James Benning é um dos cineastas mais importantes do cinema experimental contemporâneo. A sua obra estende-se por mais de 50 títulos, sendo alguns dos seus mais marcantes – inclusivamente no âmbito de um certo “cinema estrutural” – 11 x 14 (1977), One Way Boogie Woogie (1977), Landscape Suicide (1987), a sua trilogia da Califórnia [El Valley Centro (1999), Los (2001) e Sogobi (2002)], 13 Lakes (2004), Ten Skies (2004) e Stemple Pass (2012). Através destes filmes, Benning constrói uma visão crítica sobre os efeitos da cultura (em particular, da tecnologia) na paisagem. Cada plano é meticulosamente preparado – com um rigor que não trai a sua formação superior em matemática – e aqui o principal efeito especial é a duração, a respiração do tempo e do espaço. Mas engana-se quem o pensa como um puro esteta. A sua obra está atravessada por um discurso ácido, até um humor fino, que transforma a contemplação num exercício crítico que muito directamente implica o espectador. James Benning esteve em Portugal a convite do Centro de Estudos Comparatistas, a quem desde já agradecemos, para dar uma masterclass no âmbito do colóquio internacional Space and Cinema, que teve lugar na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Aproveitámos a ocasião para entrevistar este que é um dos mais brilhantes realizadores norte-americanos no activo. Falou-se de tudo: vida, trabalho, matemática, humor, atenção, tecnologia, Chantal Akerman, Peter Hutton e até Donald Trump.
Luís Mendonça (LM) – Vivemos hoje na era da conexão, do trabalho colaborativo. À luz desta ideia qual é para si a importância e significado de trabalhar sozinho?
Creio que é um hábito que desenvolvi. Sempre fui tímido e por isso desde muito novo ensinei a mim próprio o que era uma câmara, como eram as diferentes aberturas do diafragma, o trabalho sobre um ponto de vista único. E foi isso que continuei a fazer ao longo da vida. Mas hoje em dia estou muito interessado na solitude, na possibilidade de estar sozinho. Mas também estou numa fase da vida em que chego a um ponto de sentir solidão, o que é algo bem diferente, e não sei se gosto disso tanto como da solitude. Existe por vezes um espaço que se atravessa de um para o outro. Penso que isto está ligado ao facto de trabalhar sozinho. Eu forneço a mim próprio estas experiências onde posso sentir-me muito só. Mas creio que o meu trabalho herdou um pouco disto, eu gosto que as imagens tenham ganho algo a partir dessa solitude.
Carlos Natálio (CN) – Num documentário sobre o seu método de trabalho, James Benning: Circling the Image (2003), fala sobre as experiências que vive para encontrar os locais que depois decide filmar. No seu caso quase parece que a repérage é um modo de vida.
Sim. Eu não tenho actualmente uma distinção entre a minha vida e o meu trabalho, está tudo integrado. Gostei da experiência desse documentário. A maior parte do filme é reconstruída e representada por mim. Íamos por exemplo para um quarto de hotel e eu fazia exactamente aquilo que faria se não estivesse lá ninguém. Mas o realizador, Reinhard Wulf, também me filmava quando estava a trabalhar e aí tornava-se mesmo real, com a equipa a ter de correr atrás de mim. Eles eram muito bons, a equipa era só a pessoa da câmara e a do som, e tinham de me seguir e eu era muito rápido a andar de um lado para o outro. E tinham um equipamento bem mais pesado do que o meu. Essas partes são as reais que captam algo do meu trabalho. As cenas dos hotéis e dos restaurantes são reconstruídas. Numa deles uma pessoa veio ter comigo porque viu as câmaras a seguirem-me e pediu-me um autógrafo porque pensava que eu era famoso. [risos] Pensava que era um filme sério e importante que estava a ser feito. Foi uma experiência engraçada.
LM – Falávamos de solitude e de liberdade do gesto e eu pensava na transformação que ocorreu na sua carreira com o digital. Aconteceu a partir do Ruhr (2009). Em que medida esta tecnologia lhe deu mais liberdade?
