Ji-geum-eun-mat-go-geu-ddae-neun-teul-li-da (Sítio Certo, História Errada, 2015) – 52 pontos; Rak ti Khon Kaen (Cemitério do Esplendor, 2015) – 50 pontos; The Hateful Eight (Os Oito Odiados, 2015) – 49 pontos; Elle (Ela, 2016) – 47 pontos; Saul fia (O Filho de Saul, 2015) – 30 pontos; L’ombre des femmes (À Sombra das Mulheres, 2016)- 28 pontos; O Ornitólogo (2016) – 26 pontos; Shan he gu ren (Se as Montanhas Se Afastam, 2015) ex aequo com Cìkè Niè Yinniáng (A Assassina, 2015) ex aequo com John From (2016) – 19 pontos; A Toca do Lobo (2016) ex aequo com Julieta (2016) ex aequo com Love (2015) – 18 pontos; Carol (2015)- 16 pontos
Um ano particularmente rico. A dispersão de votos nunca foi tanta neste género de votações do À pala de Walsh. E, por isso, será natural que cada walshiano não se reveja em todo o top final. Mas, com tanta dispersão e “originalidade”, há aqui um importante repetente de um dos tops anteriores: Hong Sang-soo, que em 2013 viu o seu Da-reun na-ra-e-suh (Noutro País, 2012) distinguido com o prémio de filme do ano do À pala de Walsh. Aqui repete-se – e repetição é uma das palavras favoritas deste cineasta sul-coreano – a consagração. Também regressam aos nossos balanços Quentin Tarantino e Philippe Garrel. E, já que estamos a falar de tendências que se mantêm, o cinema português volta a estar bem representado, desta feita, por O Ornitólogo, John From e A Toca do Lobo. É preciso destacar especialmente Elle, o mais recente filme de Paul Verhoeven, porque, com tanta dispersão e ex aequos e apesar do quarto lugar que ocupa no balanço final, consegue ser o único filme que repete um primeiro lugar de entre todas as listas individuais dos nossos críticos.
De qualquer maneira, este foi um ano sob o signo da Ásia, ainda que todos os filmes asiáticos aqui trazidos sejam de realizadores absolutamente estabelecidos no panorama do cinema internacional: o já referido Hong Sang-soo, o tailandês Apichatpong Weerasethakul, o chinês Jia Zhang-ke e o taiwanês Hou Hsiao-hsien. Por falar em nomes estabelecidos, o que dizer da aparente “ressurreição” de um nome como o de Pedro Almodóvar, ele que estava arredado destas contas há já muito tempo? Esta será uma das surpresas do top, mas a grande provocação está noutro lado: o muito amado, mas também odiado, Love de Gaspar Noé chega à lista final. Outro choque, de outro tipo, também não caiu facilmente no nosso esquecimento: Saul fia faz-nos entrar, com dureza, na realidade horrenda dos campos de concentração – e de lá nunca chegamos verdadeiramente a sair. Nota final para o último filme da lista: Carol de Todd Haynes. Um bombom sentimental, belo mas amargo, que encerra o balanço final deste ano onde a diversidade é a nota dominante.
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O ano de todos os perigos ficou marcado pelo regresso do glam. Simon Reynolds lançou a publicação “Shock and Awe: Glam Rock and its Legacy” e nas páginas do Guardian questionava: A política é o novo glam rock? O artigo começa por constatar que, nos anos 60, David Bowie aludia premonitoriamente a um poderoso ditador que emergiria do entretenimento e não da política convencional para varrer do mundo a decadência alimentada pela sociedade permissiva. Como Reynolds assinala, para além do penteado laranja, superficialmente, Trump e as estrelas glam não poderiam estar mais distantes. Trump apresenta-se como fanático, valentão machista e ignorante orgulhoso. Por seu lado, Bowie e os reluzentes companheiros eram estetas andróginos, intelectualmente famintos e experimentais no sexo. E conclui que, apesar disso, partilham afinidades improváveis: a obsessão pela fama e um instinto impiedoso para conquistar a atenção, rodeando-se de brilho e reinventando-se quando é conveniente. Nos próximos anos, o cinema terá de se confrontar com a realidade modelada pelos novos senhores que governam o mundo a partir do alto da imponente Trump Tower. Enquanto se instalava o choque, a distribuição cinematográfica portuguesa brindou-nos com os filmes da lista ao lado, onde constam vários visionados em anos anteriores. Outros títulos se destacaram: Kishibe no tabi (Kiyoshi Kurosawa), L’ombre des femmes (Philippe Garrel), John From (João Nicolau), La academia de las musas (José Luis Guerin), Francofonia (Alexander Sokurov), An (Naomi Kawase), Boi Neon (Gabriel Mascaro) e Taklub (Brillante Mendoza). De um espectador faminto que não está dependente dos humores da distribuição local, regista-se uma lista alternativa: 1. O Ornitólogo (João Pedro Rodrigues); 2. Rester Vertical (Alain Guiraudie); 3. The Hateful Height (Quentin Tarantino); 4. Elle (Paul Verhoeven); 5. Correspondências (Rita Azevedo Gomes); 6. 