1. Mia madre (Minha Mãe, 2015) – 54 pontos; 2. João Bénard da Costa: Outros Amarão As Coisas Que Eu Amei (2014) – 42 pontos; 3. Phoenix (2014) – 37 pontos; 4. Adieu au langage (Adeus à Linguagem, 2014) – 34 pontos; 5. Inherent Vice (Vício Intrínseco, 2014) – 32 pontos; 6. As Mil e Uma Noites (2015) – 24 pontos; 7. Kis uykusu (Sono de Inverno, 2014) ex aequo com Taxi (2015) – 22 pontos; 8. P’tit Quinquin (O Pequeno Quinquin, 2014) – 17 pontos; 9. Montanha (2015) – 16 pontos; 10. Leviafan (Leviatã, 2014) – 15 pontos
Olhar para este top e compará-lo com os dos três anos anteriores é constatar uma coisa, que merece ficar registada: o projecto do À pala de Walsh coincide com um período de claro esplendor do cinema português. No primeiro ano, consagrámos Tabu de Miguel Gomes com a distinção de melhor filme de 2012. Em 2014, Cavalo Dinheiro foi o vencedor, com E Agora? Lembra-me de Joaquim Pinto em terceiro lugar. Chegamos ao ano que agora fecha e a sensação – muito aprazível – de déjà vu regressa: não temos um filme português no topo do top, mas contam-se três títulos nacionais entre os melhores do ano, algo de inédito no À pala de Walsh: em segundo lugar, o filme de Manuel Mozos sobre João Bénard da Costa; em sexto lugar, Miguel Gomes e a sua obra épica sobre o Portugal dos nossos dias, As Mil e uma Noites; e, por fim, em nono lugar, a primeira longa-metragem de João Salaviza, Montanha. Como já fora habitual nos tops anteriores, sobretudo os de 2012 e 2013, temos uma muito interessante colheita de cinema não-americano. O nosso top 3 de 2015 inclui, em primeiro lugar, o regresso em grande de Nanni Moretti, com Mia madre; em segundo lugar, o já referido filme de Mozos; e em terceiro lugar o mais recente do alemão Christian Petzold, que havia ocupado em 2013 o quarto lugar com Barbara. Outro dado original: 2015 foi um ano de absoluta dispersão de votos, ou seja, de grande variabilidade de preferências. Phoenix é o único filme eleito por mais que uma vez “o melhor filme do ano”. Num ano variado, fica a sensação que outros bons filmes poderiam ter entrado no top. O futuro encarregar-se-á de confirmar ou não o valor desta nossa selecção.
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Ao contrário dos nossos colegas walshianos, ainda não tínhamos tido este prazer na organização das listas de anos anteriores: o de eleger como marco cimeiro do ano cinematográfico um filme português. Filmado em Portugal, interpretado por actores portugueses (e que grande actor se pode ter achado em David Mourato, quiçá um novo Pedro Hestnes) e falado em português, é caso para dizer que a Montanha pariu um… enorme realizador (ainda que as suas excelentes curtas anteriores já o indiciassem). Salaviza é, quanto a nós, o mais talentoso e fascinante realizador português em actividade e a quem auguramos coisas grandes, grandiosas. Um aspecto a lamentar é o facto de, ao contrário dos anos anteriores, nenhum filme americano nos ter merecido uma entrada na lista, se bem que haja menções honrosas a assinalar [Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance) (Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância), 2014), A Most Violent Year (Um Ano Muito Violento, 2014), The Visit, Mad Max: Fury Road (Mad Max: Estrada da Fúria, 2015)]. Outras boas impressões que nos ficaram: Le meraviglie (O País das Maravilhas, 2014) e O Desolado, o segundo volume da trilogia de Miguel Gomes, e que apenas não figura na nona posição como originalmente o colocámos por decisão dos editores em definir a trilogia de Miguel Gomes como elegível apenas no seu todo (i.e., os três volumes globalmente considerados). E a prova de que o tempo, o distanciamento, enfim, a “digestão” de um filme é fundamental (tão ou mais importante, por vezes, que o próprio visionamento do filme) é o facto de também incluirmos neste leque “honroso” um filme que, se na altura pouco nos tocou, tem-nos ficado desde então a remoer na cabeça: P’tit Quinquin. Num plano mais pessoal, foi com um enorme regozijo que vimos 2015 como a afirmação definitiva da recuperação da vida cultural no Porto, cidade na qual, hoje, é quase impossível escolher diariamente um filme para ver sem que a consciência nos pese (entre um ciclo de Manoel de Oliveira, uma sessão do Porto Post Doc, outra do Cineclube do Porto e por aí fora…). E, modéstias à parte, o À pala de Walsh também tem um dedo nisso, seja pelas Conversas à Pala que organizou, seja pelo ciclo Lionel Rogosin que promoveu juntamente com o Porto Post Doc. |
