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Uma gota de sangue para morrer amando: o espelho, o monstro, o labirinto

De Luiz Soares Júnior · Em 29 de Novembro, 2015

Le narcissisme est l’effacement de la trace de l’Autre dans le désir de l’Un.

 André Green, Narcisismo de vida, narcisismo de morte

A tecnologia (…) é a invenção de uma visão e de uma morte à distância. É esta distância que desrealiza, evacua a realidade e o sentido da responsabilidade individual.

 Elisabeth Angel-Perez, Pierre Iselin. La lettre et le fantôme: le spectral dans la littérature et les arts.

Una gota de sangre para morir amando (Uma gota de sangre para morrer amando, 1973) de Eloy de la iglesia

Em algum momento do western marxista de Sergio Sollima, Faccia a faccia (Quando os Brutos se Defrontam, 1967), o personagem do Professor vê-se na injunção de abandonar a Cidade, a honorabilidade de seu cargo, seus compêndios como seus dispêndios, e partir para o deserto; lá, ele se alia a um grupo de bandoleiros, que roubam, assassinam e se exilam au hasard; mas o Professor, como todo intelectual, possui método em seu delírio, arché sob a inspiração do qual a mão que empunha o revólver se abriga e legitima; ao torturar e finalmente matar um inimigo “estratégico”, ele desculpa-se, invocando a necessidade absoluta daquele rito bárbaro (mas lógico): “São raisons d’État, você me entende; não. Jamais conseguirá me entender”. A violência institucional das razões de Estado ocupa um lugar considerável no giallo fantasmático e político Una gota de sangre para morir amando (Uma gota de sangre para morrer amando, 1973) que Eloy de la iglesia realizou em parte sob a inspiração daquele que talvez seja o filme mais didaticamente quod erat demonstrandum de Kubrick, A Clockwork Orange (Laranja mecânica, 1971); em parte, pois anexam-se perversões suplementares ao bildungsroman ironista de 1971. A enfermeira Ana Vernia, o médico Victor Sander utilizam métodos, invocam funções de integração radical da pulsão psicopata do indivíduo à psicose normatizada do Estado: eletrochoques e entrevistas, as duas faces de Janus da intimidação metafísica ocidental, comparecem aqui para chamar estes criminosos à “luz da Razão”. Eles devem falar, mas também sofrer na carne mortificada as consequências de seus crimes, porque ontem (os regicidas franceses, que eram objectos de sevícias terríveis ao atentar contra o corpo do Rei) como hoje (a psicopatia, o terrorismo) aqueles que ousarem se insurgir contra a carne do Pai e os gládios da Lei devem ser, para efeito de paradigma simbólico, severamente expiados.

Una gota de sangre para morir amando (Uma gota de sangre para morrer amando, 1973) de Eloy de la iglesia2

Mas a brutalidade do Estado aqui é apenas um dos vértices do problema; o Id, como já nos ensinava o anti-Édipo, é uma usina de produção de Desejo, e portanto não se contenta em investir um único corpo: a casa assombrada familiar, de que o gótico ontem nos forneceu o paradigma figurativo, é apenas uma de suas caves; várias outras casas habita meu Pai: o hospital, o escritório do doutor Sander, a televisão (omnipresente no filme, paradigma pequeno-burguês do narcisismo de morte, como acontece com toda superfície envidraçada, onde o Eu se refracta infinitamente, canibalizando a alteridade: ver a sequência ultrajante em que, em uma paródia minimalista da invasão da casa de Mr Alexander em A Laranja Mecânica, a TV, objeto do culto idólatra da família, é sacrilegamente destruída), a mansão Dragonwyck da vampiresca enfermeira, os bares “suspeitos” que esta frequenta travestida, e finalmente as calles de Madrid, onde os jovens delinquentes reinam como mestres encarniçados desta horizontalidade “montage of attractions” do scope, que no festim dos ataques e da perseguição final a David adquire uma suburbana allure épica.

A pulsão de morte, em Una gota de sangre para morir amando, encarna-se portanto em um vasto arsenal de máscaras, age segundo a instrução de modus vivendis e operandis vários: selvagem (as calles, os inferninhos de Vernia) como disciplinar (o hospital), imediata indeterminada como mediada, evidentemente diurnas como nocturnas- mas não se iludam: logo veremos tudo desvanecer sob o manto mortífero de uma mesma Imemorial Noite, arpejada pelo dó menor lúgubre da música de Georges Gavarent, bruit de fond nostálgico para o desfile, em musselina branca e deliquescência mística, da quimera tourneriana Sue Lyon. É importante, portanto, assinalar-se que se pensamos, a princípio, estabelecer uma oposição irredutível entre os distintos monstros, aos poucos e vertiginosamente, veremos como se borram, narrativa e figurativamente, as diferenças. Assim como elidem-se as fronteiras, e a Noite, em sua massa opaca e indiferenciada de horror, acaba por mostrar-se subjacente a tudo, décors funcionais e abstractos por onde trafegam Vernia e seu médico, décors subterrâneos Art nouveau que Vernia percorre insolente e felinamente, protegida por suas perucas e fraques antiquados. O travestismo é no filme de La Iglesia a manifestação desta potência metamórfica da pulsão de morte, que corrói os bastiões da Cidade como os seus flancos de retaguarda, os parques de diversões dos arrabaldes como os prédios aerodinâmicos “Haussmann” centrais, etc. Tudo há-de retomar o mesmo refrão agonístico. Freud descobriu que a pulsão de morte não é um ser (algo de concreto e determinado, de eidos), mas um fantasma, que portanto pode povoar qualquer superfície, as cândidas e serenas inclusas- no sorriso inocente de uma criança, por exemplo, como em tudo aquilo que parece industrioso e activo, mas que na verdade secreta uma ominosa chaga: a aspiração ao silêncio e à rigidez, o élan da entropia.

