O FEST – Festival Novos Realizadores | Novo Cinema prossegue a sua programação ao mesmo tempo que vai promovendo masterclasses e workshops com alguns dos nomes mais importantes do meio cinematográfico: Joe Walker, montador de 12 Anos Escravo e Sicário – Infiltrado (22 de Junho); Scandar Copti, cineasta palestiniano (22 e 23 de Junho); William Brown, cineasta e académico (22 de Junho); Gareth Wiley (produtor de filmes da cena indie norte-americana, tendo ainda produzido quatro filmes de Woody Allen) (23 de Junho); ou Gemma Jackson, directora de arte e designer de produção (23 de Junho). Sempre no horizonte, há ainda Manuel Mozos (25 de Junho) e, claro, acima de todos, Béla Tarr (26 Junho).
Prosseguimos aqui a republicação dos textos escritos (aqui numa versão mais extensa) por Francisco Noronha para o FEST sobre alguns dos filmes em competição.
Aloys (2016), de Tobias Nölle (Competição Lince de Ouro, Longa-Metragem de Ficção) | Exibido dia 24 de junho, 21h00
Será possível que, num mundo globalizado e inundado por redes sociais, onde todos – ou quase todos – se encontram à distância de um “click”, de uma “conexão” (assim se superando definitivamente a famosa teoria dos seis degraus de separação), ainda existam indivíduos completamente à margem, vivendo como autênticos lobos solitários, loners invisíveis na grande metrópole para quem a teoria do “animal social” aristotélica não passa de uma boutade? A resposta vem, de forma tocante, no filme do suíço Tobias Nölle, vencedor do prémio FIPRESCI na secção Panorama da Berlinale deste ano.
Aloys Adorn é um detective privado que, após a morte do pai (com quem trabalhava), verá a sua solitária mas tranquila vida afectada por um acontecimento marcante. É, também, alguém que faz da sua câmara de filmar a “janela indiscreta” portátil que lhe permite, mais do que realizar o seu trabalho, alimentar-se obsessivamente da vida dos outros – como um vampiro que suga o sangue vital – para suprir o enorme vazio emocional e afectivo do seu dia-a-dia. A ausência do pai será substituída por uma nova presença, solitária como ele, a qual, num jogo do gato e do rato, lhe fará o que ele está habituado a fazer aos outros, o feitiço a virar-se contra o feiticeiro. Indesejada a princípio, porque desestabilizadora da sua rotina, essa visita inesperada tornar-se-lhe-á progressivamente querida e fonte de um re-despertar para o Outro, para a socialidade que até aí abjurara liminarmente (desde a comida para levar para casa à aversão à proximidade física com outras pessoas no elevador).
É essa passagem – como uma autêntica revelação – do Eu-individual para o Eu-com-os-outros, da Individualidade para a Alteridade, que constitui o núcleo dramático do filme, que tem no actor principal (Georg Friedrich) o extraordinário motor de uma história de obsessão e redenção. Por outro lado, o absolutamente admirável trabalho de montagem paralela (realidade, “realidade aumentada” e pura fantasia, sonhos e pesadelos, elementos em permanente comunicação, mais do que confusão) é instrumento-chave na ilustração do modo como, à medida que Aloys vai comunicando com Vera e estimulando os instintos de socialização em si adormecidos (a capacidade de ser-feliz-com-o-Outro), começa, porém, a desenvolver toda uma fantasia que, no seu desfasamento com a realidade, acaba por ser novamente uma solução a-social, no sentido em que passa de um isolacionismo solipsista para uma socialidade fantasiosa que só existe, de facto, na sua cabeça (como se tudo ficasse praticamente tal e qual como no início, Aloys isolado e a viver entre as quatro paredes do seu taciturno apartamento).
Minimalista mas muitíssimo virtuoso quer no manuseamento da câmara, quer nos décors frios e estilizados em que enquadra as personagens, Nölle esboça um poético e melancólico – que não miserabilista, contudo – ensaio sobre as nossas sociedades contemporâneas e esse seu paradoxo segundo o qual, como Werner Herzog um dia sintetizou, “A solidão humana aumentará em proporção directa ao avanço nas formas de comunicação” (e de que um filme como Her, de Spike Jonze, é outro bom ilustrativo). Que Nölle o faça com esta segurança, criatividade e estilo – nesta que é, convém lembrar, a sua primeira longa-metragem –, só diz bem da urgência em continuar a acompanhar o seu trabalho.