um pretexto para o cinema, arte da luz, da sombra, da violência dos corpos e da paisagem que os deseja.
No seu livro Século Passado, que compila vários textos críticos de cinema que escreveu para revistas e jornais, Jorge Silva Melo põe as coisas à sua maneira, isto é, brilhantemente. A propósito de Lady From Shanghai escreve: “Quase todos os parvos querem um cinema assim, máquina de salsichar histórias”. Mais à frente, enquadra esta ideia com o gestus fundamental do cinema de Welles: “O que interessa Welles não é a ‘história’, mas o movimento”. Pois bem, o que as séries nos propõem é o sequestro das imagens pelo “reinado do terror” da história. Os parvos estão contentes: a narratividade é agora puramente textual, regressamos à Tradição da Qualidade que tanto o cinema moderno combateu e celebramos, com isso, o retrocesso. O salsichamento nunca foi, ao mesmo tempo, tão eficaz. As histórias estão bem condimentadas para que, de salsicha em salsicha, o espectador se esqueça de que não está, de facto, a comer “carne de verdade”. Wayward Pines é só mais um exemplo disto, mas o problema não está nesta série; está, na realidade, na própria natureza intrínseca ao formato série. A mensagem é, de facto, o meio. A serialidade obriga à ditadura da história como anedota interminável, mas também à subordinação de todos os princípios estéticos à lógica quantitativa do doseamento. Cada episódio vai oferecer revelações na dose certa – nem de mais, nem de menos – para que o espectador mantenha o interesse, mesmo que o parvo esteja só a comer salsichas de lata. Por tudo isto, e sem pestanejar, oponho a melhor série em antena ao pior filme em cartaz.
A serem semelhantes aos filmes, as séries são um cinema corrompido no seu ADN, prostituído na sua essência.
Só o simples facto de Shyamalan, enquanto produtor executivo e realizador, abdicar de um maior arrojo da sua realização seria suficiente para desconfiarmos, mas o que dizer dos, hoje naturais em televisão, fades para negro que interrompem sistematicamente a narração, para abrir espaço à sacrossanta publicidade? São uma completa aberração. Sendo assim, por que raio aplaudimos o facto de no mundo das séries ser preciso salsichar histórias para vender salsichas nos intervalos ou vice-versa? Por outro lado, a concentração anedótica num episódio de série é, por norma, perto de intolerável em cinema. Em Wayward Pines a narrativa é um somátorio simples de dados sobre as personagens, mas, até ver (e já vamos no quarto episódio no canal FOX), não há sinal de que haja – da parte de quem? Não sei bem – um verdadeiro interesse pelo universo interior das personagens. Isso não seria grave se a mecânica da história fosse outra, isto é, se esta não fosse… tão maquinal.
O piloto é a própria assunção na série da lógica publicitária-mercantil que preside, quase absolutista, à sua produção. Sem vergonha, o piloto propõe-se “vender” os episódios que se seguem. Em Wayward Pines recebemos uma série de informação de contexto, tais como proveniência e conflitos passados do protagonista, mas nos episódios seguintes pouco mais se faz do que confirmar suspeições, administrando o drama a conta-gotas – a seguir ao piloto vem o “piloto automático”. O mecanismo é perverso: provoca-se a entrada num universo, para depois, uma vez “paga a admissão”, se oferecer a mastigação lenta do já visto. A satisfação com o piloto deve ser máxima – ainda há aqui margem para alguma liberdade, logo, para algum risco formal que cative -, já no episódio deve restar sempre aquela ponta de sede que nos faça querer beber mais um pouco. Geram-se, assim, “objectos ao meio”, que nem desiludem nem espantam, ou seja, os episódios das séries são objectos formal e substancialmente indiferentes que produzem uma controlada indiferença induzida no espectador para que ele queira ver mais, sem nunca ficar totalmente satisfeito ou saciado – isso “fecharia” o que se quer “aberto”. Normalmente, essa ponta de sede é espoletada pelo preguiçoso fade para negro no final, que faz entrever uma – quase sempre falsa – revelação ribombante no próximo episódio. Este é o mecanismo mais antigo do mundo e, contudo, por muito que seja aplicado da mesma maneira em quase todas as séries, as que vão desembrulhando uma história ao longo do tempo, isto é considerado cinema ou qualquer coisa perto disso. Lamento dizê-lo: não acho que o seja. Ou então, a serem semelhantes aos filmes, as séries são um cinema corrompido no seu ADN, prostituído na sua essência.

