With the coming of the Second World War, many eyes in imprisoned Europe turned hopefully, or desperately, toward the freedom of the Americas. Lisbon became the great embarkation point. But, not everybody could get to Lisbon directly, and so a tortuous, roundabout refugee trail sprang up – Paris to Marseilles… across the Mediterranean to Oran… then by train, or auto, or foot across the rim of Africa, to Casablanca in French Morocco. Here, the fortunate ones through money, or influence, or luck, might obtain exit visas and scurry to Lisbon; and from Lisbon, to the New World. But the others wait in Casablanca… and wait… and wait… and wait.
Narrador no início de Casablanca (1942) de Michael Curtiz
Casablanca fixou, pela sua força mitológica, o que foi Lisboa durante a Segunda Grande Guerra: capital da espiões e artistas, milionários e refugiados, gente de toda a Europa que encontrava no famoso clipper Lisboa-Nova Iorque a promessa de uma saída do continente conturbado para a terra das maravilhas. Pela posição neutral e por os seus portos e aeroportos não serem espaços de contenda, Portugal foi dos poucos países a manter uma relação directa com as estreias do cinema de Hollywood recebendo com o mesmo rítmo os filmes que do outro lado do mundo a fábrica ia produzindo. Mas não só a película vinha com cadência certa, também as suas estrelas surgiam por cá com frequência, ora a caminho de Londres, ora no sentido inverso, em direcção à “capital das imagens” – como lhe chamou António Ferro num dos livros que dedicou à sua visita a Hollywood ainda no início dos anos 1930 – ou rumo ao sul das américas. As próximas linhas procuram por entre as mais de 16 horas do Jornal Português agora editado em DVD pela Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema as reportagens dessas actualidades que versam sobre essas visitas.
Além do sucesso de Casablanca, a Warner depressa se se lança à cobiçada tarefa merceeira de espremer até à última gotinha os dollars que ainda podiam ter ficado pendentes. Chama de novo o seu tarefeiro de serviço, o competente Michael Curtiz, e a estrela da casa, Humphrey Bogart, para um reencontro agora com Michele Morgan em vez de Ingrid Bergman (juntamente com quase todos os secundários: Claude Rains, Sydney Greenstreet e Peter Lorre) em Passage to Marseille (1944) – com uma cena no aeródromo e tudo. E como se isso não bastasse ainda inventam um terceiro derivado, The Conspirators (1944), já sem Curtiz nem Bogie – apenas com Paul Henreid, Greenstreet e Lorre – protagonizado por Hedy Lamarr e que ocorre numa Lisboa de estúdio com fados abrasileirados por Carmen Miranda como que continuando o enredo do original onde a nossa capital era tida como ponto de encontro futuro. Muitos anos mais tarde e noutro país – eram os anos noventa em Portugal – e por isso já acetinado pela lixa da cinefilia de Eduardo Geada, aparece por cá um policial a quatro línguas de nome Passagem por Lisboa (1995), onde a cidade, mais uma vez nos anos 1940, se enche de espiões, aristocratas fugidos, actrizes famosas (Pola Negri), cineastas (Lopes Ribeiro – sempre Lopes Ribeiro, o pai presente do cinema português dessa década e supervisor/director do Jornal Português) e onde tudo termina com a chegada a terras lusas do casal de Casablanca que se afasta em contraluz por entre os aviões – não é por acaso que o filme é dedicado à memória de Luís de Pina e Félix Ribeiro.
A primeira vez que no Jornal Português se vê estrelas estrangeiras é quando Annabella e Tyrone Power passam por Lisboa. Digo que se vê, porque este número, (n.11, Outubro de 1939), é dos poucos do qual se perdeu a banda de som e portanto não se ouve a “verborreica” voz do narrador (escrita e por vezes narrada pelo próprio Lopes Ribeiro). No entanto a historiadora Maria do Carmo Piçarra, numa meia dúzia de páginas que dedica ao fenómeno das “vedetas em Lisboa” nesta revista de actualidades [ela que mais longa e profundamente estudou o Jornal Português], cita o texto da narração, que reza do seguinte modo:
“A roda larga dos cinéfilos de Lisboa andou aí uns dias agitada e encantada, atrás de Anabella e de seu marido, Tyrone, o famoso galã. Rodeados, com frequência, pela melhor gente do cinema português, não tiveram os dois mãos a medir na firma constante de autógrafos. E também Anabella não teve pés a medir quando, antes de partir, num episódio engraçado, recebeu uns sapatos de Teresa Cabral, sapatos que antes admirara e apetecera”.