Una gota de sangre para morir amando (Uma gota de sangre para morrer amando, 1973) de Eloy de la iglesia3

Assim como a cena “originária” de Nosferatu, eine Symphonie des Grauens (Nosferatu, o Vampiro, 1922) (a ascensão frontal do caixão) repercute por todas as arcadas-enquadramentos do filme, recordando-nos que a alteridade (a Natureza, o Feminino de Ellen) em verdade dissipou-se, e agora é serva fiel de um Mesmo demoníaco, podemos imaginar que os décors e personas da Morte em Una gota de sangre não passem do reflexo ou ressonância “diferidas” deste palacete dinástico onde Vernia mora, proscênio de théâtre intime no qual a sombra obliqua do Pai é preservada como o coração de Julien Sorel na cripta de cristal de Mathilde: o leitmotif secreto que orquestra os diapasões no filme é esta cena hipnótica que nos mostra a enfermeira, camisola revolta pelo vento outonal, passeando pelos seus domínios senhoriais, após ter assassinado os jovens amantes (aqui, como em tudo o mais, Eros e Thanatos não se distinguem, assim como a paranóia e a esquizofrenia: devir, alteridade, Diferença é coisa para vivos, o que não é o caso).

Una gota de sangre é um desses filmes que parecem ter aprendido a lição de que o psicótico jamais habitou outro senão o cenário de sua cena originária, jamais “saiu dali”, e que o seu tormentoso destino de Maldoror é carregar a todos os Outros para a sua cave, para dormir eternamente sob os influxos voluptuosos do fantasma, embalados pela sua flauta negramente sibarita; as dominantes primárias opressoras, as valsas desafinadas, o kitsch vetusto dos bares gays, o gesto ritual do estilete no coração: este é o filme-malaise da movida madrilenha, aquele que sabe que Franco não passou, que jamais sairá de nós; o futurismo de Una gota é o faux-semblant de um arcaísmo fundamental, pois os filhos de capacetes vermelhos e motocicletas turbinadas que perfuram a noite como bólides explosivos nada seriam sem esta putrefacção ancestral da mansão de Vernia; o passado como o Novo, como o Masculino e o Feminino (ou o trangênero, síntese anamorfizada de ambos), os tiques retóricos da tecnologia up to date como os tiques amaneirados das incursões nocturnas da protagonista encenam-se nas mesmas mortuárias câmaras, sugerem um mesmo persistente rito sacrificial: a criança que não quer morrer e exige em troca de seu sangue (a abdicação do passado, da fissura edipiana fundamental) o sangue do Outro.

Una gota de sangre para morir amando (Uma gota de sangre para morrer amando, 1973) de Eloy de la iglesia4

Adorno viu nas façanhas iluministas de Jasão, Teseu e Perseu o exorcismo do mito (a Medusa, o Minotauro), mas viu ainda além: viu que o exorcismo do mito é ele mesmo um mito, assim como de la Iglesia parece ver, sob os escombros da passagem demolidora da gang “moderna”, luzir o olho arcaico do Pai embalsamado; a fábula futurista na verdade é o invólucro do conto gótico, assim como a TV, que como disse acima, estrutura o filme da primeira à última cena (a paródia dos ritos “nobiliárquicos” da mansão de Vernia, levada a cabo pelos loucos televisionados por Victor Sander em seu escritório), parece ser a encarnação psicótica (fetichista, paranóica, mauvais objet) do cinema, esta arte “que um dia foi”… Na cena final, Eloy de la iglesia corta da confissão de Vernia (ela consumou seu último crime, e apagou definitivamente as ténues fronteiras que ainda pareciam sustentar a sua sanidade, ao cometê-lo no próprio local de trabalho – o hospital-, tornando enfim manifesta a consangüinidade entre a psicopatia íntima e a institucional) para a TV onde os loucos encenam a sua Philosophie dans le boudoir última também. Logo, tudo vai sucumbir à vertigem do Fantasma, e silenciar à sua lancinante passagem.

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Luiz Soares Júnior

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