À esquerda, Wayward Pines (2015-). À direita, de cima para baixo, Signs (Sinais, 2002), Lady in the Water (A Senhora da Água, 2006) e The Happening (O Acontecimento, 2008).
Costuma-se dizer que as séries têm a vantagem de oferecerem personagens mais completas, que se vão revelando episódio após episódio. Não creio que haja revelação alguma, porque as séries são máquinas trituradoras de outro elemento que faz o (grande) cinema: o mistério e a sua erótica. Como o argumento é feito, normalmente, à medida das exigências de mercado, o que encontramos nele é uma ânsia em avançar com qualquer coisa e para qualquer lado. Ora, como sabemos, a revelação das personagens não é forçosamente sinónimo de se contar mais sobre elas. Mostrar, não demonstrar, diria Rivette. As séries não mostram nada, só demonstram. Tal como podemos fazer demonstrações (demonstrations) públicas de… perfumes, as personagens das séries são publicidade ambulante de si mesmas, do que elas poderão vir a tornar-se no episódio seguinte ou no episódio seguinte ao episódio seguinte. Não se salsicham apenas anedotas intermináveis que garantem uma ilusão do todo, que pode nem existir, também se inserem personagens numa cadeia imparável que não contempla espaços vazios, verticalizados, onde estas se limitam a existir, onde estas se mostram “sem cenoura”. Tem de haver sempre motivos de conversa – fala-se tanto nas séries, ó que folhetins fastidiosos! -, para que se dê a necessária troca de informações ou se abra o espaço de demonstração de que este episódio está ligado a episódios anteriores e seguintes. Estamos sempre no meio, e a meio, de qualquer coisa. Faltam “fins” às séries. O espectador tem de ter a sensação de “estar a seguir”, de estar “entre” alguma coisa, como se o fito fosse não “a coisa em si”, mas a produção em série dessa sensação de estar a seguir alguma coisa. Entretanto, esse “alguma coisa” esvai-se nas suas possibilidades. Esta é a sensação que normalmente temos quando desperdiçamos várias preciosas horas da nossa vida a seguir uma série que nos leva, quase sempre, a um não-desfecho ou a um desfecho decepcionante – quase já são um género próprio as notícias sobre as hordas de fãs insatisfeitas com o final da sua série predilecta. Tudo isto parece, de facto, seguir a lógica da cenoura presa ao pau. Se no fim de muito andar, deixarmos o coelho comer a cenoura e esta estiver estragada, o mais natural era a seguir este não se deixar enganar por outra cenoura colocada no mesmo pau.
Ninguém verdadeiramente realiza um episódio de uma série. Ou melhor, é o “toque de ninguém” que interessa impor a cada episódio. Dito de outra maneira: o ponto de partida parece ser esse elogio a ninguém. Ainda assim, Shyamalan pega em Wayward Pines e há razões para isso. A história de um agente secreto que vai parar a uma misteriosa povoação retirada do mundo dialoga com a história da comunidade de The Village (A Vila, 2004), também ela isolada da envolvência e com regras próprias que traduzem uma necessidade colectiva de corte com a sociedade. O “mal” não está aqui contido num vilão de corpo uno, mas disseminado numa comunidade (ou seita) de pessoas que, por uma qualquer razão, desconfia do Estado para cuidar das suas vidas. Este “Estado dentro do Estado” é o lugar ideal para Shyamalan se mover. O seu cinema agiganta-se como poucos em regimes fechados, onde o drama aparece dramaticamente concentrado e onde a ameaça é tão ou mais interna quanto externa. Para além de The Village, Signs (Sinais, 2002) (a vivenda no campo de trigo) e Lady in the Water (A Senhora da Água, 2006) (o condomínio fechado onde Cleveland Heep, a personagem interpretada por Paul Giamatti, desempenha as funções de porteiro) também têm como décor um lugar que é como uma clareira na floresta. Claro que a tensão em Wayward Pines é-nos atirada à cara logo no começo. Não haverá espaços de suspensão da intriga, que potenciam o mistério, mas apenas uma sucessão de enigmas que vão sendo desfeitos maquinalmente. A horizontalidade extrema do formato série também faz com que seja menos palpável a tensão na cena do que a tensão da cena, porque sobre cada elemento que nos é dado assentam milhares de outros que prometem tornar a série numa regurgitação infinita, temporada atrás de temporada – citando o título do filme de Monte Hellman, protagonizado por Shannyn Sossamon, a actriz que interpreta a mulher de Matt Dillon aqui, predomina na série a sensação de que tudo é “a road to nowhere”. A máquina de fazer salsichas não pára de trabalhar, mesmo na própria epiderme de cada cena. De cada cena e de cada plano. É minha convicção de que o todo (que numa série é normalmente inconsistente) influi na parte, até ao átomo.