Em primeiro lugar, diminui os custos do trabalho e ver-nos livres desses custos dá-nos sempre um sentimento de liberdade. A partir do momento em que tens a câmara, o sistema de som e o computador pagos, depois é só acrescentar alguns discos externos, gasolina, uma sandes e podes fazer um filme. Ou seja, em primeiro lugar é uma liberdade económica. No primeiro filme que eu fiz em digital, Ruhr, eu tinha um orçamento decente e pude usá-lo para pagar todo o equipamento. Depois fui aprendendo as grandes vantagens que o digital me permitia na pós-produção. Por exemplo, podia mudar o contraste da imagem de forma mais ágil do que aquela apenas permitida pela mudança de rolo no analógico ou podia fazer colagens, colocar um céu diferente, etc. E também de forma muito mais rápida, não tens de esperar pelas revelações de laboratório ou de levar com os serviços deficitários que tens por vezes na revelação das cópias de 16mm. Estou muito feliz com o digital.
LM – Não sente uma nostalgia pela película?
Não, eu acho que a nostalgia é uma espécie de morte. Mas estou curioso que muitos jovens queiram manter a película viva e defendo isso, desde que consigam avançar o que até hoje foi feito com a película. O problema é que muitos deles estão apenas a repetir o que já foi feito, o que de certa forma é compreensível uma vez que não conhecem a história do cinema o suficiente. Porque quando começas tens o impulso de imitar coisas que te influenciam. E depois, esperançosamente, chega aquele momento em que acrescentas qualquer coisa à cultura. Mas vejo pouco disso, vejo mais esse movimento de imitação. Não tenho interesse em ver ninguém a fazer novamente um filme do Brakhage, ele já os fez, mas talvez alguém possa acrescentar algo. Há sempre espaço para crescer.
CN – Por vezes, o Benning volta a um espaço anos depois para o filmar novamente. Para mim, como espectador, tenho a sensação que esse regressar tem qualquer coisa de alguém que está muito tempo afastado de um familiar e volta a revê-lo anos depois. Como descreve este seu gesto?
Sim. Isto é algo que eu faço no meu dia-a-dia, não apenas na realização de filmes. Gosto de voltar aos locais para verificar as suas mudanças, mas também as modificações produzidas em mim mesmo por relação àquele espaço. Tento criar um sentido a partir do encontro das duas variáveis da mudança, a minha e a do espaço. Não volto só a espaços que filmo, mas também a outros onde estive no passado porque fico curioso com as mudanças e com a minha relação com esse espaço que entretanto também possa ter mudado. Creio que este é um dos meus processos de aprendizagem. E depois tornou-se um método de trabalho, refazer obras. Mas mesmo no início da minha carreira, por vezes usava um mesmo plano de um filme noutro filme. Quando fiz 8 1/2 X 11 (1977) usei 11 planos desse filme e 11 planos de 11 x 14. Desde o início que me interessei pela reciclagem de ideias e sua colocação num contexto diferente. O que é algo diferente de um remake, é um remake do que tu próprio já fizeste.
CN – Como descreve o processo de depuração das suas primeiras obras para os filmes sobre os lagos ou os céus [13 Lakes, Ten Skies], por exemplo?
Nos anos 90 passei um período em que fazia filmes a pensar na relação entre imagens/texto e diferentes formas de usar esse texto. O último dessa séria creio que foi o Utopia (1998) no qual roubei a banda sonora integral de um filme de Richard Dindo chamado Ernesto Che Guevara, le journal de Bolivie (1994). Pensei que era boa forma de terminar esta série de relações num filme em que roubava o texto integralmente. Penso que era um filme em que chegava ao esgotamento das possibilidades de articulação com o texto. Concluída essa série pensei regressar muito atrás, ao cinema primitivo anterior à introdução da narrativa. Mas também à ideia de usar o cinema para prestar atenção. Comecei com a trilogia da Califórnia [El Valley Centro; Los; Sogobi] e depois com 13 Lakes e Ten Skies. Estes são filmes onde se explora a observação, a atenção, onde não é necessário o texto. Mas agora já voltei ao texto com o Stemple Pass (2012), embora esse seja um filme de compromisso pois usa texto e imagem mas depois deixa para trás o texto. Claro que a imagem depois já só pode ser vista a partir da leitura do texto. Aí estava muito interessado em saber como a imagem se restabelecia. Por isso é que o plano tem meia hora e o texto 10/12 minutos. Para que a imagem tenha tempo de se “limpar” a si própria após ter sido “afectada” pelo texto.
