A edição deste ano do MOTELx começa com uma decepção: afinal, o anunciado convidado de honra Roger Corman não se irá deslocar a Lisboa entre os dias 8 e 13 de Setembro para mostrar e falar sobre alguns dos seus filmes. Se no ano passado o lamento não foi grande relativamente à também desmarcação de última hora de Álex de La Iglesia, neste caso não posso deixar de assinalar a importância deste revés cinéfilo. De qualquer modo, há mais vida para lá de Corman nesta edição do principal festival de terror do país. Por exemplo, o sul-africano Richard Stanley vem apresentar os seus dois cult classics: o terror maquinal, pós-Terminator, Hardware (1990) e o enigmático, quase lynchiano, Dust Devil (1992). Destaco ainda o documentário Lost Soul: The Doomed Journey of Richard Stanley (2014), relato sobre a desastrada produção de um dos mais infelizes filmes dos anos 90, The Island of Dr. Moreau (1996), filme que acabou assinado por John Frankenheimer mas que era o projecto de uma vida de Richard Stanley, que foi despedido quatro dias após o início da rodagem. Outra presença importante em Lisboa é a de Stéphane du Mesnildot, crítico de cinema francês e autor de alguns livros sobre cinema fantástico que vem apresentar Eugenie (1970) de Jess Franco e dar uma conferência sobre a estrela do filme: o recentemente desaparecido Christopher Lee. É importante sublinhar aqui o esforço do recém-criado colectivo White Noise em aportar qualidade reflexiva ao MOTELx com esta importante chamada de du Mesnildot.
Fora estes que são, quanto a mim, os “cabeças de cartaz” do festival, destaco da programação os muito aguardados regressos de Joe Dante e M. Night Shyamalan. O primeiro, que já aqui havia antecipado na edição do ano passado do MOTELx, traz-nos uma rawmantic comedy, ao jeito de um Warm Bodies (Sangue Quente, 2013), sobre uma namorada obsessiva que, mesmo depois de morta, não irá abrir mão daquela que julga ser a sua mais que perfeita cara-metade. Já passaram cinco anos sobre o decepcionante The Hole (Medos, 2009) e, por isso, sabem a pouco as imagens que nos chegam deste Burying the Ex (Enterrar a Minha Ex, 2014). No entanto, poderá ser um dos grandes “filmes festivaleiros” desta edição do MOTELx, esperando eu vê-lo numa Sala Manoel de Oliveira bem composta. The Visit (A Visita, 2015) é, alegadamente, um regresso às origens para Shyamalan, que procura aqui deitar para trás das costas os insucessos de The Last Airbender (O Último Airbender, 2010) e After Earth (Depois da Terra, 2013). Shyamalan desce o nível da produção e regressa à casa onde foi feliz: o terror.
Se o filme parece ter os condimentos dos melhores filmes de Shyamalan – o seu lado concentracionário, quase claustrofóbico, a intriga familiar, desta feita, particularmente perversa e a promessa de uns quantos twists na história -, a verdade é que a rendição ao trailer não pode ser total, dada a opção inesperada pelo dispositivo do found footage. O Shyamalan puro tem ADN clássico, investe num meticuloso trabalho de câmara, ao passo que, por norma, o found footage é um convite para se abdicar de uma ideia sólida de mise en scène, dada a forma como o “efeito dispositivo” sequestra cada plano. Vimos há dois anos como Ti West desceu alguns degraus do seu cinema para fazer um found footage chamado The Sacrament (2013) – ainda que, dentro do género, tenha sido o melhor que se fez nestes anos. Apesar de ter tudo para estar aquém do melhor Shyamalan, The Visit merece que mantenhamos intacto o nosso entusiasmo, nem que seja para fazermos fé na esperança que o realizador tem depositado neste seu comeback.
Falando ainda no found footage, não posso deixar de me interrogar: porquê deixar de fora um filme tão inventivo e desafiante dos nossos usos e costumes cibernéticos como é Unfriended (2014)? É que este filme passado integralmente numa/durante uma chamada skype é uma actualização muito significativa de um título que mereceu um grande destaque por parte do festival no ano passado: Open Windows (2014). Estamos habituados a que o MOTELx esteja em cima dos últimos gritos em matéria de terror. No ano passado, por exemplo, vimos em primeira mão dois dos principais filmes do género dos últimos tempos, The Babadook (O Senhor Babadook, 2014) e, o que agora se estreia, It Follows (Vai Seguir-te, 2014). Por isso, a ausência no programa do muito badalado The Witch (2015) de Robert Eggers, premiado recentemente em Sundance, tem o seu quê de decepcionante.