Os dois haviam-se casado fazia poucos meses (23 de Abril de 1939) e dado o habitual atraso com que saiam as reportagens do Jornal Português é bem provável que a sua passagem por Lisboa se devesse a uma lua de mel. Assim o mais apetecível dos galãs do cinema estadunidense casara-se com a esbelta actriz francesa. Como aconteceu (assim se verá) com vários dos casais est(r)elares que passaram pela nossa capital, o casamento não duraria muito e uma vez findo o serviço militar de Power, os dois separam-se em 1946. Mas note-se que se a reportagem do Jornal Português não era premonitória, ao menos era indicativa, já que a Cinderela não se viu calçada pelo príncipe encantado, mas sim por Teresa Cabral. Outro aspecto de curiosidade é o facto de que à estrela de Hollywood bastava “admirar e apetecer”, para logo conseguir. O que se terá conseguido nesses dias…
A segunda visita faz-se passados poucos meses, no número seguinte da revista de actualidades (n.12, Dezembro de 1939), com a partida – desta vez de barco, o navio Vulcrnia – rumo às américas de Simone Simon, Jan Kiepura e Martha Eggerth (sua mulher – o casal era conhecido na Europa como Liebespaar, o par de amantes, causando sensação onde quer que parassem e Lisboa não foi excepção). Simon já havia feito alguns papeis em Hollywood mas por falta de reconhecimento (e não só), regressara a França no início dos anos 1930 onde protagonizaria filmes como Lac aux dames (O Lago do Amor, 1934) ou, mais significativo e marcante, La bête humaine (A Fera Humana, 1938) de Jean Renoir. Depois desta passagem por Lisboa, acompanhado do casal amigo (diz-nos a narração sem eufemismos que vão em “jornada para os Estados Unidos em missão de angariar fundos para os refugiados da polónia“), Simon faria os dois filmes que deixariam o seu nome “marcado a letras de ouro no livro de honra do cinema“: Cat People (1942) e The Curse of the Cat People (1944).
Outro par de meses depois e no número seguinte (n.13, Fevereiro de 1940) passa por Lisboa, numa das mais curtas reportagens, a caminho de Londres Robert Montgomery e o narrador anuncia-nos que “vai ser o interprete de dois novos filmes”. A filmografia do actor só dá conta de um desses filmes, Busman’s Honeymoon (1940), no entanto durante a sua curta estadia em Inglaterra o actor alistou-se como voluntário, quando os EUA eram ainda neutrais, e conduziu ambulâncias em França até à evacuação e Dunkrik. Voltaria para Hollywood para protagonizar comédias deliciosas como Mr. & Mrs. Smith (O Sr. e a Sra. Smith, 1941) de Alfred Hitchcock até que os states entraram na guerra e Montgomery se torna Lieutenant Commander servindo no destroyer USS Barton que participou na invasão do dia D. Depois da guerra Montgomery regressaria a Hollywood em 1945 com intenção de se tornar realizador tendo filmado, enquanto John Ford esteve doente, partes de They Were Exapendable (Homem para Queimar, 1945), vindo a estrear-se como realizador com o famoso Lady in the Lake (1947) – quase todo construído em plano subjectivo.
A próxima visita de vedetas estrangeiras demoraria um ano (n.25, Março de 1941) e marcar-se-ia pela passagem de Laurence Olivier e Vivien Leigh por Lisboa. A narração descreve a sua passagem do seguinte modo:
“Desde que a guerra tornou inseguros os demais portos europeus, Lisboa ganhou foros de grande encruzilhada mundial. pelo mar, pela terra e pelo ar, cruzam-se na nossa capital os viandantes mais famosos e os mais diversos. Os operadores da SPAC [Sociedade Portuguesa de Actualidades Cinematográficas], na impossibilidade de fixarem todos eles, escolheram alguns dos mais significativos. (…) Num dos barcos da American Export Lines passaram por Lisboa, também a caminho de Londres, duas celebridades cinematográficas que eram aguardadas no cais por grande número de jornalistas da especialidade e pelos representantes da United Artists, Vivien Leigh e seu marido Laurence Olivier. Protagonista de Rebecca [1940] e Monte dos Vendavais [Wuthering Heights, 1939] e a protagonista de Gone with the Wind [E Tudo o Vento Levou, 1939] mostraram-se da mais cativante amabilidade diante dos curiosos perguntadores. No próprio dia da chegada assistiram à estreia em Portugal de Rebecca, o filme que ganhou a Taça do Animatógrafo de 1940″.
