Andrea Arnold, Bertrand Bonello, Paul Verhoeven, Jean-Pierre e Luc Dardenne, Wim Wenders, Andrew Dominic, Lav Diaz, Tom Ford, Kelly Reichardt, Cristian Mungiu, Mel Gibson, Asghar Farhadi, Bruno Dumont, Alain Guiraudie, Jim Jarmush x 2, Kusturica x muitos, Godard x 105. Tudo isso já se conhece. Chamo a atenção para dez títulos que talvez tenham passado ao lado do espectador menos atento. Boa sorte na avalanche.
Blue Velvet Revisited (2016) de Peter Braatz
Este parece ser um excelente extra de DVD: uma colecção de fotografias de cena, imagens de rodagem, gravações de audio, objectos de cena e que mais parafernália cinéfila agregada pelo realizador, Peter Braatz. O realizador foi convidado a acompanhar a rodagem do filme de David Lynch em 1985, tendo tirado alguns milhares de fotografias e rodados mais de três horas de filme em 8mm. Desse material surgiu No Frank in Lumbertown (1988). Blue Velvet Revisited regressa a esse material (agora digitalizado e colorido) e acrescenta-lhe outros, tornando pública uma porção significativa de imagens inéditas que servem como documento fundamental para compreender melhor a obra mais emblemática do misterioso cineasta norte-americano.
Christine (2016) de António Campos
De quando em vez surge a curiosa coincidência de dois filmes sobre o mesmo tema estreados quase em simultâneo. Desta vez o assunto foi o suicídio, emitido em directo na televisão norte-americana, de Christine Chubbock nos anos 1970. Já vi este ano, no IndieLisboa, Kate Plays Christine (2016) de Robert Greene (tema de uma das crónicas de Mafalda Melo) — aliás, moderei uma Talk sobre o cinema independente norte-americano com o realizador e o crítico do jornal Público Jorge Mourinha. Agora chega a hora de ver a interpretação de Antonio Campos — que entrevistei juntamente com o João Lameira — e que é conhecido dos espectadores nacionais por filmes como Afterschool (2008) e Simon Killer (2012).
El Futuro Perfecto (2016) de Nele Wohlatz
El Futuro Perfecto aparenta ser um filme de emigrados: realizado por Nele Wohlatz, realizadora alemã radicada na Argentina, trata da história de difícil integração de uma menina chinesa que não fala uma palavra de espanhol e cuja família vive reclusa num mundo que lhe é estranho e indiferente. A juntar a isto, a menina chinesa iniciará um romance com um rapaz de origens indianas. Talvez seja uma ode à multiculturalidade argentina, ou uma reflexão sobre o que se perde e ganha com a globalização e a apropriação cultural. Vamos ver… Para já é um pequeno filme (apenas 65 minutos) que venceu o prémio para melhor primeira longa-metragem de ficção na última edição do festival de Locarno.
Hotaru (2016) de William Laboury
Hotaru é uma curta-metragem de 20 minutos que foi exibida em competição na última edição do IndieLisboa. É um filme de escola, e é como tal que é exibida no LEFFest, um exercício de montagem para uma das mais prestigiadas escolas de cinema em França, La Fémis. William Laboury talvez não seja estranho do leitor, já que um vídeo seu, produzido a convite do festival de San Sebastián se tornou viral há alguns meses (e foi uma staff pick do Vimeo), Hello. (2015). Quanto ao filme propriamente dito é um objecto distópico onde uma rapariga enviada para o espaço conserva em si todas as memórias do mundo, mas apenas deseja recordar-se de Hotaru, um rapaz japonês que talvez tenha conhecido. Uma re-interpretação de Hiroshima, Mon Amour (Hiroshima, meu amor, 1959) de Alain Resnais para os dias da internet.
Jeunesse (2016) de Julien Samani
Baseado num conto de Joseph Conrad, intitulado “Youth”, esta é a estreia na ficção de longa-metragem de Julien Samani, realizador de La Peau trouée (2004), vencedor do prémio Jean Vigo para melhor curta-metragem, e de Les Hommes de la forêt 21 (2008), vencedor do prémio do júri no festival Visions du Réel. O filme acompanha um rapaz de vinte anos que deseja tornar-se marinheiro na sua primeira viagem no mar, partindo de Le Havre e terminando em Luanda. Produzido pelo director do festival, Paulo Branco (à imagem de tantos mais títulos da programação), o filme esteve em competição na última edição do festival de Locarno e surge agora na secção Descobertas.
