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Noites Paraguaias: Um realismo sem fronteiras

De Luiz Soares Júnior · Em 1 de Outubro, 2016

Un être privé de la fonction de l’irréel  est un névrosé aussi bien que l’être privé de la fonction du réel.

Gaston Bachelard, L’air et les songes

Que bom se a gente pudesse arrancar do pensamento

E sepultar a saudade na noite do esquecimento

Mas a sombra da lembrança é igual à sombra da gente

Pelos caminhos da vida, ela está sempre presente

Tião Carreiro e Pardinho, A mão do tempo

Mas a reiteração da vida por si mesma permaneceria desesperada sem o simulacro do artista que, ao reproduzir este espetáculo, chega a liberar a si mesmo da reiteração

Pierre Klossowski

Noites Paraguaias (1982) é um filme que, na contramão de nossos tempos e olhos desencantados, é prenhe de aura, mas a operação empreendida em direção ao numinoso tem na infra-estrutura do detalhe realista o seu núcleo. E o numinoso agora – para esta arte materialista, que só pode conceber o divino como o demoníaco sob a intercessão dos gestos, dos ritmos, da Gesta de suas criaturas – não é exatamente aquilo que é digno de unção e culto, mas um divino faceiro, divertido, diferido, que convoca os seus adoradores para dançar e flertar com o mundo vigente. O seu lugar é  o afresco rapsódico, o music hall de fronteira, o esquete carnavalesco (o diabo que toca trompete), o happening de rua, o improviso de beira de porta e bar, a diatribe bêbada, a cantada chistosa. A linha reta “de fundo” de uma narrativa sóbria e empenhada em descrever um itinerário mortificante de fatura sócio-econômica do personagem de Osmar Afrísio (pobre, desempregado, exilado: Outro) é desviada/desregrada por estes intermezzi de canto e de teatro, que retiram a fórceps o seu percurso do regime infra-estrutural da Necessidade – o mundo do trabalho, é claro, mas também das “imagens servis” da narrativa clássica, em que todo elemento de composição do filme deve servir a um fim e adequar-se a uma totalidade: compositio.

E para onde vamos, então? para um regime de Gratuidade ou desperdício digressivo, regido pela vinheta, no qual as ações são freqüentemente extraviadas de seus telos e “acabam” parando a meio-caminho, fascinadas e fascinantes pela obtusa natureza de seu ser-aí; para onde o décor é um espaço-tempo casual, mas agora para instantes privilegiados de inervação aurática: como em Le pont du Nord (1981), Porto das Caixas (1962) e Out 1 (1971), o realismo de base lumièriano não é entrave, mas  a plataforma indispensável para  a fabulação, a mise en scène, o trabalho da mais-valia do significante. É deste entrechoque produtivo entre o olhar que registra e o olhar que maravilha que um filme nasce diante de nós, consignando ao mesmo tempo o seu processo de captura do real (plano sequência e locação, lição moderna), como também o processo fascinatório correlato de inscrição das construções subjetivistas que diferem ou amplificam este mesmo real, abrindo-o às escaramuças da rapsódia mas também à enlevação do canto e à brochada do Verfremdungseffekt paródico: um grande filme de registro de um grande filme inventado, com direito ao Paraguais e aos Brasis de escritura que nosso imaginário engendra, no exercício exuberante de seu gênio fabulístico; ao valor de troca do mundo do trabalho e da narrativa teleológica, substitui-se o valor de uso do mundo brincante e o valor de exposição do universo especular, onde cada plano, em sua frontalidade adstringente, vem nos revelar a geografia humana sob sua figuração fantasista- e que melhor testemunho sobre o significado espiritual do real senão o canto, o romanceiro, a paráfrase de um corpo humano que encarna a imemorial arte de contar histórias? Desde o zoom sobre o homem que reconta sua lida à janela até os melômanos e mitômanos repentistas, Noites Paraguaias só conhece uma forma de nos dar uma lição sobre a “geografia da fome” , verdadeiro nó górdio de ligação e fixação da alma latino-americana: contar e cantar.

A fascinação de que o filme de Raulino não pode abrir mão, sob o risco de soçobrar no naturalismo ou elevar-se desmesuradamente às alturas estéreis do simbólico, não é, como no classicismo, um efeito de um escamoteamento do aparato de produção das imagens, mas justamente o contrário: uma insistência resiliente da práxis de processos encantatórios, de cenas entre operísticas e rancheiras, de piadas saborosas e corpos seduzidos pelo enleio especular de sua interação com o Outro e sob o melo-dramatismo da música, tão presente no filme. Neste sentido, não temos o direito de invocar dois regimes de signos e de cena, mas sim de uma vista sintética; aqui, não se opõe o realismo analítico cujas origens, convencional e um tanto arbitrariamente, se atribuem ao cinema de Lumière, e para efeito de contraposição a féerie trascendental-imaginativa dos palcos de Méliès.

