J.J. Abrams é um tipo esperto. E bastante sortudo. No cinema, vem firmando a sua marca como grande reciclador – não só dos franchises Star Trek, Mission Impossible e agora Star Wars, mas também do espírito dos blockbusters de George Lucas e, principalmente, Steven Spielberg da passagem dos anos anos setenta para os oitenta. É esperto, porque sabe o que manter e o que expurgar das “séries” que lhe vêm parar às mãos. É sortudo, porque as apanhas num ponto em que a fasquia está baixa (ou baixíssima). Em Star Wars: The Force Awakens (Star Wars: O Despertar da Força, 2015) [desde quando é que deixámos de traduzir Star Wars por Guerra das Estrelas?], isso é ainda mais óbvio. Depois das infames e patéticas prequelas de Lucas (cuja única qualidade é terem dado origem a isto), tudo o que saísse dali teria de ser infinitamente melhor.
E é. A questão que se segue é, necessariamente, como se compara The Force Awakens com a trilogia original. Não se sai nada mal. No entanto, para evitar confusões, é preciso deixar claro uma coisa: os primeiros Star Wars não são exactamente obras-primas, são divertidos filmes de aventuras, que recuperavam a ligeireza e o olhar ingénuo num cinema norte-americano demasiado embevecido com a sua própria seriedade. À distância de mais de trinta anos, apenas The Empire Strikes Back (O Império Contra-Ataca, 1980) aguenta (e bem) a classificação de “bom filme”. Os outros dois são, na melhor das hipóteses, razoáveis. A sua reputação sobrevive sobretudo na imensa e esmagadora nostalgia de quem os viu em criança (o meu caso) ou adolescente. E assim é The Force Awakens: um filme razoável.
Não é por acaso que J.J. Abrams passa a primeira hora de The Force Awakens a filmar as ruínas dos filmes anteriores.
Pelo que tenho apanhado por essa internet fora, uma das críticas apontadas ao filme é estar demasiado colado aos originais, de que sua estrutura é quase decalcada de Star Wars (Guerra das Estrelas, 1977) [eu sei que o título agora é New Hope, mas deixem-me ser reaccionário]. Não é mentira nenhuma: há heróis improváveis e “involuntários”, vilões mascarados (neste caso, por opção), uma cena num bar cheio de criaturas estranhas, uma pitada de Freud, e até uma espécie de Death Star [mais poderosa e curiosamente muito parecida à de Star Trek (2009)] que é necessário destruir na sequência final. Mas, em termos de estrutura, já Return of the Jedi (O Regresso de Jedi, 1983) era muito parecido ao primeiro, aliás, podia-se-lhe fazer exactamente o mesmo reparo. Contudo, em relação ao tom, The Force Awakens está bem mais próximo de The Empire Strikes Back.
Sem querer escancarar a grande “surpresa” do filme, provavelmente, uma cartada demasiado forte logo à primeira jogada (escrever sobre ela é já ser desmancha-prazeres), o filme de Abrams, à maneira de outros do género por estes dias, pende muito para o “lado negro”. Isso nota-se principalmente na personagem de Kylo Ren (talvez a mais interessante), com a qual o realizador e os outros dois argumentistas (o regressado Lawrence Kasdan e Michael Arndt) quiseram mostrar a Lucas como se faz um Anakin Skywalker bem feito. Ajuda, e muito, ter um actor a sério em vez de um canastrão. Adam Driver, um “mau da fita” com saudades do bem, é capaz de uma vulnerabilidade que Hayden Christensen jamais poderia alcançar, e reforça uma certa sensação de melancolia que se vai instalando nos poucos momentos de baixa intensidade de The Force Awakens – outro sinal dos tempos: quase não há pausas para respirar, tudo ocorre muito depressa, relações intensíssimas constroem-se em dias ou horas (personagens abraçam-se sem se terem visto antes), e nunca se percebe muito bem por que razão continua a existir uma Resistência a um Império que desapareceu.
Essa melancolia nasce também da tal nostalgia: a de Kasdan (o único a viver os acontecimentos em primeiro mão), a de Abrams e a dos espectadores. A repescagem dos actores da primeira trilogia – Harrison Ford, Carrie Fisher e Mark Hamill – traz à memória uma inocência que, apesar de tudo, já não é possível. O cansaço, a sua velhice (Ford tem 73 anos) são evidências de que as coisas não podem ser como dantes. De resto, não é por acaso que J.J. Abrams passa a primeira hora de The Force Awakens a filmar as ruínas dos filmes anteriores. Os rostos enrugados dos actores ou o R2-D2 obsoleto são apenas mais umas.
2 Comentários
Realmente um filme razoável, nota 6.5, previsível e feito para fanboys. Feito para arrecadação de dinheiro em cima dos coitados.
E por falar nisso…
http://www.slate.com/articles/arts/cover_story/2015/12/star_wars_is_a_pastiche_how_george_lucas_combined_flash_gordon_westerns.html