Introdução à Segunda Temporada dos Filmes Fetiche
https://vimeo.com/182343047
Em 1963, numa produção da Metro-Goldwyn-Mayer, o norte-americano Robert Wise realizou The Haunting (A Casa Maldita) no Reino Unido, filme de terror sobrenatural em que um investigador convida um grupo de pessoas para estudar fenómenos paranormais numa casa senhorial com um longo historial de acidentes mortais, cuja explicação escapa à ciência. Eleanor, uma das convidadas interpretada por Julie Harris, é colocada no centro de uma espiral febril que lentamente vai suprimindo a linha ténue que separa o fenómeno paranormal do transtorno psicológico.
Na mansão, Eleanor atravessa corredores e quartos encontrando por detrás de uma porta, Theodora (Claire Bloom), personagem sexualmente desinibida, em aberto contraste com a sua inexperiência. A sofisticação da personagem de Claire Bloom é marcada desde logo no genérico, em que é o único elemento do elenco a ver referida a griffe do seu guarda-roupa, desenhado pela ousada Mary Quant. Robert Wise conta que teve de cortar uma cena do início do filme para não tornar explícita a orientação sexual de Theodora, o “erro da natureza” de que a acusa Eleanor.
Onze anos depois, em 1974, José Ramón Larraz, conhecido pelas suas incursões por territórios da exploitation, realiza Symptoms também no Reino Unido, registo onírico de grande contenção visual e que foi seleccionado para o Festival de Cannes como representante oficial da Grã-Bretanha, facto que criou celeuma no meio cinematográfico local. Ironicamente, Symptoms é também o filme do espanhol Larraz que se posiciona como herdeiro de uma certa tradição gótica tão reclamada pelos britânicos. Antes dos créditos, a voz off de Hellen (Angela Pleasence) remete para a predestinação da personagem de Julie Harris em The Haunting. Há uma fusão comum entre as duas personagens e os espaços que as moldam. Ambas vivem arredadas do mundo, cercadas pelas memórias vivas dos espaços que as consomem como parasitas.
Podemos estabelecer uma série de vasos comunicantes entre os dois universos e, por conseguinte, entre as personagens, como se Hellen mais não fosse que uma tradução de Eleanor, separadas por onze anos de transformações radicais na representação da sexualidade e na acção da censura. Se nos encadeados entre os dois filmes, por se tratarem de diferentes tipos de cor e de formato de tela, a sua estranheza reforça a distância temporal e aspectos da evolução tecnológica, também criam outras formas de composição próximas de um cinema mais experimental.