Mais uma vez o casal protagonista desta reportagem havia acabado de se casar (31 de Agosto de 1940) depois de ambos se terem divorciado dos respectivos conjugues no início do mesmo ano. E nesse mesmo período Leigh fizera um screen test para protagonizar Rebecca com o seu marido-a-ser. Tanto Selznick como Hitchcock (como o mentor da actriz, George Cukor) acharam que o papel não lhe servia e assim Rebecca não é protagonizado pelo casal, Olivier contracena com uma deslumbrante Joan Fontaine. No entanto o encontro dos actores dar-se-ia no palco de Nova Iorque numa produção de Romeu e Julieta – a qual seria criticada por destoar com o esforço de guerra que lhes era pedido em Inglaterra. Seria em 1943 que os dois regressariam ao seu país e Leigh actuaria perante as tropas do Norte de África onde adoeceria com tuberculose que a viria a matar duas décadas mais tarde.
Nesse mesmo número há outra vedeta que passa por Lisboa à qual a revista de actualidades dá apenas dois planos e outras duas linhas de narração: “Também à Granja chegou, no avião Gago Coutinho, da carreira de Tânger, a vedeta americana Josephine Baker. Ídolo de Paris que veio dar alguns espectáculos a Lisboa.” Quem foi Josephine Baker? Também conhecida como “perola negra”, “vénus de bronze” ou “deusa crioula” foi uma actriz, cantora e artista de circo norte-americana naturalizada francesa em 1937; a primeira mulher negra a protagonizar uma longa-metragem de sucesso – Zouzou (1934) – e a tornar-se uma vedeta internacional, sendo mais tarde uma figura proeminente na luta pelo direitos civis dos afro-americanos nos EUA.
Mas corroborando a mitologia de Lisboa no universo de Hollywood, Baker era também espia. Havia sido recrutada pela resistência francesa, Deuxième Bureau, como “honrosa correspondente”. Devido à sua fama e ao seu charme era presença constante nas festas oficiais das quais recolhia informações das altas patentes presentes, ou quando a festa decorria numa embaixada ou num ministério… Com a invasão Nazi de França Baker mudou-se para o sul do país e daí para localidades neutros onde actuou, Portugal foi uma delas, mas também a América latina a acolheu. Fixando-se no Norte de África em 1941, especialmente em Marrocos, de onde partiu para algumas tours em Espanha.
Também rumo à América do Sul passou por Lisboa Louis Jouvet “que todos conhecem do cinema mas que é maior ainda no teatro” (n.27, Julho de 1941). O amigo próximo de Jean Cocteau, Charles Dullin, Pierre Renoir e Christian Bérard organizou, no exacto momento em que França se tornou inabitável, uma tour latina-americana de grande sucesso que durou de 1941 a 1945.
E no número seguinte (n.28, Setembro de 1941) temos a reportagem mais curiosa, a estadia de Lilian Harvey em Portugal, conta-nos a narração:
“Lilian Harvey, a inolvidável Christel do Congresso que Dança [Le Congrès s’amuse, 1931], protagonista de tantos outros filmes que foram outros tantos êxitos, passou alguns dias em Lisboa de passagem para a América do Norte. Uma queda, de que resultou partir um pé, obrigava a encantadora estrela a servir-se de muletas, mas fazia-o com o seu sorriso célebre e com tal gracividade que se pode dizer que até as muletas lhe ficavam bem. O Jornal Português só agora tem ensejo de apresentar ao público estas imagens da visita de Lilian Harvey a Monserrate acompanhada por Guilherme Pereira de Carvalho do Secretariado da Propaganda Nacional e pelo realizador cinematográfico António Lopes Ribeiro. Os nossos operadores foram despedir-se dela ao clipper que a levou até Nova Iorque. Mas Lilian prometeu voltar e até interpretar um filme em Portugal”.
