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No Home Movie — Chantal Akerman, Planeta Terra

De À pala de Walsh · Em 21 de Novembro, 2016

No Home Movie (2015) é um filme belíssimo, em linha com o conjunto do trabalho de Chantal Akerman mas umbilicalmente novo no modo como expõe a intimidade, abeirando-se de uma fragilidade que é tanto mais desarmante quanto a aproximação de Akerman é sóbria, minimalista e complexa, “dura” e de uma funda ternura. Aconteceu que viesse a ser o último filme de Chantal, que de certo modo aqui filmou o fim de vida da sua mãe, Natalia, não muito tempo antes de ver o seu próprio tempo esgotado. “Emoção”, ouve-se dizer a Samuel Fuller, resumindo o que “é” o cinema, no filme de Godard que nos anos 60 para ele “levou” Chantal Akerman — Pierrot le fou (Pedro o Louco, 1965). Na galáxia Akerman, 2015, No Home Movie é, do início ao fim, “emoção”.

No Home Movie (2015) de Chantal Akerman

A “explosão” Akerman irrompeu em 1968, em Saute ma ville (1968), com Akerman, realizadora-actriz a reinventar o burlesco no primeiro dos seus (auto)retratos ou das variações deles, de resto, anunciando, entre outras coisas, a liberdade de que o seu, prolífero, subsequente trabalho seria feito. Resistente a categorias, plural nas durações, motivos, registos — que a partir do início deste segundo milénio passaram a incluir um consistente trabalho de instalações em galerias de arte e museus, não raras vezes voltando a filmes e imagens iniciais —, a sua é uma obra fundada na modernidade do cinema (a Nouvelle Vague francesa dos anos 60; o encontro nos anos 70, nos Estados Unidos, com o cinema de Michael Snow, Stan Brakhage ou Jonas Mekas) e uma “peça” essencial dela (a filmografia de Akerman é fulcral na contemporaneidade do cinema). Única na sua persistente experimentação, narrativa e formal, no seu rigor, na sua abertura, no modo como se deteve na observação da realidade e como quem ela se relacionou, o que será mais perceptível nos filmes mais reconhecivelmente “documentais” mas não é menos verdade nos de “ficção”.

A singularidade de Akerman, sabe-se, é também indissociável de uma travessia de territórios e fronteiras, geográficos e cinematográficos: de finais dos anos 60, na “primeira fase belga” de Saute ma ville, aos anos 70, o “período americano” de La chambre (1972), Hôtel Monterey (1972), News from Home (1976) e, num regresso à Europa, o do seminal Jeanne Dielman, 23, Quai du Commerce, 1080 Brussels (Jeanne Dielman, 1975) e o do fulgurante Je, tu, il, elle (1974), estrada fora no encalço de um amor cadente, e ainda o da errância de Les rendez-vous d’anna (Os Encontros de Anna, 1978). Os anos 80, iniciados com a efervescência de toute une nuit que, como jeanne dielman, trabalha a ideia da repetição, também ela um eixo da obra de Akerman, marcada pelas da materialidade da duração, a atenção aos pormenores, o vagar, os movimentos panorâmicos, foram ainda os da “comédia musical” em reflexão sobre o trabalho do cinema de Golden Eighties (1986) (la galérie), “preparado” pelo anterior les années 80 — “à ton âge, un chagrin c’est vite passé” — e “declinado” numa série de outros [Family Business (1984), por exemplo, ou L’homme à la valise (1983), Lettre d’une cinéaste (1984), Hôtel des Acacias (1982)].