Notfilm (2015) de Ross Lipman
Ross Lipman é um conhecido conservador cinematográfico, tendo sido responsável por vários restauros de cinema norte-americano que de certo modo re-canonizaram certos filmes na história da sétima arte. É também um conhecido crítico e ensaísta. Notfilm surge como um kino-essay mais do que um filme, um objecto que se dedica a compreender, tão profundamente quanto possível, a história por detrás de Film (1965) de Samuel Beckett, a sua primeira e única incursão pelo cinema. Recorrendo a entrevistas de vários dos colaboradores e amigos de Beckett, a gravações anteriormente secretas das reuniões de pre-produção, entre outros materiais, Ross Lipman organiza um estudo exaustivo sobre o filme, as suas origens, o modo como foi feito e as consequências desse objecto na obra dos seus participantes.
Ornamento e Crime (2015) de Rodrigo Areias
Rodrigo Areias, como produtor na Bando à Parte vem sendo a figura por trás de uma enorme produção de cinema experimental em Portugal, em particular o cinema de Edgar Pêra, Jorge Quintela ou Pedro Bastos. Como realizador Areias é mais comedido, e os seus filmes passeiam-se pelos géneros cinematográficos, o road movie de Tebas (2007), o western alentejano de Estrada de Palha (2012) ou agora o noir de Ornamento e Crime. Estreado em Portugal no Festival de Cinema Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira o filme trata a história de um polícia corrupto entre máfias, vereadores, empreiteiros, polícias e femmes fatales.
Porto (2016) de Gabe Klinger
O crítico de cinema Gabe Klinger realizou Double Play: James Benning and Richard Linklater (2014), um estranho encontro entre dois amigos cineastas diametralmente oposto. Foi a propósito desse filme e da rodagem deste que agora se estreia em Portugal (filmado como o nome indica no Porto) que foi entrevistado por Luís Mendonça. Nessa entrevista confessava “Agora vou filmar a minha primeira longa-metragem de ficção. Vai ser filmada aqui, em Portugal, no Porto, com o Rodrigo Areias [também produtor de Double Play]. Fiquei com vontade de fazer uma coisa mais formal. É um argumento original que escrevi com Larry Gross e que está a ser produzido, nos Estados Unidos, pelo Jim Jarmusch. E vai ter Anton Yelchin, que é um actor do Star Trek (2009) e um grande cinéfilo”. Yelchin faleceu em Junho deste ano, com 27 anos.
Redes (1936) de Gómez Muriel e Fred Zinnemenn
Apesar de ser um restauro de 2009, pela World Cinema Foundation, a fundação criada por Martin Scorsese que vem promovendo vários restauros de obras de cinematografias menos canónicas, só agora será exibido no LEFFest e (salvo erro) em Portugal. É um filme seminal do cinema mexicano e foi encarado como um dos precursores do neo-realismo. Em parte influenciado pelo cinema soviético, trata de uma comunidade piscatória vítima de enorme pobreza e de um monopolista que impõe preços muito reduzidos. O protagonista é um jovem pescador que consegue organizar uma rebelião sindical contra a situação de corrupção e do abuso do patronato.
Uncle Howard (2016) de Aaron Brookner
Aquando do último QueerLisboa tinha lamentado a não selecção deste filme. Aaron Brookner é sobrinho de Howard Brookner, o realizador de Burroughs: The Movie (1983) — cuja respeitabilidade recente se deveu ao restauro promovido pelo próprio Aaron, que descobriu uma cópia original do filme e a partir da qual resultou a edição pela afamada Criterion. Um realizador um tanto ou quanto atípico que viu a sua carreira e sua vida reduzida pela morte precoce, resultante das complicações associadas ao VIH. O filme do sobrinho, que esteve em competição em Sundance, retrata a viagem do próprio às memórias do tio, e à revolução cultural na Nova Iorque dos anos 1970 e 1980, encabeçada também pelo grande William S. Burroughs.