31 (Rob Zombie); 7. The Neon Demon (Nicolas Winding Refn); 8. Don’t Breathe (Fede Alvarez); 9. Kurîpî: Itsuwari no rinjin (Kiyoshi Kurosawa); 10. In a Valley of Violence (Ti West); 11. Shan He Gu Ren (Jia Zhangke); 12. Saul fia (László Nemes); 13. Goksung (Na Hong-jin); 14. Nos Interstícios da Realidade – O Cinema de António de Macedo (João Monteiro); 15. Busanhaeng (Yeon Sang-Ho); 16. The Conjuring 2 (James Wan). |
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Em anos anteriores, chego sempre a este momento com a impressão de uma colheita fraca, até ao momento em que, depois de consultar o que passou nas salas (ou, mais rigorosamente, o que consegui ver), mudo de opinião. Desta feita, infelizmente, tal não aconteceu e a sensação que me fica é mesmo a de que este foi, de facto, e com excepções, um ano mediano. Mia Hansen-Løve é, talvez, @ cineasta que, nos tempos que correm, mais me comove a cada filme, a um ponto tal que chega a ser incómodo – esse ponto em que, durante o filme e, sobretudo, depois dele, colocamos toda a nossa vida em perspectiva (como tentei explicar aqui ). Com o “escândalo” de Love em segundo lugar estou muito confortável, e, para quem estiver interessado, pode encontrar as minhas considerações sobre o filme ali ao lado. Noutro plano, um das grandes descobertas do meu ano cinematográfico foi Vincent Macaigne, actor e realizador francês a quem dediquei este texto. 2016 foi, ainda, o ano de Marine Vacht, não apenas porque a vi em sala (no medíocre Belles Familles), mas porque todos os anos são de Marine Vacth – o meu contributo para o dossier E ELAS CRIARAM CINEMA é sobre ela. Aloys, que não estreou em sala mas foi exibido no FEST, e sobre o qual escrevi nesta casa, é o primeiro (sim, primeiro, leram bem) e tocante filme de Tobias Nölle, história de um “lobo solitário” mais inofensivo do que uma mosca e cujo único “acto de terrorismo” é espiar os outros em busca de algum afecto (como se vê, matéria cinéfila com pano para mangas) – não fosse o critério de exibição em sala e estaria no meu top 3. Outros filmes interessantes que apanhei em festivais (entre Indie Lisboa, Fantasporto, Curtas Vila do Conde, FEST e Porto/Post/Doc): La Californie (2015, Charles Redon), Dom Juan & Sganarelle (2015, Vincent Macaigne), Une histoire américaine (2015, Armel Hostiou), Before the Rain (1994, Milcho Manchevski), Alisa in Warland (2016, Alisa Kovalenko e Liubov Durakova), Severed Garden (2015, de Gonçalo Almeida) (curta), Por Diabos (2015, Carlos Amaral) (curta), Raving Iran (2016, Susanne Regina Meures), No Cow On The Ice (2015, Eloy Domínguez Serén), Flotel Europa (2015, Vladimir Tomic). |
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Nestas escolhas de 2016, há uma constante involuntária: o feminino. No topo da minha lista, Elle. A transparência do pronome pessoal assume o comando, e, ainda assim, o facto de aqui também constarem Nie yin niang, Carol ou L’ombre des femmes, não se coaduna com qualquer critério de género. O ano trouxe protagonismo feminino. Em cada um destes títulos – de realizadores que sabem estabelecer um pacto entre a câmara e as mulheres –, elas são centro e abismo, fisionomia do melodrama, seres de profundo magnetismo que expõem, com maior ou menor subtileza, as suas feridas. E o que é o cinema senão uma ferida aberta? Isabelle Huppert, que dita os destinos do filme de Paul Verhoeven (chegado na reta final do ano), pela singularidade, é a interpretação digna de memória perpétua, como manual vivo do seu “eu” artístico. Mas 2016 foi também um ano de admiráveis fugas espirituais na natureza, como as que vemos em Rak ti khon kaen e O Ornitólogo, este último, do premiado João Pedro Rodrigues, que deixou um muito bom vestígio do que de cinema português se fez (Cartas da Guerra, embora não integre a lista, é igualmente um expressivo sintoma). De resto, tornou-se-me evidente que as cinematografias orientais, como as de Hou Hsiao-Hsien (A Assassina) e Hong Sang-Soo (Ji-geum-eun-mat-go-geu-ddae-neun-teul-li-da), embelezaram o panorama com o seu notável sentido de composição formal e narrativa. Uma noção que não é estranha ao americano Ira Sachs, com Love is Strange, no rasto da mestria de Ozu. (Texto originalmente publicado na revista Metrópolis) |
