“If you get a text from a girl going, “I’m coming over and we’re having sex,” is there a man that would say no to that?” Há uma série de razões que poderão levar um homem a dizer “não” a tal proposta (desde a esposa/esposo estar em casa até ao facto de estar prestes a começar um Barcelona-Real Madrid), mas isto somos nós, que vivemos ancorados, infelizmente, no mundo real. Na cabeça do Eli Roth e na dos seus amigos, a resposta à questão precede a mesma. É a magia do cinema, meus queridos.
Vistas aéreas sobre Hollywood e seus luxuosos bairros residenciais. Descemos até uma das casas num desses bairros. A câmara a percorrer os corredores da mesma (o mesmo movimento no final do filme…), não de noite e com banda sonora trovejante, como nos filmes de terror, mas de dia, dando-nos a ver uma arquitectura e uma decoração que sugere harmonia familiar a carburar a 100%; quase pensamos em dar o nó, também. Sem dar por isso, já estamos com o Keanu Reeves na cama, salvo seja, pois quem lá está é o Reeves e a sua esposa latino-americana, prestes a iniciar actos de luxúria, menos mal que estejam envoltos em sorrisos e boa-disposição para mitigar as ordinarices. “Querem ver que o Roth fez um pg-13…”, pensamos nós, recapitulando os minutos anteriores. Nada de regabofe, pois “hoje é dia do pai!”, e aí vêm as crianças interromper os devaneios carnais dos papás. Que alegria, que cimento a solidificar os alicerces familiares. O bolo (“with chocolate sprinkles!!”) entregue pelas crianças ao Keanu parece ser de muito boa qualidade.
Se se der ao trabalho de pensar superficialmente na obra do Roth, facilmente se detecta um género prevalecente a todos eles: a comédia. Os seus Hostel (2005) e Hostel: part II (Hostel 2, 2007), o Cabin Fever (A Cabana do medo, 2002) ou o The Green Inferno (Inferno Canibal, 2013) – este uma obra-prima da comédia acidental – desenham personagens com um traço tão grosso e colocam-nas em cenários e argumentos de tão dantesca estupidez que a caricatura ao fim de escassos segundos já está confortavelmente instalada, dando origem a incontroláveis fontes de riso. O seus torture porns são, na realidade, laughter tortures, pois é difícil sair de lá sem problemas nos maxilares. E mais ainda nos rimos quando há quem leve tudo aquilo a sério e se sinta ofendido/a com as infantis brincadeiras do Roth, porque para esta gente, tudo é uma question éthique, morale, culturelle et religieuse! E é aqui que Knock Knock (Tentações Perigosas, 2015) começa a fazer a diferença em relação aos trabalhos anteriores do Eli: a comédia é assumida, e não mero espasmo involuntário.
Escrevamos o seguinte: desde o momento em que estas duas jovens entram em cena até uns vinte minutos mais tarde, a expressão the timeless art of seduction cunhada pelo Kramer no Seinfeld nunca foi tão brilhantemente apropriada.
E para esta comédia sem reservas, Keanu Reeves é essencial. Keanu é um actor limitado que sabe perfeitamente que a sua credibilidade como personagem “dramática” anda pelos 2%, e vai daí deve ter acordado com o Roth uma simples ideia: fabricar toneladas de overacting nos momentos mais “tensos” para libertar enxurrada de comédias. Ora, se um Keanu “normal” já é matéria de good feelings, imagine-se o que é este homem a dar uso da palavra e do corpo em situações de “procura da estatueta dourada”: it’s gold, baby, gold!. Há um seu monólogo de um minuto e picos que será, não tenhamos dúvidas, objecto de culto nos anos que se seguem. É maravilhosa a sua descarga de frustração perante a impotência e até injustiça que sente. Estamos contigo, Keanu. Bandidas!
Estas “bandidas” são Lorenza Izzo (a esposa do Roth, actriz principal em The Green Inferno – o novo par Selznick/Jones) e Ana de Armas, armas de destruição massiva enviadas por Deus Nosso Senhor como resultado de nova aposta com o Diabo, depois de este ter perdido a contenda por Job. Escrevamos o seguinte: desde o momento em que estas duas jovens entram em cena até uns vinte minutos mais tarde, a expressão the timeless art of seduction cunhada pelo Kramer no Seinfeld nunca foi tão brilhantemente apropriada. É um manjar para o espírito a forma como Lorenza e Ana vão quebrando, milímetro a milímetro, segundo a segundo, a resistência de “homem casado e amo muito a minha mulher!” do Reeves. É uma dança entre três actores, um jogo entre insídia provocadora e impaciente resistência que é o melhor que o Roth fez até hoje. Que esse jogo termine com um já hoje icónico “Yes, you can!”, ainda mais regozijo nos transmite.
É certo que após esses subtis passos de dança, Roth entra no seu habitual catálogo de punição moralista, embora a suas ironias não permitam entender muito bem quem realmente está a ser punido. Daí, cunhar Knock Knock como filme “feminista”, “misógino”, “pró-casamento”, “anti-casamento” ou qualquer outra coisa tenha tudo o mesmo valor, ou seja, nenhum. Mais vale estar atento ao excesso de irrisão que estas “brincadeiras perigosas” (onde se prova que o Facebook tem razão de existir) estão constantemente a acrescentar ao quadro. Sempre preferimos estas às “rigorosas” e “austeras” e, acrescentamos, académicas de um barbudo austríaco que cá conhecemos. Em conclusão, Knock Knock informa-nos de duas coisas: que o Eli Roth, por mais medíocres que sejam os seus filmes, dificilmente nos irá algum dia chatear, e que o mesmo Eli Roth é o padre que sempre desejámos ter na nossa paróquia.