LM – Mas depois também usa o cinema propriamente dito como fonte de trabalho, por exemplo, em Faces (2011) ou em Easy Rider (2012).
Isso é interessante porque eu na realidade acho que odeio cinema. [risos] Odeio o Easy Rider (1969), odeio as pessoas que entram nele, quer como actores quer como personagens. Mas eu não os conheço, na verdade o que eu odeio é o que eles representam. O que gosto no Easy Rider são os locais pelos quais eles passam e para mim a riqueza do filme são esses espaços, sobre os quais as personagens não reflectem minimamente. Então tive esta ideia de fazer um filme sobre o que estava no background da obra. No Faces (Rostos, 1968) foi mais pela piada de fazer um filme apenas composto por rostos. Gosto dessa ideia. Eu acho que as pessoas que entram no Faces são as mais nojentas possível. Odeio todas aquelas pessoas [risos]. Mas de certa maneira este é um filme muito corajoso. É feito nos anos sessenta e não há menção à guerra do Vietname, são sobretudo alcoólicos. Na verdade são os anos cinquenta a serem apresentados nos anos sessenta. E pensei, isto é um filme extraordinário que se foca na década errada. Por outro lado, é um filme à frente do seu tempo, pois é sobre políticas de género, sobre o comportamento masculino e feminino nos anos cinquenta. Isso interessa-me por isso talvez tenha uma relação de amor/ódio com o filme. Talvez a razão pela qual eu odeie cinema se encontre aqui: ele nunca foi aquilo que eu queria que fosse. Mas… talvez esteja a ser um pouco irritante agora.
CN – Nos seus filmes existe uma espécie de tensão entre dois pólos: parece que o James Benning tem de ser analítico e matemático na estrutura (nos títulos, na colocação da câmara, no enquadramento) para que no outro lado o espectador possa de facto ser livre. Como é que vê esta tensão?
Eu creio que tens razão, os meus filmes são analíticos e vem do facto de eu ter estudado matemática. Mas eu gosto do lado poético da matemática, da sua dimensão poética, mesmo das suas provas mais simples. Por exemplo, a ideia de que a raiz quadrada de 2 é irracional, o que se pode provar mesmo com uma álgebra muito simples. Um número que pode ser representado por um decimal que continua até ao infinito, ou seja, que nunca pode ser definido, ou que apenas o pode dentro de certos limites. Os meus filmes vêm dessa mistura entre o analítico e o abstracto. Por um lado, são formalistas mas, por outro lado, também quero que possuam um certo mistério, como o número irracional que não pode ser definido na sua totalidade. Talvez os meus filmes sejam um tanto freudianamente anais, mas também são livres. Cada pessoa pode vê-los por si, não quero ditar nada. Mesmo as minhas opiniões políticas muito definidas são sujeitas a uma abertura, a uma interpretação pessoal. Não creio ser dogmático. Ou melhor, eu sou dogmático, sei no que acredito, mas não passo isso para os filmes. Eu não quero fazer-te acreditar no que eu acredito. Se chegares à mesma conclusão que eu é bom, mas senão tudo bem. Por exemplo, se uma pessoa vir 13 Lakes e chegar à conclusão que estes lagos são frágeis mas que não vão morrer. Nós estamos a polui-los mas vamos morrer antes deles. Eles são enormes, vão reformular-se mesmo que estejamos a matar elementos do seu ambiente. No fundo, o que quero é que sejas capaz de ver os meus filmes a partir do teu próprio ponto de vista. Podes vê-los e achar que é bonito a forma como a luz bate na água, por exemplo.
