Introdução à Segunda Temporada dos Filmes Fetiche
A forma como recebemos os filmes resulta de uma infinidade de factores que são muito mais largos que aqueles que se operam dentro da sala de cinema: o sono, o pequeno-almoço, os amores e demais conflitos interiores e exteriores. Mas talvez um dos factores mais decisivos para um espectador (cinéfilo) seja o filme que se acabou de ver antes. Faz uns anos deu-se o acaso de ter visto de manhã After Earth (Depois da Terra, 2013) de M. Night Shyamalan e depois, ao final da tarde, a Cinemateca Portuguesa — Museu do Cinema ter exibido Bigger than Life (Atrás do Espelho, 1956) de Nicholas Ray. O facto de o intervalo entre os dois filmes ter sido curto — e salvo erro ter sido preenchido por Da-reun na-ra-e-seo (Noutro País, 2012) de Hong Sang-soo — deu origem a que o filme de Ray me surgisse tintado pelo de Shyamalan. As proximidades entre um título e outro pareceram-me demasiado improváveis para não ser relevante notá-las.
Esse desejo de há três anos (concretizado à época por uma simples agregação de fotogramas e depois por um ESTADO DA ARTE) materializou-se finalmente neste vídeo-ensaio em que encontro cinco pontos de contacto directo entre os dois filmes. Talvez mais curioso seja o facto de só aquando do contraste produzido pelo splitscreen me ter apercebido do quão diferentes são afinal os filmes, em particular a natureza da relação pai-filho. Por outro lado, postos lado a lado (ou cima a baixo), os filmes comunicam e James Mason pergunta como vão as coisas no andar de baixo a um Will Smith com semelhantes problemas de dor crónica e hesitante com a toma de analgésicos. Ou como a distância física de Smith se converta numa distância emocional em Mason aquando da sequência dos bolos. Ou ainda quando Mason afirma recordar-se de tudo e Smith responde me too. Esta é talvez a capacidade mais evidente do gesto vídeo-ensaístico: promover, pelo envolvimento directo com os materiais dos filmes, relações e descobertas que doutro modo nunca se produziriam.