No primeiro episódio, realizado por Shyamalan, é possível ver algumas posições de câmara que lhe são típicas, mesmo que se pressinta que caso Wayward Pines fosse “um filme de Shyamalan” este não seria tão contido, perto de anónimo, na elaboração do découpage. Na cena em que Matt Dillon acorda no hospital, para o seu primeiro tête-à-tête com a fabulosa Melissa Leo – aqui, infelizmente, será mais uma presença de cartão do que presença de facto -, encontramos essa geometria dos campos/contra-campos que transforma cada plano numa subjectiva frontal de quem ouve, como se a quarta parede fosse, enfim, “a outra personagem”. Os planos querem-se rápidos e “inofensivos” em televisão. É o tal “toque de ninguém” que se quer impor – não é que o realizador seja invisível como no cinema clássico norte-americano, o realizador é, ao invés, passado por cima pelo processo ditatorial da escrita. Como tal, não é surpreendente que a câmara de Shyamalan permaneça quase invisível (presença desinteressante) ao longo do piloto, ainda que, ressalvo, mantenha uma certa suavidade clássica (já lá vou) e a tal assinatura ténue na filmagem dos diálogos – e como há tantos numa série, é possível ver Shyamalan a operar sobre as imagens aqui, isto é, a tentar fazer cinema onde este não é bem-vindo. Com efeito, na sequência de tensão desenrolada no hospital, em que Matt Dillon está preso à cama sem saber para onde o levam (metáfora perfeita do que é esta/uma série), temos um découpage típico em Shyamalan, com a fragmentação dos planos em curtos insertos que se sucedem na montagem a ritmo acelerado, parahitchcockiano. Construção semelhante pode ser encontrada na delirante sequência da morte do crítico de cinema em Lady in the Water.
Outro dispositivo típico em Shyamalan que se encontra neste piloto é a estrutura analéptica que vai fazendo alternar a errância de Matt Dillon pela estranha comunidade de Wayward Pines com flashes da sua vida familiar, junto da mulher e filho. Flashes semelhantes faziam a cosedura dramática de filmes como Unbreakable (O Protegido, 2000) e, acima de tudo, Signs, em que vamos conhecendo o passado do protagonista ao mesmo tempo que o filme avança no presente. Numa dessas analepses, Shyamalan produz um pequeno remake de uma cena de After Earth (Depois da Terra, 2013), em que o cerimonial do apagamentos das velas do bolo de anos é objecto de decomposição visual pelos seus tipicamente verticais campos/contra-campos. Esta invasão da dimensão familiar e íntima no presente é Shyamalan puro. E é curioso como este dispositivo não será repetido deste modo nos episódios seguintes da série. O controlo financeiro de Shyamalan sobre o que está a fazer ajuda a que sejam visíveis alguns traços da sua assinatura autoral. Um exercício interessante será produzir um raccord entre o último plano do piloto e os primeiros planos do episódio seguinte. Não é preciso esperar pelo nome do realizador nos créditos para ficar claro que não deverá ser Shyamalan o responsável pela realização desse episódio. Em regra, a câmara de Shyamalan é fixa, desenhando por vezes suaves travellings. Pois nesse novo episódio as primeiras imagens são captadas com câmara ao ombro. Os solavancos da imagem denunciam a presença de outro realizador, mas tudo isto é quase imperceptível, ou melhor, quer-se maximamente indiferenciado.
Dizia Jafar Panahi que se os filmes se contassem não se faziam. O cinema não é – não pode ser entendido como – um suporte de histórias. É a maneira de as contar – mesmo que a história seja má – que faz do cinema uma arte pessoal, veículo de uma visão que pensa o mundo em imagens, em movimentos, não simplesmente em esquemas narratológicos postos no papel. Por tudo isto, e mesmo que Shyamalan interceda pelo cinema para produzir um incompleto thriller de paranóia, regresso à frase de todos os dias, repetida ad nauseam por amigos e desconhecidos, com a mesma convicção: não, as séries não estão melhores que os filmes. As séries são, pelo contrário e tal como as caracterizo aqui, uma forma de anti-cinema, ou melhor, redundam tendencialmente numa caricatura da sua natureza industrial ou reprodutível.