CN – Talvez a sua aversão ao cinema venha do facto deste lado dogmático muitas vezes não permitir ao espectador este tipo de construções mais abertas…
O que eu não gosto no cinema narrativo é que é muito forçado, especialmente se tiver drama. Gosto do drama do dia-a-dia e sobre esse não é preciso construir mais nenhum por cima. Atravessar a rua é um drama suficiente para mim, ver quais são as implicações dessa acção.
LM – Curioso falar de drama pois preparámos uma questão sobre comédia. Nós achamos que os seus filmes têm um humor muito subtil. Como um Tati ou um Buster Keaton experimental. Pode dizer-se que esta é uma camada consciente na sua criação?
Acho que é algo que não consigo controlar. É parte daquilo que eu sou e que passa para os filmes. Quando mostrámos One Way Boogie Woogie ou quando o fiz, estava muito consciente dessas piadas parvas. Quando as fiz achei que tinham de facto piada e agora penso que já não têm tanta graça… Mas anos depois eu gostei de perceber que o filme tinha essa vivacidade cómica. Isso significa que na altura eu não tinha medo de ser estúpido e fazer coisas parvas. O primeiro filme é honesto e o remake [One Way Boogie Woogie/27 Years Later (2005)] coloca-o num novo contexto. Mas a cena do cavalo no segundo filme também é engraçada.
LM – Mesmo agora esse humor continua, por exemplo, no filme dos lagos ou em RR (2007).
Sim, algumas coisas têm piada na vida real, não é? Não vou negar essas coisas. Não tenho medo do humor. Eu cresci numa família na qual o meu pai tinha muito sentido de humor. A minha mãe era mais calada. O meu pai morreu jovem e aí a minha mãe passou ela a ter sentido de humor. Ela deixava-o a ele ter sentido de humor, mas na verdade também era bem divertida. Cresci neste ambiente de humor. Mas, por outro lado, não gosto de cinismo. É fácil fazer piadas cínicas mas não há soluções para os problemas se és cínico. Por exemplo, o David Letterman. Eu costumava gostar dele mas entretanto tornou-se tão cínico. Por um lado, é importante o comentário político que ele faz. Por outro lado, incomoda-me porque se és bom com a ironia a pessoa não se pode defender. Ouvindo-me falar até parece que sou uma boa pessoa. Quer dizer, eu acho que prefiro ser uma boa pessoa do que não o ser.
CN – Já tocámos um pouco no assunto, mas como é que caracterizaria um bom espectador?
Bom, eu percebo que certas pessoas venham ver os meus filmes e saiam a meio. E não lhes chamaria maus espectadores, porque por vezes uma semana depois eles podem reflectir e perceber a razão pela qual saíram da sala. Talvez eles sejam bons espectadores. Por outro lado, se um espectador está demasiado preparado para os meus filmes, então talvez eu não vá mexer com ele através do meu trabalho. Nesses casos talvez eu esteja apenas a ser agradável para eles. Já tive pessoas que vieram ter comigo a dizer-me que quase saíram da sala mas depois acabaram por não o fazer e que estão contentes por não o ter feito, pois agora olham para o ecrã de forma diferente. Isso deixa-me muito feliz, que eu possa ter feito uma pessoa pensar de forma diferente sobre como ver um filme ou sobre o que é o cinema. Perceber que têm de ser mais proactivos no olhar à sua volta, ou que não têm de ser entretidos no ecrã através de uma narrativa que os possa satisfazer mas que depois não os faça pensar nunca mais no filme que viram. É bom que um espectador seja agitado pelos filmes. Mas eu também sei que muita gente gosta dos meus filmes, que tem prazer em vê-los e claro que não me importo de lhes fornecer uma pequena dose de felicidade. Contudo, acho que é sempre bom se eu conseguir tornar a experiência do espectador um tanto difícil.