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Primeiro, alguns filmes que ainda não consegui ver (e por isso ficam de fora): I, Daniel Blake, Dheepan, Chevalier, A Toca do Lobo (e ainda faltam estrear os novos de Asghar Farhadi e Derek Cianfrance). Depois, alguns que ficam fora da lista mas que podiam estar pelo menos nos últimos lugares, numa espécie de menção honrosa: Arrival de Denis Villeneuve, The Lobster de Yorgos Lanthimos, Carol de Todd Haynes, The Hateful Eight de Quentin Tarantino. Sobre os 3 primeiros, uma breve explicação: Nocturnal Animals é um pesadelo impressionista sobre o preciso momento da falência de uma pessoa, sobre aquele momento em ganhamos consciência da impossibilidade de reparar algo feito – parece o tipo de filme que Cronenberg deixou de fazer; Cartas da Guerra coloca em paralelo os horrores e a monotonia de uma guerra sem sentido com um romantismo tão exaltado e redentor como português; Saul fia é o verdadeiro filme anti-”pós-verdade”: uma viagem vertiginosa a um território imaginável, que é sobre o Holocausto, mas também é sobre um realizador, a sua câmara, e um actor que este recusa-se a abandonar. 2016 foi um ano terrível: as eleições americanas, o brexit, a crise de refugiados, os recorrentes atentados; mas também surreal, já que por cá tudo corria bem: a recuperação económica, o campeonato europeu. Deixo por isso referência a alguns filmes vistos fora do circuito comercial, que espero que venham a estrear em 2017 e de alguma forma melhorar o novo ano: Cinema Novo de Eryk Rocha, um poema em movimento sobre o próprio cinema e o seu papel para agitar consciências; Eldorado XXI de Salomé Lamas, um assombroso mergulho nas trevas da realidade; Certain Women de Kelly Reichardt, que pelo seu humanismo e pela sua gramática, é o mais próximo de um filme de Ozu que vimos recentemente. |
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Não sei bem se foi um ano bom ou mau em termos de estreias, houve muitos filmes (daqueles que provavelmente acabarão em diversas listas) que não vi, por uma razão ou por outra. A principal: um certo desligamento em relação ao cinema, que me afastou também das salas. A maioria dos filmes aqui listados vi-os em casa, num computador. Alguns, como The Hateful Eight, imperdoavelmente. Uma das excepções é o meu número um, que, de resto, ficou decidido desde a sessão do LEFFest em finais de 2015. |
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Foi um bom ano de cinema.Tarantino volta à forma de Inglourious Basterds (Sacanas Sem Lei, 2009) com um western de horror que refaz The Thing (Veio do Outro Mundo, 1982) e propõe uma releitura poderosamente política da história mitológica da América – foi tão longe que nele conseguimos ver, em parábola, este mundo da pós-verdade que hoje, tão clara, pungente e virulentamente, nos habita.The Conjuring 2 é um realizador de câmara a dar uma lição de cinema como houve poucas nos últimos tempos. Elle é um dos filmes mais finos – e delicadamente perversos – de Verhoeven. Cemitério do Esplendor é o melhor Apichatpong em muito tempo. E os novos de Hong e de Guerín renovam o brilho das obras destes dois magníficos realizadores. Guzmán produz uma visão singular sobre a história sangrenta do Chile em ligação com o cosmos – dos filmes mais belos e ricos deste ano. Don’t Breathe faz double bill com o filme de Wan. É uma vénia a David Fincher, que tem em Fede Alvarez e em Wan os seus mais magistrais seguidores. Lo and Behold é o documentário mais urgente da actualidade – Herzog a desmontar os nossos tempos hipermediados. Por fim, não quis deixar de fora o impecável Spotlight, um filme seco, à la Pakula, sobre o processo de procura da verdade, incidentalmente, no campo do jornalismo. Este ano vi exactamente 60 filmes (dos elegíveis para esta lista), mas queria deixar o lamento de não ter conseguido assistir a A Toca do Lobo, John From, Se as Montanhas Se Afastam e I, Daniel Blake. Aos deuses do cinema, as minhas desculpas. |
