No mais inteligente e divertido gags de Minions (Mínimos, 2015), um trio de Mínimos aventureiros passeia-se pelas banquinhas de uma feira de malfeitores e malfeitorias, à procura de um malvado bem ruim que possam servir sem perigo de vida e sem vergonha para a sua classe. Vários são os candidatos, é um pronto a vestir de maldades, entre eles destaca-se um cientista que criara uma máquina de viajar no tempo. Os pequenos Igores amarelos oferecem os seus préstimos ao estudioso da física quântica mas este explica-lhes que com a sua máquina de viagens no tempo não precisa de mais auxiliares já que pode enviar-se para o futuro e de lá regressar, duplicando-se as vezes necessárias; de facto a banquinha está carregada de idênticos cientistas cada qual gerindo a sua tarefa. No meio da confusão um desses homens de bata sofre uma pancada e falece,”oh não, matámos o original!“, e, um por um, as suas cópias temporais começam a desaparecer por consequência (i)lógica das viagens no tempo. Estou em crer que a anedota é sintomática e reflexiva daquilo que é a natureza dos Minions enquanto personagens, filme e objecto de marketing global: eles não precisam de ajuda de ninguém e todos eles são “o original”.
Num muito esclarecedor ensaio de J. Hoberman – intitulado The Film Critic of Tomorrow, Today – o crítico chamava à mesa as palavras de Rudolf Arnheim que, em 1935, depois da descoberta da sincronia (e os custos que esta acrescenta) acompanhada da formação de grandes conglomerados cinematográficos (a Time Warner e a Disney), afirmava que o crítico de amanhã “thinks he is seeing bad films instead of understanding that what he sees is no longer film at all”. Isto em 1935! Hoje, em 2015, a consciência do filme como objecto de intenções muito distantes das do cinema é mais que uma necessidade, é uma evidência publicitária. E deste modo qualquer escrito (jornalístico ou crítico) de cinema participa na fúria de marketing que estúdios e seus parceiros lançam sobre meio mundo: não será por acaso que Minions terá tido um orçamento de 74 milhões de dólares e por outro lado outros 593 milhões terão sido gastos em publicidade e parcerias promocionais (cereais de pequeno-almoço, malas, roupa de cama, bananas, Tic-tacs amarelos, caixas para smartphone – é mais ou menos impossível atravessar uma superfície comercial sem que um Minion nos lance um olhar ameaçador, compra-me que eu sou tão fofinho).
Os Minions são uma propriedade intelectual construída com o único propósito de conquistar o mundo
Nesse mesmo ensaio Hoberman escreve uma dessas frases que qualquer empresário e marketeer gostaria de tomar como seu epitáfio: “For if the prerequisite of mass production is mass consumption, that mass consumption is itself predicated on the production of mass desire”. Ou seja, o cinema, como qualquer outro produtor de produção em massa, implica uma vontade de ver e, querendo ou não, qualquer texto que se possa escrever sobre Minions ou outro dos seus irmãos prefabricados garante esse mesma vontade de ver. Ver o quê? Isso pouco importa: o filme não interessa, nunca interessou. Interessa sim que estamos a participar num evento histórico, um recorde de biheteiras, a maior estreia num fim de semana, o primeiro filme a atingir um milhar de milhão num mês… Ao ponto de já nem ser necessário ter actores ou câmaras para produzir estes produtos (daí o lado profético do sucesso de Mickey Mouse e a explicação da sua eterna duração popular): Furious 7 (Velocidade Furiosa 7, 2015) é paradigmático deste estado de coisas e a recuperação digital do falecido Paul Walker símbolo marcante de tudo isto – porque nada nos diz que Walker não será o protagonista de Furious 8…
Neste sentido não é com grande custo de imagino os Minions e Christian Grey a partilharem mesa e cama numa relação BDSM incestuosa, já que eles são filhos da mesma mãe: a puta parideira que transforma todo o best-seller em filme, toda a banda desenha em filme, todo o vídeo-jogo em filme, toda a série de televisão em filme, todo o filme em novo filme. E cada um desses filmes vira depois parque de diversões (literalmente, Minions termina os créditos com um anúncio da sua nova atracção no parque da Universal!), best-sellers, bandas desenhadas, vídeo-jogos e séries de televisão… e novos filmes claro. Até ao esgotamento criativo e ao desinteresse de público; e nesse instante acciona-se o botão de emergência e faz-se um reboot!
Se de facto Minions não se destaca dos demais objectos de marketing que enchem as salas de cinema destes dias, o que se evidencia é a pureza da sua construção diabólica, a perfeição do arranjo publicitário e da sua figura facilmente reconhecível e altamente vendível – ou pondo de outro modo, percebe-se que os Minions são uma propriedade intelectual construída com o único propósito de conquistar o mundo. Pois note-se: possuem um dialecto próprio, o que leva a que em cada país não haja sequer necessidade de dobragem (além de ser uma versão muito próxima daquilo que as pessoas costumam falar aos bebés, gugu-dadá); são figuras que vivendo no servilismo se mostram entre o inocente e o indefeso espoletando o carinho e a afeição de adultos e crianças (aqueles olhos gigantes… não será a fofinhice a expressão estética de máxima popularidade do nosso século?); tomam a forma de um peluche, anunciando já a sua conversão em bric-à-brac mais ou menos felpudo e sendo gordinhos e desajeitados funcionam como figuras perfeitas de slapstick sem a violência incomodativa e pouco family friendly dos Looney Tunes. A propósito, aquando da estreia de Space Jam (1996) o presidente da Time Warner à época, Gerald Levin, admitiu em entrevista: “It isn’t a movie. It’s a marketing event”. Desde então pouco mudou, com excepção do preço dos bilhetes.