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Olhando para as minhas escolhas do ano, e em jeito de análise artificial, só me ocorre um jogo de temperaturas. Oscilo entre o muito quente e o muito frio. Foi um ano de extremos: estou em sintonia com os efeitos do aquecimento global. Uns são filmes do coração, outros são filmes da consciência. |
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Primeiro, uma nota para os filmes que não consegui ver a tempo este ano, e que ficam assim fora da lista por essa razão, como os dois filmes de Wang Bing estreados por cá, ou outros como The Look of Silence, Clouds of Sils Maria, Eden ou Le meraviglie . É importante também fazer referência a alguns dos filmes que podiam estar nesta lista, que não estão assim tão distantes da qualidade dos escolhidos, como Le dernier des injustes (O Último dos Injustos, 2013), Mandariinid (Tangerinas, 2013), Ex Machina (2015), Band des Filles, Phoenix, Timbuktu e Sicario. Se há uma tendência transversal a alguns destes filmes é a exploração da fronteira entre o documental e a ficção, com a continuação da intromissão na lista de alguns documentários (e que pena não terem tido estreia comercial os últimos filmes de Akerman e Oliveira). Entre o biográfico e o imaginado, entre o mundo real e o do cinema, que cada vez mais se confundem, filmes como o de Miguel Gomes procuram novos caminhos para representar uma realidade cada vez mais surreal. Entre ficções que parecem documentários e documentários que parecem ficção, John Turturro exclama em Mia madre “levem-me de volta para a realidade”, que é precisamente o que faz Panahi com Taxi, fabuloso golpe de génio, que não só questiona o mundo à sua volta como o próprio filme. |
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Começo por referir a grande ausência da minha lista de melhores do ano: As Mil e Uma Noites: Volume 2, O Desolado. Não incluo o filme de Miguel Gomes, por termos decidido apenas levar em conta a trilogia. E não voto no conjunto, por me parecer muitíssimo desequilibrado (gostei tanto do segundo volume como desgostei do primeiro). Aliás, se pudesse, o que eu gostava mesmo era de pôr o episódio “Os Donos de Dixie” – sem dúvida, um dos filmes mais bonitos dos últimos anos, português ou não. Assim são as agruras dos fazedores de tops. Mas, como diria um treinador de futebol (não estou a falar de Rui Vitória, obviamente), só contam os que cá estão. E a saída da obra de Gomes permitiu a entrada de Predestination, que alimentou a minha obsessão por viagens no tempo este ano. No entanto, não sei se vale a pena destacar os filmes de que mais gostei – a obra-prima Phoenix à cabeça -, uma vez que o próprio top o clarifica. Aproveito, então, este espacinho para enumerar uns poucos que não consegui enfiar na lista (contrariando a frase inicial deste parágrafo): Kaze Tachinu (2013) de Hayai Miyazaki; Whiplash (2014) de Damien Chazelle; National Gallery de Frederick Wiseman; e Spy (2015) de Paul Feig. |
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Altura de balanços e, como sempre, não se viu quanto se quis, só quanto se pôde. Entre as desilusões, estão os novos de Woody Allen e Bogdanovich, o primeiro sem o devido peso ou o mais pequeno rasgo de paixão, conflito, mesmo indiferença ou o tal niilismo de que padece Phoenix, uma dramaturgia ou um desenho mínimos (a conferência de imprensa de Woody Allen este ano em Cannes bate o filme aos pontos, com a estranheza e o pathos nos sítios certos), o outro a abusar da caução da cinefilia e dos acasos e das coincidências – Bogdanovich pode ter feito em Singapura o mesmo que faz o personagem de Wilson no filme, mas injectou essa realidade inspiradora com a pomposidade e o porreirismo mais característicos de quem lhe produziu o filme. Tudo tão limpinho, arrumadinho. A ordem desordenada e a desordem ordenada não são a mesma coisa… Qual é a diferença? O que fica é a beleza serena e justa do último Eastwood; a amizade transviada de Joaquin Phoenix e Josh Brolin no filme de Anderson, tão perdidos e desalmados que acham que mostrar afecto é deitar portas abaixo a pontapé; os passeios de Dafoe pelo breu da noite de Roma e pelo brio vivo da sua imaginação; as palavras de Bénard da Costa e as nuvens de Manuel Mozos; os exercícios muito didácticos de Michael Mann e Christian Petzold e, não menos importantes, a política de Tommy Lee Jones e George Miller. |