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Dos mais de quatrocentos filmes que estrearam em 2016, vi pouco mais de quarenta. Considerando isso, um duplo top 10 é quase indecoroso. Achei, no entanto, que um panorama justo deste ano bizarro devia integrar estes filmes. Alguns deles, não sendo extraordinários, contêm um qualquer ponto muito bom. Podem ser trinta minutos ou trinta segundos, mas, mesmo que se trate da segunda hipótese, a proporção ainda me parece justa. Há dias que valem um ano inteiro. Quanto à ordenação, não é coisa para se levar muito a sério, mas os pares são por vezes significativos – como se a lista tivesse um lado A e lado B. [Aqui, um pequeno aparte para acrescentar duas coisas: em primeiro lugar, quatro filmes que gostava de ter visto estrear comercialmente – No Home Movie, Bella e Perduta, Lu bian ye can (Kaili Blues) e Chant D’Hiver; em segundo, uma nota sobre o facto de achar que, quanto ao cinema (deste ou doutros anos) que vai passando pelas diferentes salas do país (e em diferentes contextos), temos uma sorte bem maior do que às vezes gostamos de reconhecer.] Finalmente, para almas perdidas que andam a precisar de ver filmes que os entusiasmem, deixo uma dúzia de maravilhas mais antigas que só em 2016 tive a alegria de ver pela primeira vez – daquelas que nos fazem repensar, quando as encontramos, o que é que andámos a fazer com a nossa vida até então: Biruma no tategoto (A harpa birmanesa), Trás-os-Montes, Jeanne Dielman, 23, quai du commerce, 1080 Bruxelles, La belle et la bête, Gu ling jie shao nian sha ren shi jian (A Brighter Summer Day), There Will Be Blood, Die Abenteuer des Prinzen Achmed (As Aventuras do Príncipe Achmed), Khane-ye doust kodjast? (Onde Fica a Casa do Meu Amigo?), Neokonchennaya pyesa dlya mekhanicheskogo pianino (Peça inacabada para piano mecânico), L’amour fou, Lost, lost, lost, Mababangong bangungot (Perfumed Nightmare) e Punishment Park. |
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Hardcore Henry é um filme de puro delírio formal e, de forma paradoxal, profundamente agrilhoado ao seu próprio formalismo mimético dos vídeo-jogos first person shooter. Nessa articulação entre a sua natureza do objecto de consumo alargado (a violência por vezes gratuita, a acção imparável, o esquematismo das narrativas de plataformas) e a feira de invejáveis descobertas estéticas (a câmara como veículo simbólico, como perfurador do espaço, como continuação do corpo, ela mesma feita corpo) encontra-se o filme mais refrescante e fascinante do ano — para não falar do modo como a cada corrida, a cada desenlace, a cada solução mirabolante da câmara reencontro em Hardcore Henry tanto o cinema de Mekas, Clipson, Snow e Godard como o de Verhoeven, Tarantino e Kitano. Depois desta avalanche explosiva de violência e acção, a doçura de Nicolau e Hong ainda sabe melhor, filmes que se transformam em meditações sobre o prazer elas mesmas feitas objectos de singular alegria, e que me deixaram revitalizado por largos meses. Depois mais (tarantiniana) violência e logo a seguir mais maravilhamento pelo desconhecido e pelo processo de o encontrar e o aceitar (Clint e Joe). E na verdade assim se fez o meu ano de cinema: entre os saltos electrificantes de um olho arrancado com pauzinhos chineses e a doçura floral de uma miniatura algarvia em forma de coelhinho. Ou posto de outro modo (mais dignificante), 2016 mostrou-se, do ponto de vista cinematográfico, como um ano de reencontro entre o que há de mais javardo no cinema mainstream e o mais pretensioso no cinema de autor. Estes foram alguns dos filmes que para mim espelham esse reencontrado equilíbrio entre a baixa cultura alta e alta cultura baixa — algo cristalizado na encantadora curta metragem de Grabriel Abrantes sobre a irónica tristeza de um falo dourado que queria ser busto feminino (e da irónica tristeza da feminista frígida que o inspirou, agora vertida em risota de galeria e motivo de selfie — o nosso mundo, portanto). |