Foi de facto o sucesso de Le Congrès s’amuse que levou ao convite de Hollywood onde fez quatro filmes para a Fox tendo regressado à Alemanha em 1935. Embora não fosse judia, muitas das suas amizades eram. Quando o coreógrafo Jens Keith, seu amigo, foi preso em 1937 pelo “Paragrafo 175”, que criminalizava a homossexualidade masculina, ela pagara-lhe a fiança e ajudara-o a escapar para Paris o que levou a que Harvey fosse interrogada e obrigada a abandonar a Alemanha. Lopes Ribeiro, o director da revista de actualidades, e Pereira de Carvalho do secretariado que financiava a revista fazem notícia junto da estrela, passeando-a por Monserrate, alheios ou alheados aos motivos da sua presença em Lisboa.
Nos EUA Harvey trabalharia como enfermeira voluntária em Los Angeles e actuando como cantora. Com o fim da guerra Lilian mudou-se para Paris cantando nos países escandinavos e no Egipto nos anos seguintes. Retirou-se dos palcos em 1949 mudando-se para uma aldeia na Reviera Francesa onde montou uma loja de souvenirs e se tornou criadora de escargots. Ao que sei Harvey não voltaria a Lisboa como prometera, certo é que não mais voltou ao cinema. Mas a sua marca no cinema português é de algum modo qualificável, já que é o próprio Lopes Ribeiro quem escreve, na sua autobiografia, que foi ela a “madrinha dessa tentativa de produção continua quando em 1941 se fundam as Produções António Lopes Ribeiro e se produz em menos de um ano Pai Tirano (1941), Pátio das Cantigas (1941) e Aniki Bobó (1942)”.
A última reportagem protagonizada por vedetas cinematográficas é talvez de todas a mais perturbante pela sua estranheza e pela sua total inépcia em esconder o lado encenado de toda a empresa: Danielle Darrieux recebida por centenas de ribatejanos, campinos, jovens de fato e várias carroças puxadas a cavalo e a burro (n.34, Novembro de 1942).
“Danielle Darrieux, vedeta número um do cinema francês, a parisiense inconfundível, a francezinha-tipo, teve, durante uma visita que fez a Santarém uma recepção verdadeiramente sensacional. Acompanhada pelo seu marido, o diplomata dominicano Porfírio Rubirosa, passeou na cidade escoltada por uma guarda de honra de campinos, entre os aplausos dos seus milhares de admiradores. Portugal, oásis de paz num mundo de guerra foi o local eleito pelo casal Rubirosa para passar a sua lua de mel. Danielle, aliás Madame Rubirosa, foi recebida como o seu talento e popularidade entre nós largamente justificam. Claro sinal de que o cinema e os seus ídolos podem contar com a fidelidade entusiástica da nossa juventude. Por isso Danielle, ecantadora e encantada, sorri de contentamento”.
De novo um casal em lua-de-mel, mas desta vez não é Lisboa, é Santarém. Ao contrário de Baker ou Harvey que fugiam da invasão Nazi, Darrieux trabalhou durante a ocupação (pelo que foi bastante criticada à época). Tendo-se apaixonado pelo engatatão Porfirio Rubirosa, diplomata da República Dominicana e conhecido pelas suas posições anti-nazis, divorciou-se do realizador Henri Decoin que a havia levado a passar por Hollywood no final dos anos 1930 onde contracenou com Douglas Fairbanks Jr. em The Rage of Paris (1938). Devido à posição agreste contra o regime Nazi balanceada pelo seu estatuto diplomático, Rubirosa foi obrigado a residir na Alemanha. Em troca da liberdade do marido Darrieux teve que participar numa viagem promocional a Berlim e os dois viveram até ao final da guerra na Suiça tendo-se divorciado pouco depois, em 1947.
Repare-se na expressão nada inocente da narração, “Portugal, oásis de paz num mundo de guerra”. Este foi certamente o propósito escondido de tantas reportagens sobre celebridades nestes anos de tumulto e privação, reportagens essas que não mais encontrariam lugar na programação da revista de actualidades depois de 1942 – tendo a revista sido exibida até meados de 1951. O Jornal Português sempre foi especialmente hábil em fazer este género de promoção indirecta do regime, evidenciando a tranquilidade e modéstia de um país que via ao longe a Europa a arder. Mas também é certo que nestas reportagens se sente o embeiçamento pelo mundo de Hollywood tanto de António Lopes Ribeiro (que o torna evidente pela sua presença em algumas das reportagens e por vários dos seus textos na sua revista Animatógrafo que não raras vezes coincidiam com os acontecimentos do Jornal) como do próprio António Ferro. É esse equilíbrio entre fascínio e propaganda que transparece ao longo destas sete reportagens. Outras cinco centenas existem nesta edição em DVD. Boa aventura.