10 Comentários
Gostei muito de o ler Sr. Luís Mendonça… De facto Wayward Pines é uma série bastante mal feita e com dinâmicas muito discutíveis, por isso acho que é batota da sua parte =) utilizar esta série como exemplo para fundamentar a sua opinião de que as séries não são mais do que anti-cinema, tentado arrancar sempre de uma forma “forte e prometedora” no episódio piloto para depois andar a encher chouriços enquanto houver audiências para isso e terminar num episódio final reles e que nunca cumpre as expectativas! Respeito obviamente a sua opinião, mas deixo-lhe um desafio, sem querer parecer petulante, escreva uma crónica semelhante mas tendo como base de análise a série “Bloodline” criada pela Netflix.
Muito obrigado pela atenção e espero continuar a lê-lo com regularidade, respeitosos cumprimentos.
Concordo com a opinião acima expressa pelo sr. Kiko.
Por lapso, não coloquei esta série a gravar, mas pela sinopse lida na imprensa tive a impressão que não seria lá muito original. A crítica norte-americana também não está muito impressionada com Wayward Pines.
De qualquer modo, pelo seu método de comparação, podiamos também comparar esta, ou qualquer outra série mais mediana do que W. P., com o tsunami de filmes da Marvel lançados a cada ano, e estas séries de 2.ª linha ganhavam em qualidade.
E quando, no segundo parágrafo do seu artigo, elabora de forma depreciativa sobre o carácter comercial e de entretenimento das séries, permita-me que lhe recorde que o cinema apareceu como novidade de feira (ao lado da banca da astróloga) e no entanto, agora é considerada a 7.ª arte.
Tanto preconceito junto…
É pena que tenha escolhido uma série péssima para usar como saco de pancada. Seria fácil de desmontar alguns (alguns, não todos) desses argumentos com uma série melhor. Mas para quê complicar…
E é por isso que a televisão não pode, nem deve, substituir o cinema. Os meus parabéns ao Sr. Luís Mendonça pelos excelentes argumentos bem fundamentados, não só reveladores de uma compreensão crítica detalhadamente estruturada sobre a concepção teórica da mais dominante das artes, como também de uma preocupação fulcral no entendimento da função e influência do pequeno ecrã na vida quotidiana.
É o debate que se mantém desde há décadas, dentro e fora do cinema: a arte vs. o entretenimento. A composição vs. a montagem. O olhar livre do indivíduo vs. a subjugação ao prazer do mundo.
amigo vc tem que escolher ou se escreve literatura ou cronica… pra que tanto arcaísmo numa cronica?
pensei que nem fosse publicar minha critica, na vdd nem tem tanto arcaismo assim é so no primeiro parágrafo a partir do segundo fica normal a pesar da linguagem técnica de cinema… eu até concordo com a sua critica, fiquei decepcionado com o final LOST e preocupado com essa coisa das séries… bem interessante e produtivo tua critica, elucidadora
O autor do artigo sabe escrever e sabe escrever sobre cinema. Não me parece ter uma compreensão muito vasta sobre a televisão ou não escreveria um texto repleto de generalizações baseando-se numa série de fraca qualidade como Wayward Pines. Gostava de saber quantas séries já viu na vida e quais? Mas como não respondeu a nenhum dos comentários anteriores, imagino que também não responda ao meu… (aliás, é o cúmulo da presunção iniciar um texto com um aviso que as pessoas podem não gostar do mesmo e depois nem se dar ao trabalho de responder a um único comentário). Talvez nem sequer tenha noção que existem séries cujas temporadas são realizadas por um único realizador. Ou que há séries que são escritas e realizadas pelas mesmas pessoas. Ou que há realizadores cujo trabalho na televisão lhes proporcionou o salto para o cinema. Para alguém que escreve tão bem, é pena que o conteúdo da escrita seja um mero reflexo de um desdém pessoal por uma arte que não entende.
Eu passei por aqui para ver se tinha recebido resposta. Apenas passaram 4 dias e não exijo uma. Poderá não haver nada de pertinente a acrescentar a um comentário geralmente favorável. Os comentários são moderados, mas nem todos aqueles aprovados, e já vi uns acesos por aqui, farão parte de um diálogo honesto. Mas tenho lido, visto e ouvido bastantes artigos. Gramo inclusive com toda aquela auto-congratulação da cinefilia apaixonada e torturada pelo meio. Passo pela caixa de comentários e concluo que esta atitude fechada deve ter sido acordada na linha editorial. Não o noto apenas neste importante detalhe, que há passagens de textos que puxam do obscurantismo e muitas críticas aconchegadas, lisas como as folhas da Cinemateca, mas presumo que isto nestes termos não seria recebido como o insulto malicioso que me enche o coração negro não fosse a presente oração.
