Geoff King é um professor norte-americano que desenvolve a sua actividade lectiva na Brunel University London. A sua área de especialização é o cinema independente norte-americano, tendo produzido vários artigos e livros sobre os modos de fazer, distribuir e ver cinema de baixo ou até de muito baixo orçamento. Nos últimos tempos, em livros como Indie 2.0: Change and Continuity in Contemporary American Indie Film e American Independent Cinema, Geoff King tem-se debruçado sobre o fenómeno do digital e a forma como as novas tecnologias têm moldado a produção e acesso ao cinema independente americano. Foi com ele que, numa ligação Skype, procurámos dar resposta a algumas das questões que iriam ser levadas à mesa LisbonTalk do dia 29 de Abril, “Um novo cinema independente norte-americano”, que contou com as participações do realizador Robert Greene [presente no festival IndieLisboa com Kate Plays Christine (2016)] e do crítico de cinema do Público Jorge Mourinha.
Luís Mendonça (LM) – O que o fez estudar o cinema independente americano?
Oh, essa é uma questão difícil de responder. Não tenho a certeza, comecei por escrever sobre Hollywood, mas talvez o cinema independente contenha filmes que me interessam mais, pessoalmente, e por isso evoluiu daí. Para ser honesto, eu tive uma reunião com um editor, com o qual já tinha publicado algumas coisas, e foi ele que sugeriu que publicasse um livro sobre o assunto. Só aí é que o meu interesse realmente cresceu. Foi uma combinação de factores.
LM – Nos seu livros refere constantemente o conceito de cinema independente sublinhando que é um termo abrangente e relativo. Qual é para si a mais completa definição de cinema independente? Ou existe sequer uma definição completa?
Não existe uma só definição. A forma como eu olho para o cinema independente é como um campo de possibilidades que não se pode resumir a uma só coisa. É uma área com várias bases diferentes nas quais se pode definir independência e com vários graus de independência entre elas. Não há nada que se possa dizer que descreva exactamente o que é o cinema independente. É relativo, com diferentes graus, diferentes dimensões. Não acho que se deva ir além disso, não se deve ser mais específico nem castrador. É algo sobre o qual as pessoas estarão sempre a discutir: para umas certo cinema é que é verdadeiramente independente e outras coisas que outras pessoas são capazes de considerar não o são realmente… O problema de definir cinema independente é algo que origina da sua própria natureza.
Ricardo Vieira Lisboa (RVL) – Em Portugal temos um festival de cinema chamado IndieLisboa que, como o nome indica, é dedicado ao cinema indie, ao cinema independente. E todos os anos há uma programação vasta de cinema independente norte-americano. Este ano o Herói Independente do festival foi Paul Verhoeven e a organização foi criticada pelo facto de este ser um realizador que não reflecte imediatamente a ideia de independência. Crê que o conceito de cinema independente é um que é melhor utilizado no seu próprio auto-questionamento?
Sim, acho que essa é uma boa forma de formular a questão. Qualquer ideia de que existe uma forma de independência pura é uma ilusão. Uma ilusão que é central à natureza do território. Por isso, há pessoas que dirão que o Verhoeven não se qualifica como independente porque fez filmes em Hollywood. É aqui que se encontra aquilo que é verdadeiramente interessante na noção de independência: o facto de ser sempre algo contestável, algo sem essência. Lá porque algo está sempre a ser posto em causa não quer dizer que não exista, não quer dizer que não seja real. Não importa que não haja uma essência pura. Além disso, é um termo com grandes conotações, muitas vezes negativas (tanto implícitas como explícitas), que implica sempre a existência de um outro, aquilo do qual se é independente. É um termo que está preso nestes emaranhados relativos. O caso do Verhoeven é interessante porque ele é um caso de fronteira, dependendo por isso muito do contexto do qual se olha. Não seria uma pessoa que integraria o programa curricular de uma cadeira de cinema independente de uma forma óbvia.

