As potencialidades do cinema digital, da rodagem à pós-produção, têm permitido um aumento de produção cinematográfica como nunca antes se tinha sentido. Com um simples telemóvel pode fazer-se o filme sensação do ano, e à distância de uns cliques pode-se construir um objecto altamente sofisticado sem outro custo que não o tempo dedicado ao projecto. Por isso mesmo, aos poucos, os festivais de cinema do mundo vêm introduzindo custos de submissão (ou aumentado os existentes) para tentar controlar o número de inscrições que se começam a tornar incomportáveis. Em sentido oposto, também é certo que o número de festivais vem aumentando e cada vez é mais difícil distinguir o trigo do joio, que é como quem diz: perceber o que significa de facto – no que respeita à qualidade e interesse – a selecção de um filme por um festival. A juntar a isto há, essa variável tantas vezes esquecida, o espectador.
Espectador esse cuja cinefilia e a capacidade de ver e procurar por filmes varia. Ainda assim é certo e sabido que nem o mais atento e desejoso dos espectadores conseguirá ver todos os filmes “imperdíveis” do ano – não só porque o seu acesso é por vezes limitado (todas as questões relacionadas com a distribuição e a exibição locais) como a quantidade é simplesmente incomportável. Aliás, este é e vem sendo o drama irresolúvel do digital, a destrinça que a torrent(e) de informação impediu que seguisse os tramites da naturalidade: acabou o passa-palavra porque as palavras são muitas e passadas, acabou a autoridade de um nome porque a Internet aboliu a autoridade, acabou a referência de um título ou de um festival porque as imposições económicas e comerciais tantas vezes se sobrepõem aos outros factores.
Todos os dias objectos certamente maravilhosos caiem no esquecimento da rede (de arrastão), que tudo captura e de onde é difícil desemaranhar o bom peixe. Inversamente as salas comerciais tornam-se em espaços de feira compostos quase exclusivamente por filmes-atracção, objectos massificados e resultantes de brutais campanhas publicitárias e de marketing com preços exorbitantes – como se diz na terrinha feira e frieira é coçar e largar. Em certo sentido a expressão filme-de-festival começa a fazer cada vez mais sentido já que o mercado da distribuição comercial não consegue naturalmente comportar toda a produção sendo o circuito dos festivais um dos poucos meios de circulação que um filme modesto pode conseguir (além do ainda malfadado, mas não por muito tempo, VOD: video on demand) – ainda que muito cinema é e sempre foi de nicho e assim se deseja manter, mais não seja pela aura da própria invisibilidade.
Ora, a Internet não é doença, é apenas sintoma e o sucesso dos projectos inter-náuticos sempre tem estado ligados à capacidade de encontrar o que se procura por entre o rebuliço informativo – desde o motor de busca mais importante do mundo à rede social que todos congrega – ou inversamente, de dar visibilidade ao que outrora se escondia – desde o maior repositório de objectos audiovisuais à (agora em falência) esfera de conteúdos escritos.
Neste sentido o trabalho que a Festival Scope tem feito nos últimos cinco anos é algo muito específico e intimamente ligado ao trabalho dos festivais na demand(a) de tornar visível e acessível aos programadores, promotores, compradores, exibidores, produtores, críticos e jornalistas de tais eventos os filmes do momento (numa perspectiva de promoção e curadoria) sem implicar deslocações aos locais da estreia – desta forma um programador de festival podia ver, poucos dias depois, a partir do seu computador, parte da selecção dos festivais mais importantes do mundo e logo aí seleccionar filmes (para o seu festival e portanto para o seu país e para o seu público) que de outra forma talvez não tivesse acesso ou sequer conhecimento.
A partir de 2016 essa vertente mantém-se, mas com outro nome, Festival Scope Pro (acessível apenas para os profissionais do cinema), sendo que de agora em diante a Festival Scope passa a funcionar como um multiplex online que convoca nas suas salas virtuais (sim, há lugares limitados e é preciso bilhete) parte da selecção dos festivais do mundo que decorrem nesse momento, permitindo que qualquer pessoa veja a partir de casa, pelo valor de um bilhete de cinema e durante um intervalo limitado, o filme que acabou de estrear do outro lado do mundo. Apresenta-se portanto como um espaço destinado ao espectador interessado em descobrir o que de mais recente se faz pelo mundo, exibindo essencialmente cinema independente e/ou de autor que de outra forma não seria visível.
Neste início de ano e com cara lavada a Festival Scope apresenta-se com duas parcerias: com o festival Distrital onde apresenta gratuitamente uma série de filmes da mais recente safra do cinema mexicano e outra com o Festival de Roterdão em que é possível assistir, mediante o pagamento de 4€ (3€ na compra de 3 ou mais bilhetes), em qualquer parte do mundo a um conjunto de 5 filmes da programação (3 em Portugal por questões da distribuição local) à hora da sua apresentação no festival seguindo-se uma transmissão em directo das sessões de perguntas e respostas com os realizadores. Assim poderão assistir à estreia simultânea de The Model (2016)de Mads Matthiesen (Sábado 30 Jan às 16:00 CET), Préjudice (2015) de Antoine Cuypers (Sábado 30 Jan, 20:00 CET) e The Garbage Helicopter (2015) de Sophelikoptern (Domingo 31 Jan, 20:00 CET) – mais info sobre cada filme aqui: http://live.iffr.com .
O À pala de Walsh está a oferecer dois bilhetes digitais para cada umas destas três sessões de Roterdão aos primeiros leitores que nos enviem um mail para apaladewalsh@gmail.com com o seu nome e o título do filme desejado.
Boa sorte!
Actualização (29 de Janeiro, às 19h30): passatempo encerrado. Agradecemos a todos pelas participações!