O Shyamalan tem pessoas queridas por aqui. O texto parte da comparação do seu estilo cinematográfico com o seu estilo televisivo, tido como castrado, para uma crítica mais abrangente. Poder-se-ia dizer que o termo de comparação não deveria ser o Sinais ou A Senhora da Água, mas o Depois da Terra, que apesar da menção a uma sequência pura tem umas impurezas significativas a filtrar, e que as causas da industrialização do estilo do homem seriam outras e, dependendo da posição de cada qual, que este exemplo não seria apropriado ou que contradiz o resto do raciocínio. Mas especulo, que não vi o piloto.
Porque não é esta uma série representativa? Que série de qualidade é essa que não coage a audiência com uma promessa inevitavelmente quebrada? Os desfechos não são desleixos. Mas eis o que está à venda: um fio. Puxa-se o fio. Corta-se o fio. Que mais se fará com um fio? Conclui-se, plausivelmente, que esta mecânica é intrínseca ao processo de produção das séries. A pergunta a que pede resposta é irrelevante como a experiência de cada um, porque não se pressupõe a equidade de todas as séries, mas um patamar máximo possível algo medíocre, se pô-lo quantitativamente ajuda. É possível comunicar algo de significativo com tão pesado condicionamento?, pergunta-se. Não me parece que séries escritas e realizadas pelas mesmas pessoas, que poderão ou não ter depois seguido para a piscina dos grandes o prove de alguma maneira.
Não é preconceito do autor. Há belos trabalhos de televisão e não sei se não o reconheceria. Os que são, como um filme, um empreendimento único – geralmente feitos para televisão porque a sua extensão não assegura outro financiamento. O formato televisivo é mercantil por ser formato, bem de consumo. Dizê-lo não é negar o mercantilismo de outros filmes, mas notar que este não define o formato, porque qual formato?
Eu não oporia o mistério e erótica dos filmes às demonstrações da televisão. Também há filmes falados e filmes episódicos de uma abordagem próxima e telúrica não desdenho. Mas estas séries DE QUALIDADE!!! não se inspiram nestes mas nos piores filmes de prestígio, vistosos e inconsequentes, e outra tradição aparece.
Quando fala da sequência dos espelhos, menoriza o argumento perante o movimento. Não poderei ser complacente com essa ideia, até ao ponto em que são processos separáveis, mas esta consideração só é necessária se se pressupor que estes argumentos, e generalizo-os, são de alguma maneira, interessantes. Bem, serão até escritos já com o formato em consideração. Mas a narrativa enfiada pela goela do espectador e o filme como exclusivo veículo da narrativa também aparecem pelas salas escuras, ainda que sem os contorcionismos de bónus do contrato da temporada seguinte (bem… sequelas). E mesmo quando há qualquer ideia visual pelo meio, é costume ser privilegiada a nossa passividade sobre qualquer participação na experiência de vida do filme. Não será que o argumento, quão rígida ou livre seja a sua criação e interpretação, não seja parte essencial do filme e que ser elevado a tal seja catastrófico, mas que estas estórias chatinhas não poderiam ser realizadas de outra forma, tal é a estrutura tirânica que impõem a quem quer que seja, por ser essa estrutura o seu motivo de existir.
As séries de televisão mais interessantes, que permitem conviver com os personagens e conhecê-los sem os reduzirem a demonstrações, são as que trocam a continuidade narrativa “inter-episódica” por ideias soltas mas precisas. Os exemplos que me ocorrem não tem um movimento arrojado, para além da funcional temporização cómica, mas a terem cortes negros para anúncios, não são quebras de ritmo tão desesperadamente frustrantes.
[…] A última crónica Civic TV teve o efeito antecipado na sua primeira frase, ainda que tenha sido uma surpresa agradável ver tanta gente disposta a questionar não só a sua relação com as séries de televisão como a natureza contrapontual destas face ao que nos faz ver e ainda resistentemente amar o cinema. Foram deixados alguns comentários e pequenas provocações em torno do texto. Gostava de lhes dar uma forma de resposta nestas linhas antes de descer ao objecto que me ocupou o espírito neste mês, as três partes de Millenium, exibidas de seguida no canal FOX Movies. O meu esclarecimento segue a linha que assumi no início dessa crónica, isto é, não se demarca do exercício de opinião polarizado no “não”, a palavra que em grego (oxi) tem virado moda a partir dos nossos ecrãs. Avanço, concretamente, com três “nãos” (1, 2, 3) para responder a algumas das questões levantadas. […]