LM – Pensando agora a questão da independência ligada à noção da liberdade do realizador. Sabemos que alguns dos momentos mais inovadores e transformadores na história do cinema aconteceram no núcleo industrial de Hollywood. A política dos autores está repleta de exemplos de realizadores que trabalhavam sob o ditame dos estúdios da Hollywood clássica e ainda assim conseguiam fazer coisas extraordinárias. De que forma devemos pensar a criatividade como algo que é dependente da liberdade de acção?
A minha resposta terá que ser que não existe isso da liberdade total de acção quando se está a trabalhar na criação de algo remotamente reconhecível: terás sempre que recorrer a técnicas familiares, ou trabalhar contra elas. Ainda assim, o tipo de liberdade que se tinha em Hollywood era muito controlada, é algo que se funda na capacidade de um realizador fazer as coisas à sua maneira baseadas na sua carreira, no sucesso que obtiver e desde que não faça nada muito selvagem, louco ou diferente. As formas como um realizador na era clássica conseguia afastar-se das normas são algo limitadas. Em quem é que estás a pensar que tenha feito algo radicalmente diferente no estúdios clássicos de Hollywood?
LM – Estávamos a pensar nos exemplos de Otto Preminger, Douglas Sirk e outros que de certo modo interpretaram o estilo de Hollywood como um menu. O David Bordwell faz esta distinção: para ele o estilo clássico é menos uma lista de obrigações e mais um menu. Há um conjunto de soluções e pode-se escolher. É menos a repetição do mesmo e mais a constante variação das soluções tradicionais. Concorda com isto?
Sim. A forma de encontrar uma marca autoral num realizador clássico prende-se à ideia de que eles optam por certas solução sistematicamente. No entanto, apesar das várias opções das quais se poderia escolher, existe uma infinidade de variações que ainda são clássicas. Penso que quando se está à procura de inovações mais significativas que se afastam substancialmente da norma não as encontrarás em Hollywood, ou então muito raramente. Assim no sector do cinema independente norte-americano, ou no sector do dito cinema artístico quando nos referimos ao cinema internacional, consegue-se maior liberdade para fugir às normas clássicas. Um exemplo é o cinema de planos extremamente longos, ou como lhe chamam agora “Slow Cinema”, que é algo que nunca se poderia fazer no cinema de Hollywood. Há uma forte correlação, ainda que não seja absoluta, entre estilo fílmico e posição industrial, por exemplo.
RVL – No entanto, é sabido que os realizadores dos estúdios B na Hollywood clássica tinham muito mais liberdade que aqueles que trabalham nos grandes projectos de prestígio. De certo modo, vejo essa segmentação como aquela que acontece hoje em dia com os pequenos estúdios dedicados ao cinema independente norte-americano dentro dos grandes estúdios. Concorda com a comparação?
Sim, até certo ponto. Não sou um especialista nos filmes de série B da Hollywood clássica. Parece-me que, ainda que tivessem mais liberdades, também estavam restritos a orçamentos diminutos a tal ponto que as preocupações de inovação formal não eram o principal objectivo. Aí creio que é bastante diferente das secções especializadas dos estúdios contemporâneos, já que estas estão orientadas no sentido de produzir filmes que reivindicam uma caché artístico.
Um dos problemas que complica a questão do cinema independente, especialmente nos EUA, é que se podem identificar dois tipos principais de cinema independente: depois da época clássica dos estúdios tens filmes que foram feitos como filmes comerciais de géneros com baixos orçamentos (o que é muito diferente da ideia arty dos filmes indie), depois há ainda os filmes resultantes das já referidas divisões de especialidade dos grandes estúdios (ainda que várias tenham fechado nos últimos anos, todos os grandes estúdios tiveram entre o final dos anos 90 até meados doa anos 2000 uma dessas divisões) que tendem a focar-se nos filmes artísticos e de prestígio, sendo que também aí existem por vezes divisões especializadas no cinema de género. Por exemplo, a Miramax da Disney, que inclui a Dimension Films, faz filmes de terror muitas vezes mais lucrativos que os filmes da Miramax. A separação dessas divisões é muito interessante pois representa a partição que existe no cinema independente, de modo a que o caché cultural da Miramax não seja contaminado pelos filmes de terror. Creio que esta divisão dentro do cinema independente – entre o pendor cultural e o pendor de género – reflecte melhor esse paralelismo com o filme de série B, porque os filmes de género de produção independente são essencialmente objectos comerciais com menos pretensões culturais.