A partir da década de 90, a reflexão sobre o cinema e sobre a sua história pessoal torna-se consanguínea com a da reflexão sobre a História do povo judeu, a dos errantes, excluídos e exilados na série de retratos compostos pela respiração de longos planos fixos e longos travellings de que fazem parte, magnífica parte, D’Est (1993, em viagem pelos países do Leste), Sud (1999, “par” americano de d’est), De l’autre côté (2002, centrado na questão da imigração ilegal do México para os Estados Unidos) ou ainda Là-bas (2006, filmado dentro das quatro paredes de um apartamento em Telavive: “Será possível viver uma vida aqui? Serão possíveis as imagens aqui?”). A liberdade de pensamento e de acção de Akerman fez também destes anos os das suas longas-metragens de ficção de regresso à comédia — Un divan à New York (Um Divã em Nova Iorque, 1996), em que cumpre o velho projecto de realizar uma comédia na tradição clássica americana da screwball romântica, que lhe mereceu imerecidas reservas por parte de muitos dos seus “fiéis”, e Demain on déménage (Amanhã Mudamos de Casa, 2004), “uma comédia optimista como só os pessimistas podem fazer”, cujo burlesco e aparente ligeireza estão imersos em gravidade. Foram simultaneamente os anos da sua aproximação a Proust, em La captive (A Cativa, 2000), a partir de A Prisioneira, volume V de Em Busca do Tempo Perdido, e a Conrad, em La folie Almayer (A Loucura de Almayer2011). Diz isto muito sobre a singularidade de Akerman? Não, não diz. Mas este é um texto sobre No Home Movie.

D’Est (1993) de Chantal Akerman

A propósito dele, demoremo-nos um pouco mais na questão da auto-representação, porque não só Akerman se filmou muito — por aí começando, a solo, em Saute ma ville —, como filmou muito a sua biografia, a direito e de través, e até travessamente, caso de Lettre d’une cinéaste, em que as suas notícias — a sua carta — dão conta das inúmeras atribulações do projecto de Golden Eighties. Se saute ma ville foi explosivo, os onze minutos das panorâmicas de La chambre podem ser olhados como uma declaração de princípios, pela concentração de ideias e imagens matriciais: vagarosas e repetitivas, as panorâmicas descrevem duas vezes 360 graus com uma aceleração ligeiramente diferente, interrompendo-se a terceira delas nos 180 graus para inverter o sentido do movimento que volta à mulher (Akerman) deitada ou sentada na cama do compartimento filmado, a comer uma maçã, de olhos fechados ou a olhar directamente para a câmara. O primeiro auto-retrato de Chantal é o seu primeiro “filme de Nova Iorque”, a cidade do epistolar News from Home. Um filme como portrait d’une paresseuse (1986), em que Akerman filmou “o pecado da preguiça” para o colectivo sept femmes, sept péchés, no caso filmando-se em dueto com a violoncelista Sonia Wieder-Atherton (presença em vários outros dos seus filmes), é também um (auto)retrato e o retrato de um espaço de intimidade (um quarto, outra das suas recorrências), cuja dimensão lúdica se aproxima de lettre d’une cinéaste: “Hoje é sábado e faço um filme sobre a preguiça” / “Para fazer cinema é preciso que uma pessoa se levante…” Os casos de auto-exposição são múltiplos, e sem lhes fazer o inventário, vale a pena lembrar como foi na primeira pessoa que Akerman respondeu à proposta da série “Cinéma, de Notre Temps” quando chegou a sua vez: Chantal Akerman par Chantal Akerman (1996). Também vale a pena lembrar que, sem ser um auto-retrato, Je tu il elle é porventura o filme em que Akerman levou mais longe a sua própria presença no seu cinema. Mas este é um texto sobre No Home Movie e No Home Movie é já outra coisa.

Há três palavras no título — “Não”, “Casa”, “Filme” — cuja sonoridade rima com News from Home, não por acaso um filme autobiográfico, o filme nova-iorquino de Akerman em que a sucessão de imagens de Manhattan é acompanhada do texto em off das cartas que a mãe lhe escrevera da Europa ao longo dos períodos em que ela aí viveu no início da década de 70. Por acaso ou não, No Home Movie não deixa de evocar outro título, famoso, de um grande filme frágil, We Can’t Go Home Again (1973), o último Nicholas Ray. Não há casa onde voltar, talvez. Certo é que o último filme de Chantal Akerman começa pela partícula negativa, “não”. É forte.

