Uma das frases que se ouve à exaustão da boca de concorrentes de reality shows é qualquer coisa como: “Eu sou frontal, eu sou o mesmo aqui ou lá fora, eu tenho sempre a mesma cara”. Esta espécie de heroísmo da transparência, percepcionado pelo “público lá em casa” como passaporte para a santidade (i.e., para o prémio monetário final), é sintomática, por um lado, da histórica sensação de artificialidade e hipocrisia da vida em sociedade (ontem como hoje, se bem que actuamente exponenciada pelos lifestyles que todos gostam de aparentar nos instagrams e derivados), e, por outro, da relação difícil dos homens com esses objectos por si criados chamados câmaras, à frente das quais inevitavelmente se transformam, tornando-se ora mais expansivos ou mais introvertidos, em qualquer caso não conseguindo deixar de se “encenar” na sua presença. Daí esse grito de guerra pela “frontalidade” e pela “transparência”, desesperada tentativa do concorrente de resistir à pressão “dramatúrgica” das objectivas. Como quer que seja, esse tipo de afirmações é, acima de tudo, uma das maiores mentiras que por aí existem: nas nossas vidas, obviamente que não temos sempre a mesma “cara”, obviamente que não somos, em todos os momentos, a mesmíssima pessoa, antes nos adaptando às pessoas e aos ambientes que experienciamos. Se agíssemos ou disséssemos tudo o que pensamos sem olhar a mais, o mundo era um lugar bem menos agradável – e bem mais perigoso.
Num ensaio académico publicado algures nos anos 90 num journal pay-per-view muito prestigiado, Jim Carrey procedeu à reformulação da famosa sentença de Ortega y Gasset: “Eu sou eu e a(s) minha(s) máscara(s)”
O presente texto foi publicado no livro de compilação O Cinema Não Morreu – Crítica e Cinefilia À pala de Walsh. Pode adquiri-lo junto da editora Linha de Sombra, na respectiva livraria (na Cinemateca Portuguesa), e em livrarias seleccionadas.