LM – Ainda não falámos do termo “Indiewood”. Pode-nos resumir em que consiste este conceito e de que modo ele se relaciona tanto com o cinema independente como com o cinema mainstream?
“Indiewood” consiste numa área de sobreposição entre o cinema independente americano e Hollywood, uma área com um pé em ambos os territórios. Eu lecciono um curso sobre cinema de Hollywood e outro sobre cinema independente e em ambos abordo a questão do “Indiewood”. A sua mais óbvia forma são as divisões especializadas, que foram criadas pelos estúdios de modo a poderem explorar o sector independente. Quando alguns filmes independentes tiveram enormes sucessos de bilheteira com orçamentos muito reduzidos, os estúdios, sem surpresa, quiseram uma fatia desse bolo. Estas divisões tinham, por norma, um grau mais elevado de independência do estúdio e da empresa proprietária, independência que variava de caso para caso mas que tanto podia consistir num tecto orçamental sob o qual havia liberdade de produção, ou de modo diferente, um tecto orçamental até ao qual a divisão podia comprar filmes sem necessidade de aprovação do estúdio.
Muitas pessoas têm desconfianças sobre esta área porque para elas qualquer ligação a Hollywood constitui uma perda de independência, já que nos EUA a ideia de independência é exactamente não haver ligação a Hollywood. A expressão foi cunhada originalmente, creio eu, como descritiva de uma forma de abuso: ‘não é indie, é indie-wood’. Estas divisões foram criadas de formas diferentes, umas, como o caso da Miramax, resultou da compra da Disney, outras formaram-se por agregação de várias pequenas produtoras independentes. Em 2008, houve uma pequena derrocada nesta área e especulou-se sobre o fim do “Indiewood”. Eu não partilho dessa opinião. De qualquer modo, hoje em dia há fundamentalmente três: FoxSearchligh, Focus Pictures (da Universal) — ambas muito proeminentes e envolvidas em filmes indie mainstream que muitas vezes concorrem ao Oscars, por exemplo — e a Sony Picture Classics, que sendo muito pequena é aquela que preserva mais a sua vertente original para filmes de baixos orçamentos e cinema artístico internacional. O “Indiewood” é fundamentalmente definido institucionalmente por estas três entidades.
Outra questão, mais complexa, passa por identificar um estilo “Indiewood”, mas aí as fronteiras que já eram vagas tornam-se ainda mais. Ainda assim, parece-me que muitas vezes resultam de uma mistura entre o cinema mainstream e o cinema independente, já que estamos a falar essencialmente de longas-metragens comerciais de ficção. Todos esses filmes dispõem-se em contínuo entre os dois extremos do espectro. Assim, o “Indiewood” é uma zona de balanço sem fronteiras definidas com um pendor ligeiramente mais mainstream, com orçamentos ligeiramente mais elevados, frequentemente com estrelas de Hollywood e tirando muitas vezes partido dos géneros.
RVL – Há outra questão que acabou de abordar que se está a tornar cada vez mais recorrente no “Indiewood”, mas não só, que é a necessidade de escolher actores conhecidos para assegurar o financiamento. Acha que o cinema independente está cada vez mais refém deste poder das estrelas?
Não, nem por isso. O que aconteceu nos anos 90 foi que parte do cinema independente se inclinou mais para o mainstream escolhendo actores mais conhecidos e obtendo assim orçamentos mais significativos. E foi exatamente isso que deu origem ao “Indiewood”. O problema é que, com um mercado tão saturado por tantos filmes, o marketing tem cada vez mais importância e, como tal, há um certa tendência para escolher caras conhecidas. Mas também depende muito do que olhas, ainda há vários filmes muito pequenos de realizadores desconhecidos. Acho que há uma tendência para generalizar e simplificar que não favorece a compreensão do território. Há muitos filmes de baixo orçamento feitos com câmaras vídeo que certos académicos não consideram por utilizarem o termo indie como diminutivo de “Indiewood” e, como tal, só considerando filmes com forte potencial comercial. Há filmes que preservam um certo nicho como o que acontecia nos anos 80, filmes de um realismo áspero.