We Can’t Go Home Again (1973) de Nicholas Ray

Forte é uma palavra que pode “resumir” todo o filme, assente nas imagens interiores da casa de Natalia Akerman em Bruxelas, durante as visitas da filha, que acompanha de longe e perto os seus dias de doença; nas dos exteriores da paisagem de Israel por onde Chantal viaja; nas dos interiores dos quartos de hotel onde ela pousa, por aí ou nos Estados Unidos (Oklahoma, Nova Iorque) e entra em contacto com a mãe via Skype, em conversas que filma próxima do monitor do computador portátil, porque “quero mostrar como já não há distância no mundo em que vivemos”, “quero mostrar como o mundo é pequeno”, ela que, vai notando a mãe, “tem sempre tantas ideias” e está “sempre de câmara na mão”. Há duas destas ligações em No Home Movie, reflectindo o permanente jogo de molduras e reflexos que atravessam os enquadramentos de muitos dos seus planos, e no final da última delas a câmara de Chantal Akerman aproxima-se mesmo muito da imagem da mãe no monitor que também reflecte a sua e acaba ocupado pelos pixéis abstractos de um muito, muito grande plano do rosto de Natalia. A cena, que é “banal”, acaba com a despedida casual porventura mais longa e mais carinhosa alguma vez filmada, com os “adeus, adeus” que se repetem, a troca tomada e retomada de “beijinhos, beijinhos”.

Chantal Akerman filmou sublimemente a banalidade em Jeanne Dielman, muito concentrado no espaço da casa da solitária protagonista, que se adivinha devedora da inspiração em modelos que lhe seriam familiares. É também no espaço da casa, onde, além da varanda, a sala e a cozinha são cenários de eleição, que No Home Movie se concentra quando em Bruxelas, em planos quase sempre fixos, a câmara à altura das mesas. “Este filme”, escreveu ela, depois de explicar como o começou sem consciência exacta do projecto, que provavelmente lhe teria “causado medo” ou “não o medo suficiente”, e que compôs a partir de vinte horas de material em bruto, “é acima de tudo sobre a minha mãe, a minha mãe que já não se encontra entre nós. Sobre essa mulher que chegou à Bélgica em 1938, em fuga da Polónia, dos pogroms e da violência. Essa mulher que é sempre somente vista dentro do seu apartamento. Um apartamento em Bruxelas. Uma mãe que sempre foi deixada sozinha e reencontrada depois das longas viagens feitas por uma e outra das suas duas filhas, a minha irmã e eu. É pois um filme sobre a minha mãe, mas não apenas. […] Um filme acerca de um mundo em movimento que a minha mãe não vê.”

No Home Movie (2015) de Chantal Akerman

Tudo isso está em No Home Movie, onde o retrato de Natalia e da relação com a filha se vai construindo em “pinceladas”, nas conversas trocadas, nos silêncios. O mundo em movimento que a mãe não vê é o de Chantal, que por ele começa no longo, eloquente, lacónico, plano sequência de abertura de uma árvore fortemente batida pelo vento, solitária e estóica no horizonte da desértica e poeirenta paisagem. O som do vento sacode igualmente a banda de som, impressionante depois do silêncio do genérico negro (iguais os de início e fim) e audível também no raccord que o “corta” no plano seguinte do parque que antecede a primeira das cenas interiores em casa. Está noutros momentos “exteriores” do filme, no plano do campo mais suavemente batido pelo vento que sinaliza o desaparecimento da mãe, nos travellings ao longo da estrada em Israel, um deles violento pela proximidade da escala e a “batida”; o primeiro mais contemplativo. Sensivelmente a meio do filme, é a cena deste plano sequência que encontra o seu desfecho na imagem, não muito larga, da água acastanhada de um lago olhada de cima onde a sombra da silhueta de Chantal Akerman vem cintilar. É uma das mais persistentes de No Home Movie.

E há que notar como ele acaba de volta à casa de Bruxelas, agora desabitada (o último plano é o do espaço vazio, simétrico àquele em que Natalia entra pela primeira vez em campo). Como Chantal Akerman puxa o cabelo para trás e aperta os atacadores dos sapatos na sua última cena, numa evocação da memória partilhada com a mãe de como atá-los era uma questão em criança. Como, a seguir, se levanta e corre a cortina do quarto, que se afunda no escuro.

 

Maria João Madeira

Este texto é uma adaptação realizada pela autora da folha de sala escrita para a Cinemateca Portuguesa sobre No Home Movie.

 

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