Podemos e devemos falar antes sobre Noites Paraguaias em um supra-realismo no sentido entendido pelos surrealistas e por Clément Rosset, filósofo trágico, quando em suas Fantasmagorias assevera que não é o imaginário que se opõe ao real, mas o ilusório. A démarche imagética do surrealismo, de que Noites Paraguaias pode ser considerado um vértice caboclo, com a verve e a glosa humorísticas típicas de nossa Gesta e nosso cancioneiro, aprofunda o realismo “documental “- seus collages, seus happenings – , ao anexar a este as instâncias do onírico e do imaginário, que são tão reais quanto nossos encontros gregários ou trabalhos consuetudinários: o homem, como todo o inanimado e alimária, é parte constitutiva do real. Por que então castrar o sonho e o delírio que nele jazem? Assim, podemos pensar aqui em um super-realismo, na medida em que agora temos acesso, nas fantasmagorias fantasistas encenadas de Raulino como em suas notações documentais, a um homem total, habitante de um mundo total: onírico e prático, plano sequência e frontalidade expositiva, especular e expectante.

Ao acordar de um sonho, um amigo fala para o outro que as coisas no sonho são mais transparentes, porque as vemos como são; claramente se reivindica para o sonho um papel de vetor realista de presentificação do real, um souci de réalisme que só atribuímos com facilidade às operações prático-inertes da vigília, mas que Noites Paraguaias, com um humanismo não despido de ironia trágica – os sonhos estão “tão aí” quanto um ato de fala ou o entoar de uma cançoneta, mas permanecerão mudos se o homem não achar uma linguagem que os traduza para o real-real – solicita para a interpelação onírica e delirante. O realismo, entendido classicamente como o refúgio da transparência clássica, teve suas fronteiras ampliadas desmesuradamente pelo cinema moderno: o “neo-realismo espiritual” dos filmes de Rossellini com a Bergman integra a seus domínios de investigação do real a interioridade paranóica ou assombrada (La paura, Stromboli) do kammerspiel existencial e da parábola mística: O real siderado pelo sujeito. Por que não também pensarmos o real sob uma Figura mais coalescente e flexível, à medida de suas realidades paralelas como eqüidistantes, a saber: divagado pelo sonho, ironizado pelo clin d’oeil chanchádico, a paráfrase e a paródia? A grandeza do filme de Raulino é produzir um reino de indiferença destas dimensões: entre um contracampo e outro, o sonho se infiltra, mas sem dizer-se sonho, ou só a posteriori : as galinhas fantasiadas, de que só percebemos a situação onírica no contracampo que nos mostra um personagem acordando; ou a féerie habita o mesmo espaço da paquera casual no bar, como se o ego e o inconsciente do plano esposassem agora uma mesma camada: quando a câmera se afasta e percebemos que a coisa agora se adequa à palavra, já que o humorista nos confidenciara que o bicho estava à solta, e no espaço circular entreaberto pela recuada da câmera vemos que no baile ao redor do casal todos os cavalheiros usam máscaras de bicho.

Tudo é possível, e aqui mesmo, neste hic et nunc de subúrbio, de favela, de centro de São Paulo: um negro toca piano (Chopin em off) na caixa de papelão de um prédio em construção – e por que não? Entre o possível e o atual, um plano de cinema urde uma trama sub-repticiamente solidária, pois a imagem, em sua virtualidade, é porosa tanto ao mostrado como ao sonhado (fora de campo, fora de quadro), e o homem total, “supra-real”, habita simultaneamente estes dois homens. Aliás, a allure proletária decidida do décor de Noites Paraguaias não aponta justamente, nesta plenitude atulhada de vacância que os subúrbios brasileiros nos oferecem, para um vazio ideal à confecção de um espaço de Jogo, de reinvenção fantasmática, de práxis imaginária? Onde um homem supra-real, holístico e onívoro de figuração, tem enfim espaço para desfilar suas personas como consumar seus delírios (tremens)?

“(…) a imaginação não se contenta em dar, na ausência de um objeto em particular, este objeto, ou seja: sua imagem; seu movimento é o de perseguir e tentar exprimir esta ausência em geral e não mais, na ausência de uma coisa, esta coisa, mas através desta coisa ausente a ausência que a constitui, o vazio como meio de toda forma imaginada” (Blanchot, La part du feu). A vacância do subúrbio da cidade encontra aqui a vacância do deserto, na leitura/visualização de Vidas Secas (1963); uma mesma experiência metafísica de “vacância” Revelada se articula aqui: são os baldios do subúrbio que melhor revelam as verdades do centro (sociais como afetivas: prenhes de alegorismo como de fantasma e fanfarra lumpens), assim como a noite transfigurada do sonho é o grande révelateur do Desejo latente da vigília.

O filme de Raulino é vertiginoso porque não exclui nada do que pode ser convocado para circunscrever o cinema como este espaço de vacância ilimitada mas centrífuga, onde todos os jogos são desejáveis, os itinerários e os desvios de rota como atalhos: sobretudo as margens devem falar – do inconsciente como da periferia – , pois o homem supra-real deste realismo sem fronteiras sabe corresponder a uma démarche política de resistência, onde imagens como homens in extremis  e “em trânsito”são os mais adequados para demonstrar o significado da experiência do front, já que, como pensou Marx, os proletários são a classe com maior potencial revolucionário: aqueles que, por nada possuírem, a todas as máscaras estarão disponíveis, lugar de um valor de uso radical, part maudite da unívoca cena clássica.

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Luiz Soares Júnior

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