LM – Como acabou de referir, as linhas entre Hollywood e o cinema independente estão cada vez mais turvas e há o receio que cada vezes mais os filmes dependam de actores conhecidos e do marketing. No seu livro New American Independent Cinema coloca a questão: “seriam filmes como Poison (Veneno, 1991) e Slacker (1991) capazes de atingir visibilidade hoje em dia, recebendo a atenção dos festivais, da crítica, da distribuição e do público?” Sinto nesta pergunta uma desconfiança em relação ao caminho que o cinema independente norte-americano vem tomando.
Não, não é assim que eu vejo. É mais uma questão retórica. E creio que essa ideia está envolta num sentimento nostálgico sobre o que aconteceu nos anos 90 como algo que não se repetiria hoje em dia. Mas na verdade muitos filmes dessa altura não conseguiram qualquer tipo de visibilidade. O verdadeiro problema passa pelo facto de nessa altura, como hoje, existirem imensos filmes que nunca ninguém chega a ouvir falar. É fácil fazer uma afirmação dessas, mas esquece-se que há vários filmes importantes e inovadores que atingem sucesso de crítica e público nos dias de hoje. São uma minoria, mas provavelmente sempre o foram.
Concordo que é mais complicado de alcançar, por exemplo, uma distribuição comercial nas salas da qual se obtenha lucro. Por outro lado, os filmes micro-budget conseguem talvez uma distribuição na televisão ou online que eram soluções que não existiam na altura. Além disso, nos anos 90 um filme ultra-low-budget era, no mínimo, um filme de dezenas de milhares de dólares e isso subia para as centenas de milhar se se queria o filme distribuível. Hoje em dia, com o digital, consegues um filme distribuível por uma fracção ínfima disso. Não quero dizer que daí provenha qualidade. Provavelmente até não será o caso, já que como é tão fácil fazer um filme muitos mais são feitos. Isto para dizer que se, de facto, há coisas que se tornaram mais complicadas, tantas outras são agora muito mais fáceis. Ou seja, é muito mais fácil produzir-se um filme que consegue entrar no circuito dos festivais e ser exibido em salas dedicadas ao cinema de arte, o que é difícil hoje é tornares-te notado, a promoção e as vendas são agora mais complicadas.
LM – Estamos a falar de produção e distribuição. Mas no seu livro também aborda a questão do cinema independente como forma. Afirma que vários filmes independentes têm um componente social forte. Mas estava a pensar, por exemplo, que há certas recorrências temáticas e narrativas: é muito comum encontrar filmes independentes sobre homens infantis que têm que lidar com a sua incapacidade de crescer e enfrentar as responsabilidades da idade adulta. Filmes de Stillman, Anderson, Baumbach, Swanberg e os Irmãos Safdie têm características destas. Acha que devemos olhar para estes filmes como uma colecção de sintomas relacionados com as doenças mentais e espirituais que afligem gerações diferentes? Ou não concorda com este tipo de categorização; que haja esta vontade de retratar uma geração?
Sim, acho que essa é uma moldura temática muito útil para pensar certos filmes. Um bom exemplo que mencionaste foi o Joe Swanberg e todo o movimento do mumblecore. Acho que a questão geracional está lá, se olhares para grande parte dos filmes do mumblecore vais encontrar um mesmo espaço social, o que é criticado por certas pessoas por ser quase exclusivamente classe média branca norte-americana. Mas é o que eles são. Acho apenas que por vezes se exagera na forma como os filmes são muito específicos da sua geração e não de outras. Por exemplo, é assim tão diferente a experiência do mumblecore daqueles que foram os filmes dos inícios dos anos 90, Slacker e esses filmes? Sim, em certas especificidades (as tecnologias da comunicação que não existiam há 20 anos e a sua influência da falta de comunicação entre os personagens), mas creio que não é incorrecto fazer essa leitura geracional.
RVL – Concorda, então, que as questões de produção se manifestam em termos narrativos, mas o caso do mumblecore também reflecte a influência dessas condicionantes de um ponto de vista estético e formal. São filmes muito característicos, filmes com câmaras de vídeo caseiras de baixa qualidade, com muito grão e uma imagem lamacenta.