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Fazer uma lista dos “melhores do ano”, neste caso “os melhores filmes do ano”, significa logo a imposição de uma pergunta: que há de comum nos filmes escolhidos? A resposta poderá ser mais evidente nalguns casos, onde uma suposta “ideia de cinema” se encontre prevalecente; noutros, só uma ida a um psicanalista poderá desvendar um fio condutor presente na dita lista; e por fim, não se vislumbra de premeio nem uma qualquer “ideia de cinema” nem de que um qualquer Dr. Freud conseguisse extrair algo de produtivo para os seus escritos, antes tudo se resumindo a um aparente catálogo de impressões sub-conscientes indecifráveis: devemos estar, então, nesta terceira categoria. Falamos de uma lista onde coabitam o humanismo exemplar do Sully (bem vindo, Sr. Eastwood, após os seus dois piores filmes) com a grotesca misantropia de The Hateful Eight ou Elle (tão pouco referida no filme do Verhoeven, antes quase tudo se preferindo focar numa questão de “género” e seus devaneios subversivos), ou onde, paredes meias, se encontram os vestígios do cinema de rua (literalmente) dos seventies em Time Out of Mind com o assumido artificialismo trés chiq do The Neon Demon. Depois, temos um sentido de comédia provocatória tanto em Love (não nos rimos tanto com outro filme este ano) como em La academia de las musas, onde, por todo o palavreado literário e sofisticado, a grande questão permanece a mesma: como levar alguém para a cama? Hong Sang-soo nunca esteve tão próximo de um cinema de depuração estritamente alcoólico; cinema-bebedeira-puro, aí a rondar os 35% de grau. Guzmán olhou para o céu, para os desertos e para os mares e rios, e daí fabricou as melhores narrações proustianas em cinema estreado em Portugal no ano de graça de 2016. Apichatpong, numa fria noite de Abril, curou-nos, literalmente, uma tremenda dor de cabeça, com um grande exemplo de “filme-lareira, e o Sebastian Schipper fez-nos andar em plano-contínuo pelas ruas de uma Berlim nocturna, num filme onde o plano-contínuo é o que menos importa. E Malick? E Winding Refn? Tal como há anos com a Sofia Coppola do Bling Ring, encontraram em dois determinados universos (a moda, Hollywood) o terreno ideal para os seus cinemas “vazios” e sensacionalistas; “cinema-coerente”. O épico-intimista de Arrival, e, por fim, Carol, uma obra que calibra na quase-perfeição um “realismo” completamente anti-Sirkiano (aquela casa da Rooney Mara…) com uns subtis toques de afectação lírica. Também possui os melhores últimos dois minutos do ano. Outros: Miss Violence, Francofonia, The BFG, Allied, Julieta, Hrútar, Love Is Strange, X-Men: Apocalypse, 99 Homes, La loi du marché, Omoide no Marnie, 10 Cloverfield Lane, O Ornitólogo, Don’t Breathe, Eye in the Sky. |
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Balanço do ano cinematográfico de 2016, à maneira de certos comentadores desportivos: à data em que escrevemos, estrearam 374 filmes nas salas portuguesas, quase sempre às quintas-feiras, e à média de 1,09 filmes por dia (fizemos as contas). Houve-os em película e em digital, a cores e – também – a preto e branco (o que vai sendo cada vez mais raro nos dias que correm). Alguns deles – muitos – nem sequer mereciam ter sido projectados no grande ecrã, tais foram as dificuldades que evidenciaram ao nível da ideia de mise en scène e da construção do argumento (veja-se o caso daquele realizador argentino que gosta de filmar pirilaus a ejacular em 3D). É verdade que houve outros – menos – que se exibiram a um nível razoável, e que houve ainda outros – ainda menos – que se exibiram a um nível alto. De entre esses, os dez que escolhemos (numa equipa que combina a experiência do holandês Verhoeven com a irreverência de jovens talentos como o húngaro Nemes ou o romeno Porumboiu) foram os dez de que mais gostámos. Seja como for, o melhor jogador em campo foi, claramente, o veterano francês Philippe Garrel, nascido a 6 de Abril de 1948 em Boulogne-Billancourt e formado nas escolas do colectivo Zanzibar (onde alinhou ao lado de figuras como Serge Bard ou André Weinfeld). Estamos também em condições de adiantar que, para o ano que vem, estrearão mais filmes nas salas portuguesas, quase sempre às quintas-feiras. Menção honrosa: Os Meus Desenhos de Nuno Espírito Santo (Portugal) |