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Vamos ser francos: o ano não foi nada famoso. Do meu sétimo lugar para baixo começo a ter demasiadas dúvidas. Foi um ano repleto de pequenas curiosidades e algumas desilusões (em crescendo: PT Anderson, Eastwood, Wan, Mann, Ceylan, Petzold e Gomes). Resgatei nos filmes de George Miller e Christopher McQuarrie uma dimensão cinética straight to the point, que julgava já perdida para a mitologia pomposa dos vários filões com “homens em collants“. Com Mozos e Moretti, o cinema torna-se questão de vida e questão de morte, dois filmes de emoções fortes que me assombram ainda hoje. Isao Takahata ofereceu a graciosidade de uma animação artesanal fora do tempo, isto é, para todos os tempos. Dois filmes pensados “plano a plano”, em busca de puras ideias de cinema ou de um cinema em estado puro, leia-se, cinema como “atmosfera”: os de Tsai Ming-liang e João Salaviza. Por fim, dois filmes de terror: o mais inquietante de todos no rosto de Steve Carrell e pela câmara, sempre austera, de Bennett Miller; e o regressado Shyamalan, que faz rir – e ter medo, claro – da nossa própria, e futura, velhice. Bogdanovich é o ovni deste grupo. Um pequeno conto cómico, saudavalmente antiquado, que pisca o olho aos melhores clássicos: Lubitsch, Sturges e Hawks. Tem uma actriz maravilhosa, que é uma das minhas descobertas do ano: Imogen Poots. Por fim, e como, apesar de tudo, ainda houve outros bons filmes, quero destacar: o comovente retrato de Balboa quando velho, com uma interpretação notável de Sylvester Stallone, em Creed; os dois Wang Bings que finalmente estrearam; a versão 3D de Adieu au langage; o mais urgente de todos os filmes do ano, Timbuktu; o exemplo de Panahi em Taxi; o apreciável exercício de terror que é It Follows; Kristen Stewart e Juliette Binoche em Clouds of Sills Maria; o regresso à boa forma da Pixar, em Inside Out; e, em jeito de última nota, o perto de inclassificável tratado sobre a porcaria chamado Trudno byt bogom (É Difícil Ser um Deus, 2013), última obra do cineasta russo Aleksei German que passou algo injustamente despercebida pelas nossas salas. |
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Primeiro tenho que dizer que aquele voto no Mil e uma Noites é um voto espiritual no terceiro volume, O Encantado, filme que me encantou de sobremaneira. Posta esta ressalva, não tenho muito mais a acrescentar a não ser que muitos filmes ficaram por ver (ou melhor, gostaria de ter visto uns quantos que me escaparam) e uns quantos ficaram fora desta lista. Chamo, no entanto, a atenção para um dos filmes mais subvalorizados do ano: Terminator Genisys (Exterminador: Genisys, 2015), o sonho molhado de qualquer cinéfilo-psicanalista onde avó mata neto a fim de eliminar o fruto impuro da sua filha adoptiva e assim aceitar o genro e pai-a-ser tornando legítima a relação dos dois (tudo com viagens no tempo à mistura). Assim sendo, deixo uma segunda lista de filmes que a distribuição portuguesa não estreou nem vai estrear e outros que pude ver este ano e talvez se passeiem pelas salas em 2016. Na primeira categoria: Green Room (2015) de Jeremy Saulnier, Rabin, the Last Day (2015) de Amos Gitai, La Sapienza (2014) de Eugène Green, The Thoughts That Once We Had (2015) de Thom Andersen, A Trama e o Círculo (2014) de Francisco Queimadela e Mariana Caló, Unfriended (2014) de Leo Gabriadze e Videofilia (y otros síndromes virales) (2015) de Juan Daniel F. Molero. Na segunda incluo os novos filmes de Hong Sang-soo, João Nicolau, Ira Sachs, Catarina Mourão e a magnífica curta de Manoel Mozos, A Glória de Fazer Cinema em Portugal (2015). Por tudo isto, parece-me que definitivamente estamos numa fase particularmente feliz da produção cinematográfica em Portugal. Bom Natal.