Mais ou menos, há vários estilos diferentes. Depende de quem se olha. Aaron Katz é muito mais estetizado que por exemplo o Swanberg, que filma com câmara à mão, muito perto e muito desfocado, perseguindo personagens e perdendo os enquadramentos. Há alguma variedade. Logo quando o movimento começou, salvo erro em 2005 no Festival de Austin, o estilo bamboleante do Swanberg era muito diferente da câmara fixa dos primeiros filmes do Bujalski a pender mais para o classicismo. O que os aproxima é o facto de terem sido pioneiros dos filmes ultra-low-budget, os primeiros a distribuí-los online ou a trabalharem uns com os outros.

RVL – Referiu o Bujalski que filma em película. É curioso que filmes com orçamentos tão curtos filmem em película quando os filmes de milhões de dólares dos estúdios já fizeram quase todos a transição para o digital. Além disso, quando me parece que Hollywood tem cada vez menos cinema de género, surgem cada vez mais filmes de terror ou comédias românticas independentes. Acha que existe esta intenção de responder à indústria?
Não concordo exactamente com esses exemplos. Para um filme de muito baixo orçamento é muito difícil filmar em película, porque é muito caro e aumenta imenso os custos por oposição às camara baratas que temos hoje à mão e que depois se ligam directamente ao computador onde fazes a montagem. Passar à película aumenta brutalmente um orçamento em termos de produção e pós-produção. Creio que há uma série de realizadores que gostaria de trabalhar com película, mas não tem como. Talvez o venham a fazer caso obtenham algum sucesso, mas não vejo isso como um movimento reactivo, simplesmente por causa dos custos que estão envolvidos.
Em relação à questão dos géneros, também não estou muito convencido que tanto Hollywood faça menos filmes de género como o cinema independente tenha mais filmes de género. Aliás, o cinema de género foi algo com o qual os realizadores independentes sempre trabalharam, com ou contra, ou entre os dois. O cinema de género é uma óptima ferramenta para marcares a tua diferença na forma como o invertes. O que não implica necessariamente uma inovação. Por exemplo, há uma série de exemplos de comédias românticas independentes muito convencionais em que a única diferença é a orientação sexual dos personagens, gays ou lésbicas. Mas também há filmes formalmente interessantes como Go Fish (1994), que é uma comédia romântica alternativa por ser com um casal de lésbicas, mas ao mesmo tempo é muito indie também nas suas soluções formais e no seu estilo. Acho que descrever reacções generalizadas desse tipo é perigoso, porque é impossível de identificar uma origem e tende a ser uma afirmação demasiado genérica para ser substanciada. Ainda assim, a história do cinema independente norte-americano é uma de constantes reacções aos estúdios, uma relação simbiótica.
RVL – Falou há pouco do trabalho em conjunto. Existem os casos de Ti West, Joe Swanberg e Adam Wingard ou Campos, Durkin e Josh Mond. Eles trabalham à vez, produzindo, realizando, montando e por vezes até actuando nos filmes uns dos outros. Vê nestes sistemas de produção um mecanismo de defesa para preservar a independência?
Sim, mas acho que é mais uma coisa prática. O apoio mútuo é sempre bom, aposto que trabalham uns com os outros gratuitamente ou por muito menos dinheiro, por isso é também uma necessidade prática. Mas também passa por ser um grupo de pessoas que trabalham juntas, amigos que se ajudam uns aos outros, é algo muito saudável. É uma escolha muito pragmática quando se está a fazer um filmes com recursos escassos. Além disso, há a questão de que com filmes de muito baixo orçamento muitas vezes acontecem nas mesmas zonas, porque há um grupo de pessoas de certa região ou localidade que forma uma comunidade com conhecimentos técnicos preciosos. Por exemplo, no Oregon há uma comunidade dessas onde trabalha a Kelly Reichardt.