Outra sessão importante é a de Green Room (2015), novo trabalho do canadiano Jeremy Saulnier, que fez furor em 2013 com Blue Ruin (Ruína Azul, 2013), um thriller de vingança bastante descarnado que foi uma das minhas boas surpresas no passado IndieLisboa e que, depois, mereceu distribuição nas salas comerciais. Esperam-se as mesmas doses de tensão e violência em Green Room, história protagonizada por Patrick Stewart sobre uma banda punk cercada por um gang de neonazis. Dos Estados Unidos, chega-nos We Are Still Here (2015), primeiro filme de Ted Geoghegan que estará algures entre James Wan e Ti West, com uma história de casa assombrada e espiritismo que promete trazer algum do melhor terror atmosférico ao São Jorge. Já tem sido um hábito: a existência de, pelo menos, um filme colectivo que reúna uma equipa de realizadores do terror com maior ou menor nome. Em Tales of Halloween (2015) poderemos descobrir curtas fresquíssimas de Lucky McKee e Neil Marshall, razão suficiente – será suficiente face aos seus últimos, e terríveis, filmes? – para espreitarmos a empreitada.
O prolífico Takashi Miike marca outra vez presença no festival com Gokudou daisensou (Yakuza Apocalypse, 2015), desta feita, traz um filme de yakuzas que, pelo trailer, parece estar algures entre a acção pura e dura à la The Raid (2011) e a comédia delirante, enjoativa e ultra-violenta de um Koroshiya 1 (Ichi – O Assassino, 2001). Não será para todos os gostos. O mesmo se poderá dizer, pelo que lemos na sinopse, de Riaru onigokko (Tag, 2015) de um cineasta tão hiperactivo – assina 6 títulos em 2015 – e tão ou mais – eu acredito que é mais – interessante que Takashi Miike: Shion Sono. Esta história de homicídios inexplicáveis que têm como vítimas estudantes de liceu indefesas – impossível não pensar no impressivo Jisatsu sâkuru (Suicide Club, 2001) – promete invadir o território do absurdo, oferecendo a esta edição do festival boas doses de disparate saudável. Do Japão, mais outro habitué do MOTELx: Hideo Nakata. Na sequência do olvidável Kuroyuri danchi (The Complex, 2013), mostrado há dois anos no MOTELx, o autor de Ringu (1998) filma uma história fantástica nos bastidores de uma peça de teatro. Baixas expectativas para aqui. As mesmas baixas expectativas para o mais recente filme de Eli Roth, que com Knock Knock (2015) propõe uma revisitação de Death Game (1977). Tem como atractivo um actor recentemente reabilitado para o cinema de género graças a John Wick (2014): Keanu Reeves. De qualquer maneira, e deixando claro que estou longe de ser um apreciador de Roth, acho que preferia ver no programa Green Inferno (2013), o filme anterior do cineasta, baseado em Cannibal Holocaust (Holocausto Canibal, 1980), que permanece por exibir em Portugal.
Retirado do baú, destaco a primeira exibição pública em perto de 50 anos do filme A Caçada do Malhadeiro (1967), exemplar de um exploitation movie à portuguesa ambientado no Buçaco durante as Invasões Francesas. O outro objecto estranho desenterrado pelos programadores deste MOTELx é Roar (1981), único filme realizado por Noel Marshall, o produtor de The Exorcist (O Exorcista, 1973), e protagonizado pelo próprio e pela sua mulher Tippi Hedren e ainda com a participação de Melanie Griffith. Foi dado como desaparecido desde a sua estreia e renegado por Tippi e Melanie Griffith. Agora reaparece com a fama de ser “o filme mais perigoso de sempre”. Passado numa reserva de animais selvagens em África, Roar é uma espécie de versão safari de The Birds (Os Pássaros, 1963) com poucos ou nenhuns efeitos especiais, algo que transformou este filme maldito numa sucessão de desastres para o seu elenco. Se nenhum animal foi ferido durante a rodagem, Hedren terá partido uma perna, Griffith foi sujeita a uma cirurgia de reconstrução facial e Noel sofreu múltiplos ferimentos. O filme, pelo que dizem, é um documento fidedigno do risco irresponsável que esteve por trás da sua produção. Deverá valer a curiosidade.
Todas as informações sobre a programação podem ser consultadas na página oficial do festival aqui.