LM – Dá-se bem com a ideia de que o seu cinema tem algo de terapêutico? Especialmente no seio da sociedade em que vivemos guiada pela velocidade.
Sim, sem capacidade de atenção. Não tenho a certeza de querer que o meu trabalho seja uma cura para essas doenças. Mas se isso acontecer, tudo bem. As pessoas podem desacelerar e pensar um pouco mais. Mas não sei, o que a tecnologia faz hoje com os telemóveis e assim, as pessoas perdem a capacidade de atenção. Mas também creio que existe uma reacção a isso por parte dos próprios jovens. Eles podem estar a fazer isso mas também compreendem que tal não é muito saudável. Conheço pessoas que têm essas adições e puseram de lado esses dispositivos por uns tempos. A minha filha é viciada no telemóvel, faz lá todo o seu trabalho, desenha, pinta, mapea, filma. Para ela não é um problema, ela desenvolveu o seu trabalho a partir daí. Ela compreende o seu telemóvel como um instrumento e fá-lo trabalhar para seu benefício. O problema são as pessoas que perdem o seu tempo com esses dispositivos. Não acredito que a tecnologia seja necessariamente má. Todas estas coisas temos de aprender a usar para nosso benefício, em vez de ser uma coisa que toma conta das nossas vidas.
LM – Então não tem a mesma relação com a tecnologia do que o “Unabomber” [assunto de Stemple Pass].
Eu concordo com muito daquilo que ele acredita, que a tecnologia pode causar neuroses e todo o tipo de problemas. Mas eu também uso tecnologia, eu posso fazer tudo aquilo que preciso no computador. Não preciso de um laboratório e isso é muito positivo. Mas por exemplo quando entro num avião não tenho de tirar nenhum gadget para fora e usá-lo. Posso ler uma revista ou dormir. Mas eu sei que pode ser viciante e que muito do que ele escreveu no seu manifesto é muito interessante. Contudo, o que me interessa mais no “Unabomber” é ele ser associal, o viver fora da sociedade. Preferia que ele escrevesse sobre isso, sobre como foi criar o seu próprio espaço, em vez de escrever sobre tecnologia. Mas depois a sua vida tornou-se tão confusa com toda a sua raiva e com a morte de três pessoas e a prisão perpétua.
LM – Sobre outra figura confusa. Como cineasta político como é que vê a eleição de Donald Trump e a América que aí vem? E qual o seu papel em tudo isto?
Isso é uma questão bastante complexa. Eu creio que era das poucas pessoas que desde cedo acreditava que ele podia de facto vencer as eleições. Comecei a pensar nisto em Setembro. E penso que foi sobretudo devido ao facto do Partido Democrata ter falhado em atingir as suas bases. Mas é surpreendente que possa ter tido semelhante apoio, uma vez que Trump é uma espécie de vigarista. E ele é bastante mau a iludir as pessoas, é tão óbvia a forma como opera… Nesta fase uma política do medo é uma coisa muito simples de se praticar nos Estados Unidos. Não creio que ele tenha uma capacidade de foco e atenção para se manter na função. Creio que não vai fazer grande coisa, vai apenas nomear uma data de gente horrível que fará todo o trabalho. Talvez ele se demita. Ou então talvez seja destituído [impeached], algo que ambos os partidos gostariam de fazer. Mas nesse caso talvez tivéssemos alguém pior ainda, pois o Mike Pence é pior do que o Trump. Mas por outro lado há uma grande reacção a esta eleição e penso que vai haver uma grande mudança progressista como resposta a isto daqui a uns anos. Pelo menos nos Estados Unidos. Mas estas pessoas não são certamente as que este ano foram pró-Hillary. Mas no meio disto tudo o meu trabalho é agitar os mais jovens e deixá-los fazer todo o trabalho. Eu fiz esse trabalho quando era jovem, agora é a vez deles. Eu agora quero é ficar sentadinho na minha varanda. Quando era jovem tinha um amigo que tinha um negócio de importação/exportação em Milwaukee. Ele era socialista e passou toda a vida a bater com a cabeça na parede. E mesmo quando tinha a minha idade lembro-me de pensar que não queria fazer aquilo quando chegasse à idade dele. Mas eu admirava-o profundamente porque ele lutou este tipo de lutas toda a sua vida. E também era um promotor musical que trouxe o Dylan e os Beatles a Milwaukee. Chamava-se Nick Topings.