LM – Os seus livros falam também da difícil arte de vender um filme. Nos dias que correm, numa sociedade saturada pelos media, a Internet é uma ferramenta importante para promover um filme. Ao mesmo tempo, é um magma incontrolável de informação. Quais são, a seu ver, os maiores obstáculos do cinema independente contemporâneo ou, como lhe chamou, “Indie 2.0”?
Penso que é importante reforçar que os métodos de promoção nas redes sociais que refiro nesse livro resultam muito dos ensinamentos do Marketing 2.0, que pretende alterar a publicidade de algo que interrompe o fluxo da tua atenção para algo com o qual te queres envolver e para o qual queres contribuir. Há, claro, o problema de chegar a essas pessoas e de como concorrer com as restantes campanhas. Mas uma coisa que o cinema independente tem a seu favor é o facto de ser uma área em que mais facilmente há um envolvimento e um interesse do outro. Por ser algo a uma escala pequena, cria-se um grupo de pessoas que partilham um interesse. Quando grandes empresas tentam recorrer a este método, o resultado não é famoso. Por outro lado, da mesma forma que uma pessoa pode seguir esta estratégia, qualquer outra pessoa pode fazer o mesmo. Por isso, é importante fazer este tipo de marketing bem, saber o que se está a fazer. Tornar-se viral é o santo Graal. Há técnicas para criar conteúdos virais, mas é acima de tudo uma rasgo de sorte arbitrário. A grande coisa de se seguir esta estratégia online é o facto de que o podes fazer quer tenhas sucesso ou não. Antes de haver Internet de banda larga os canais eram muitos mais reduzidos, e caso não conseguisses um distribuidor e uma selecção para um festival as tuas hipóteses eram poucas.
No entanto, é importante não esquecer, e é um argumento que eu friso no livro, que o “Indie 2.0” trata essencialmente de mudança e de continuidade. Isto é, mesmo que recorras às estratégias das redes sociais, é fundamental não esquecer os elementos tradicionais: uma boa crítica, uma selecção para um festival importante, um distribuidor para uma distribuição, mesmo que pequena. Porque, apesar de tudo, o nosso sistema ainda é antigo e em muitos casos só vais ter criticas se houver uma distribuição comercial, mesmo que a pagues tu mesmo. Porque uma distribuição online em streaming ou vendendo DVDs online só funciona se houver esse primeiro passo, por vezes até acontece logo após a estreia no festival. Assim, os métodos antigos e novos combinam-se.

RVL – Tem me parecido que com a redução dos custos de produção, têm surgido mais filmes experimentais ou avant-garde dentro do modelo do micro-budget. Por exemplo, há pouco tempo aconteceu uma distribuição online conjunta do Hit 2 Pass (2014) de Kurt Walker e do Here’s to the future (2014) de Gina Telarolli. Estes são filmes que têm apenas a possibilidade de ser exibidos em festivais e que nunca terão uma exibição comercial, mas, por outro lado, têm uma base de interessados online muito significativa, como a Mubi, que é também uma empresa de streaming.
Sim, tudo isso é óptimo se não quiseres ganhar dinheiro nenhum… Historicamente, os filmes avant-garde sempre foram criados sem orçamento ou com orçamentos muito baixo, filmados em 8mm… E o local onde vias esses filmes eram os festivais especializados, museus ou galerias. Daí que a exibição online permita uma maior circulação deste tipo de filmes e, por isso, certos filmes clássicos do movimento avant-garde são mais vistos hoje do que na altura em que foram criados. Claro que alguns cineastas recusam o digital e estão muito apegados à celulóide. Mas este é um reino artístico sem expectativas de lucro e com uma audiência que é, apesar de tudo, muito reduzida. Além do mais, muitos realizadores avant-garde não ganham a vida como realizadores, tendo outras ocupações. São académicos muitas vezes. No entanto, para mim, o indie não inclui o avant-garde. Poderia, sim, ser incluido numa definição mais larga de independente. Para mim, o indie são essencialmente filmes de longa-metragem de ficção cujos feitores têm o objectivo de ganhar a vida com esses trabalhos, e essa é a parte complicada. O Joe Swanberg está a fazer uma série de filmes e a distribuí-los online, mas não é, definitivamente, um modo de vida confortável. O recurso às redes sociais e à distribuição online ainda não é suficiente.