“Algumas pessoas crêem-se melhor cultivadas quando conseguem sufocar a voz do sangue e o instinto do território. Elas pretendem-se regrar sob a égide de leis que escolheram deliberadamente e que, embora pareçam muito lógicas, contrariam nossas energias profundas. Quanto a nós, para nos salvar de uma estéril anarquia, queremos nos reconciliar com nossa terra e nossos mortos”.
Amori e Dolori sacrum, Maurice Barrès, 1903
“É bem sabido, desde Barthes, que ‘a merda escrita não fede’. É necessário, ademais, para não receber nenhum eflúvio desta merda, (…) que a língua tenha se formado classicamente pela eliminação de uma certa carga de imundície. (…) Certamente, é da incumbência do signo como tal exercer uma função de negação para com o real que este significa, e podemos convir sem medo que, ‘se dissemos lixo, este nome é muito mais nobre que a coisa significada, pois preferimos ouvi-la a cheirá-la.”
História da merda, Dominique Laporte
Brandos Costumes (1975)começa com a luxuosa descrição das rubricas e cenários da morte do Pai: é a narrativa, em plano fixo de memorial inquisitivo, de sua morte que inaugura esta estratégia continuada de encenação (reapropriação hermenêutica, violação alegorista) de seu legado envenenado. O Pai é Salazar, a herança maldita da Reação, e a história de um país conspurcado por todos os seus avatares. Mas se o legado fascista é ubíquo e sempiterno, a princípio é sob o ponto de vista do Filho que o filme se posta, pois Brandos costumes, embora narre e descreva os modus vivendis de um mundo caduco, é um filme que, como todos os modernistas, “olha para trás” com ar perverso, e retoma de forma “desviante” a relação com os Pater famílias, doméstico e guerreiro, épico e pequeno-burguês, da nação.
O presente texto foi publicado no livro de compilação O Cinema Não Morreu – Crítica e Cinefilia À pala de Walsh. Pode adquiri-lo junto da editora Linha de Sombra, na respectiva livraria (na Cinemateca Portuguesa), e em livrarias seleccionadas.