CN – Já disse que não gosta de cinema mas eu gostava que falasse um bocadinho….
… daquilo de que eu não gosto. [risos]
CN – De dois realizadores em particular: Peter Hutton e Chantal Akerman.
Ah sim, mas eles não fazem cinema. Eles fazem arte. Peter era um amigo próximo. Fiquei devastado quando soube da sua morte. Aliás eu estava a caminho de ir ter com ele quando soube que tinha morrido pelo Facebook. A Chantal eu gosto muito dos seus filmes. News From Home (1977) gosto muito. Essa é outra história triste… Perdemos dois grandes realizadores. O Peter era um homem generoso, os seus alunos adoravam-no, era um grande homem. Conheci-o quando tinha mudado para Nova Iorque. Ela ia à Polónia e disse-me que gostava de levar para lá filmes de pessoas que ele admirava. Não me conhecia de lado nenhum e pediu-me um filme meu para levar para a Polónia e mostrar o meu trabalho lá. A partir daí tornámo-nos bons amigos. Era um homem do mar. A forma como usava a luz, como enquadrava, a sua atenção às coisas. Nós tínhamos um pensamento em comum, embora os nossos filmes pareçam muito diferentes. A Chantal conheci-a num elevador em Milwaukee em 1978. Foi uma boa viagem de elevador: o Michael Snow, o Dick Higgins (que fazia parte do Fluxus), a Chantal e eu. O Peter também devia ter lá estado, ou então o Andy Warhol, outra pessoa que admiro como realizador, talvez não como celebridade.
LM – E hoje em dia, qual a relação com autores contemporâneos? Sei que disse, creio que para a revista Lumière, que preferia resolver um problema de matemática do que ir ao cinema.
Eu digo coisas mesmo parvas, esqueço-me que as pessoas de facto lêem isto. [risos] Na minha escolha às sextas-feiras temos uma aula chamada “Filme do Dia”, programado pelo Thom Andersen ou Bérénice Reynaud. O Thom tem uma sensibilidade próxima da minha. Embora ele goste de documentários que eu não aguento. O que é bom, é bom não concordarmos em tudo. E a Berenice gosta de cinema mais antigo, que não me diz muito. Mas programa coisas interessantes, é uma pessoa muito viajada. É assim que me vou actualizando. Ocasionalmente em Los Angeles vejo algumas coisas. Mas actualmente prefiro ir para o deserto ou para as montanhas. Olhar para algo real e não para um ecrã. Ocasionalmente ensino uma disciplina que se chama “Olhar e Ouvir” e tento que os meus alunos passem a ter um contrato forte com aquilo para o qual estão a olhar. Ou, por outras palavras, uma ligação mais intensa com a realidade, como aquela que têm com o cinema. Se podemos entrar no cinema e olhar em frente durante duas horas, então também deveríamos poder fazer o mesmo na vida real e as pessoas não costumam fazer isso. As pessoas podem ver o 13 Lakes, mas se eu as levar de facto a esse lagos teriam dificuldade em olhá-los da mesma forma. Estou interessado nesse paradoxo e em dar às pessoas um sentido mais forte de relação com o espaço onde vivem, o seu ambiente e para onde olham.
CN – Já sabemos que o James trabalha de forma muito solitária, mas depois dá aulas. É difícil para si passar de um modo solitário a um modo social?
O ensino para mim é algo necessário. Eu acho que me sentiria bastante auto-complacente se apenas fizesse arte. A experiência social do ensino para mim é importante e necessária. Eu posso passar temporadas de forma muito interiorizada e focada quando trabalho. Mas não, não é difícil passar de um modo ao outro, é mais uma espécie de libertação.