Bastam uns minutos desta biografia-homenagem que Herzog quis fazer à escritora, espia, arqueóloga, Gertrude Bell para nos perguntarmos: o que se terá passado com o autor destas palavras? Se na altura os pássaros na selva não cantavam mas guinchavam de desespero, agora, nesta viagem poética pelas Arábias, há leõezinhos fofos nas mãos do Lawrence da Arábia em versão Robert-ridículo-Pattison, camelos voyeurs que observam Nicole a fazer a cena que tanto pediu a Herzog para que acontecesse (banhar-se ao crepúsculo no deserto) ou cisnes tristonhos antes os desgostos amorosos da nossa heroína britânica. Depois de dois anos a realizar a série de documentários televisivos On Death Row (2012-2013) dá para perceber que Herzog precisava de descomprimir, de umas férias. Abre-se assim o seu período “rosa”, isto é, filmes que doravante diz querer continuar a fazer com protagonistas femininas.
E se é férias é preciso levar os miúdos, e há tendas e é a maravilha de não ter de ir todos os dias para o estúdio filmar. Pelo menos isso é o que diz Nicole Kidman do projecto. E lá se faz o raccord entre férias pagas e a “aventura do cinema”, como diria o outro. Férias também porque, apesar de Herzog se poder muito bem ter fascinado pela figura de Bell – sobretudo pela forma como ela se torna rainha sem rei (ou rainha de um espaço árido, o deserto) -, raramente preocupação existe em sair do contorno boçal ou generalista. Bell tinha um interior revolto, motivado por dois desgostos de amor que a impeliram no caminho de um “amor” pela terra. Mas na fabricação desse desgosto, por um desejo frustrado, nunca se vai além do flirt meio adolescente com um diplomata, com James Franco a fazer truques de cartas (os truques com o taco ficam por mostrar) e a dar-lhe o velho símbolo do amor (uma moeda partida ao meio). Mais tarde, o amor que lhe advém por um oficial britânico casado é súbito, quiçá motivado pelas escaldantes areias do deserto (ou pelo árido argumento).
Talvez por esta camada poético-light Queen of the Desert sinta a necessidade, inconsciente ou não, de convocar muitos autores como Virgílio, Platão, Baudelaire, Rimbaud… Tudo em vão.
Sobre as suas expedições, trabalhos de reconhecimento do povo beduíno e de exploração arqueológica (a segunda metade do filme) diga-se a verdade: a de que mais vale ler um bom artigo da Wikipedia sobre Gertrude Bell. Pois o que Herzog filma, em Cinemascope pela primeira vez na sua carreira, são as viagens de dromedário em postalinho suspirante, e, em formato repetitivo (como se fosse quase uma fábula, na sua ausência de detalhe além da súmula moral), as chegadas e breves encontros com os vários líderes das regiões que visita. Tudo muito igual, anódino e anónimo. Podia ainda ter-se a boa vontade de falar de uma certa relação labiríntica com o espaço (como espelho distorcido de uma clarificação interior) mas isso seria ver o que não faz parte do filme. O que faz de facto são as frases poéticas que ameaçam perpetuar-se para sempre na mente de quem as ouve (e pelas piores razões). Apenas uma, para se perceber já: “My heart belongs to no one now but the desert.”, diz Bell, aliás Nicole Kidman, a tentar sentir extrema tristeza pela perda do seu mais-que-tudo.
Talvez por esta camada poético-light Queen of the Desert (Rainha do Deserto, 2015) sinta a necessidade, inconsciente ou não, de convocar muitos autores como Virgílio, Platão, Baudelaire, Rimbaud… Tudo em vão. Como não lhe quero ficar atrás termino citando Heidegger, numa das suas frases mais famosas. Depois deste filme, “only a god can still save him.”