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Numa primeira e superficial vista pela lista de filmes escolhidos, este parece ter sido o ano em que me entreguei ás obras de “carácter social, económico, cultural e histórico”, num mapa mundi que vai dos EUA dos anos setenta à China do Século XXI, passando pela “nova” Rússia autocrática, pelo Irão punitivo, pelo fanatismo islâmico, pela desigualdade sexual em terrenos israelitas, ou ainda pelas monstruosidades nazis de há setenta anos. Numa segunda vista, não é nada disto, antes tudo se regendo pelas leis naturais da produção de dopamina; assim nos desculpamos pela proliferação de filmes de “assuntos importantes”. Prefere-se focar a atenção nos trabalhos (cada um à sua maneira) em lume brando de Ceylan, Anderson, ou Zvyagintsev, nas arquitecturas sonoras e luminosas de Bing e Tsai, no humor de Panahi e dos irmãos Elkabetz, na delicadeza “poética” (em tom justo) de Sissako, da interactividade entre passado e presente de Lanzmann ou na impressionista enxurrada emocional godardiana, o filme do ano que mais nos fez agarrar no lencinho e limpar o olho, e não estamos sequer a pensar no 3d. Last, but not the least, três filmes que enviaram as propriedades neurosensoriais para um estado ainda mais primitivo e puro do que é costume: o patusco e delirante Ant-Man, junção de Jack Arnold com de Palma filtrada pela máquina de Hollywood; o quinto episódio de Mission: Impossible, ou como o Cruise anda cada vez mais a rir-se de si próprio; e o circo em movimento de Mad Max: Fury Road, ou a prova de que palavras como “imaginação”, “caos” ou “pantominas” não são incompatíveis com um total controlo de edição. Outros filmes que deixaram (muito) boa impressão: Love & Mercy, Montanha, Mandariinid, Knock Knock, The Imitation Game, Danny Collins, Kaze tachinu, Queen and Country, The Salt of the Earth, Kreuzweg, Bridge of Spies, She’s Funny That Way, A Most Violent Year, Oktober November, Magical Girl. |
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Lembro-me de uma edição do Domingo Desportivo (a eucaristia dominical dos ateus) em que, depois de ter sido confrontado com um dado estatístico – «a jornada foi pobre: apenas 16 golos marcados» –, o saudoso Rui Tovar, virando-se de frente para a câmara, exclamou: «foi portanto o que se pôde arranjar». Eis, mutatis mutandis, aquilo que me apetece dizer sobre um top 10 no qual se encontram elencados os únicos dez filmes estreados em Portugal ao longo de 2015 dos quais verdadeiramente gostei (e é triste reconhecê-lo). Dir-se-á que o problema é meu. Com certeza que é, mas parece-me que não é só meu, ou melhor: que ele é, também, a consequência de uma cultura intrinsecamente pobre (compare-se, para não irmos mais longe, os filmes produzidos em 2015 com os filmes produzidos em 1955) e, de um ponto de vista «regional», a consequência de um sistema de distribuição que, em época de crise, tem medo de correr riscos (onde pára, por exemplo, o notável Jauja (2014) de Lisandro Alonso?). Para os próximos meses, estão já agendadas as estreias dos mais recentes trabalhos de Hou Hsiao-Hsien, de Hong Sang-soo, de Todd Haynes… Quando o presente é anémico, um gajo dá invariavelmente por si a pensar no futuro, à laia de consolação. |